sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Resenha - Sobre a Escrita I

KING, Stephen. Sobre a escrita: a arte em memórias. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.


Então, né. Essa será uma das resenhas mais importantes que vou fazer, presumo. Um dos grandes mestres da literatura contemporânea (pelo menos um que fez um bom sucesso) dando dicas de escrita, compartilhando com a gente parte de suas memórias, parte de sua trajetória até chegar onde chegou. É envolvente, é emocionante, é realmente muito diferente do que já li. Eu sabia que era um livro sobre escrita, sobre livros, porém mais de uma vez me peguei lendo simplesmente como se fosse uma conversa com Steve (sim, chamo-o assim agora).

Por isso vou dividir essa resenha em pelo menos duas partes. Vou começar com a parte mais técnica mesmo que -- por incrível que pareça -- considerei a segunda melhor do livro. Depois vou passar para as partes da vida de Stephen King, os pequenos detalhes que ele falou que me fizeram enxergar não só a vida do escritor (em si) de maneira diferente, mas até desconstruir alguns mitos sobre a arte e o artista de uma forma geral. No post de agora vou falar da seção do livro chamada "Caixa de Feramentas". Vamos lá.


A CAIXA DE FERRAMENTAS


Steve nos ensina que todo bom escritor deve carregar sua caixa de ferramentas para onde for. Mesmo que no final ele use apenas uma chave de fenda, não tem como saber se vai precisar do martelo ou a chave inglesa. Ele divide a caixa de ferramentas em três níveis (tipo aqueles níveis das caixas cheias de ferramentas, que se abrem), vou apontar cada um deles e as ferramentas que encontramos em cada nível.

#O primeiro nível: vocabulário e gramática

Como qualquer caixa, você tem que saber o limite de coisas que consegue carregar nela, mas isso é algo que só você poderá descobrir. Um pressuposto básico da caixa de ferramentas é que no primeiro nível têm que estar as ferramentas mais acessíveis. Essas são as ferramentas que você sempre vai usar quando estiver escrevendo, não tem como fugir delas. Assim, é natural que o vocabulário vá ser a primeira das ferramentas. Porém, aqui vão as dicas:
  1. Não tente enfeitar seu vocabulário, use o que for natural para você. Nada de tentar enfeitar.
  2. Use a primeira palavra que vier a cabeça se ela resolver a parada. Se não resolver, use a segunda que vier à cabeça.
A outra ferramenta básica, da qual não se pode preceder, é a gramática (e sem fazer cara feia!). Você pode até argumentar que fugir da gramática pode ser utilizado na escrita e Steve concorda com você. Mas ele tem uma ressalva: pra você quebrar as regras, você tem que ter certeza do que está fazendo, e isso só vai ser possível se você conhecer a gramática. As dicas:
  1. Sempre é mais provável que o escritor se saia melhor se seguir as regras
  2. A simplicidade é útil e, na pior das hipóteses, te dá segurança.
  3. A gramática é a estrutura na qual você se apoia para colocar os pensamentos no papel
  4. Jamais use: "isso é tão legal", "neste momento do tempo", "no fim das contas", tio Stephen King não gosta (haha)
  5. Evite a voz passiva. Assuma seu texto e não se esconda.
  6. O advérbio não é seu amigo 
    • Lembro-me do conselho que deram a Hemingway: "Até que você aprenda a usar advérbios, não os use". Se serviu pra Hemingway, avalie pra mim.
    • Os escritores muitas vezes usam advérbios na ânsia de tentar expressar clareza, com medo de não conseguir passar uma mensagem
    • Isso deve ser feito com o texto e contexto, não com advérbios
Steve está tentando nos ensinar, como máxima, que o medo é a raiz da má escrita. Se você tem medo de escrever ou do que vai escrever, isso é transcrito no seu texto. A boa escrita vem de fazer boas escolhas e ter boas ferramentas.

#O segundo nível: o parágrafo e o ritmo

Steve entende que a unidade básica de um texto em prosa, ou um romance, não é palavra, e sim o parágrafo. Ele é quem vai delimitar muitos aspectos do texto. Por exemplo, livros fáceis geralmente têm parágrafos mais curtos e muitos espaços em branco, enquanto livros complexos têm aparência abarrotada. Ou seja, o parágrafo traduz visualmente algumas características do livro. Por isso, os parágrafos devem ser organizados e ter sua utilidade pensada.

Segundo Steve, a menos que viremos colunistas, escritores em prosa necessitam pensar em complexidade e isso significa parágrafos maiores. Isso não significa fugir da forma básica do parágrafo. Uma forma básica que ele pensa é: a) frase síntese + b) frases descritivas e complementares. 

E ele é bem intimista sobre a construção do parágrafo (e de todo o texto, valha!). Por exemplo, ao sugerir como terminar um parágrafo, ele simplesmente aconselha: deixe a natureza seguir seu curso. Se der errado, depois você volta e corrige. Algumas dicas pontuais são;

  1. Parágrafos expositivos quase nunca têm apenas uma frase
  2. Gramática demais atrapalha: frases muito adequadas podem retesar uma linha.
  3. O ritmo é resultado de um bom encadeamento de parágrafos
    • King argumenta que pegar o ritmo é questão de prática. Segundo ele, um bom ritmo é resultado de milhares de horas escrevendo e dezenas de milhares de horas lendo.
#O terceiro nível: estilo

Depois que o escritor toma seu vocabulário, empunha uma boa gramática e com isso constrói as primeiras partes de seu Frannkestein, ou seja, os parágrafos, consegue um ritmo, como um coração pulsando... é porque está vivo! É aqui que vem o estilo.

Como se consegue um estilo? Como se diferenciar de outros? Como garantir que sua marca apareça nos seus escritos? Aparentemente, é fazendo. Escrever no fundo é usar todas essas ferramentas para construir coisas novas, coisas que façam tanto o escritor como o leitor serem transportados para outra dimensão, por um breve momento. Para Steve, e para mim também, é simplesmente mágica.

Com essa caixa de ferramentas em mãos podemos começar a trilhar nosso caminho como escritores. Muitas ferramentas precisarão ser polidas e eventualmente trocadas por outras mais eficientes ou que se encaixem melhor com nossas habilidades/necessidades. No próximo post vou falar da seção que é o âmago do livro, intitulada "Sobre a escrita".

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