terça-feira, 10 de julho de 2018

Resenha - A garota de Cassidy

GOODIS, David. A garota de Cassidy. Porto Alegre: LP&M, 2006.


Oh boy. David Goodis. Literatura noir. Oh boy. Que livro legal!

David Goodis é um autor "noir", ele fala da noite, da sujeira, da sarjeta, dos ratos (não apenas os quadrúpedes), das injustiças sociais e suas consequências nas drogas, bebida, relações de amor e ódio. Tudo entrelaçado pelo ambiente urbano das grandes cidades, embebido do contexto pós-sonho americano, em que a decadência tornou-se cada vez mais visível.

Neste livro, o garoto principal, Cassidy, era piloto de avião e após um acidente perdeu seu emprego e sua reputação, visto que o acusavam de ser o culpado -- mesmo ele não sendo. Então, na Filadélfia, ele se casa com Mildred, uma piriguete de primeira categoria, que faz dele gato e sapato, vai trabalhar numa empresa de ônibus e gastar o dinheiro num bar nas docas. E o livro inteiro é sobre esses dois. 

Claro que há outros personagens como Pauline, Shealy, o "vilão" Hanney e a miserável Doris (que por um momento nós somos levados a pensar que é a "garota de Cassidy"), mas nenhum deles sobrepõe-se a Mildred, que está sempre às voltas com o personagem principal, especialmente nos principais momentos da trama.

Goodis tem uma incrível habilidade de retratar o desprezível de maneira que entristeça, que a gente veja a realidade daqueles personagens e não tenha outra alternativa senão amá-los e sentir pena deles, desejar profundamente que eles se libertem dos seus ciclos viciosos e tenham uma vida boa, com esperança e alegria. Pena que o autor não deixa isso acontecer. Ou pelo menos era o que eu achava.

Já tendo lido "Atire no Pianista" e "Sexta-feira negra", eu esperava o que Goodis faz de melhor: finais tristes e pesarosos, daqueles que doem no nosso coração e ao mesmo tempo nos deixam na certeza de que não poderia ser diferente, que teria que acontecer daquela forma mesmo. Em "A garota de Cassidy", a todo momento eu esperava o mesmo: e isso acontece. Cassidy se envolve num terrível acidente, tem problemas com a polícia, sua paixonite (Doris) não consegue se desvencilhar do álcool e ele cai numa terrível armadilha plantada por Hanney.

Ah, sim! O álcool. Essa é uma tônica do livro. Goodis quer retratar uma realidade de pessoas decaídas que não têm outra alternativa senão mergulhar no álcool para sobreviver o dia a dia. Todos os personagens bebem ao tempo todo: e todos eles sentem as consequências desse ciclo vicioso que não conseguem quebrar. 

Ao fim, porém, nas intensas relações de amor e ódio entre os personagens, prevalece o amor. E isso me surpreendeu em Goodis -- e também me alegrou, pra ser bem sincero. Ao final, Mildred não aceita que Cassidy a deixe e luta por ele, organizando um grande estratagema para salvar "seu homem" (suas palavras ao final do livro). 

E após todo o desenrolar da história, Cassidy senta à mesa com Mildred. Essa o vê e pergunta se está tudo bem e o que há. Ele responde: "Vou ficar bem num minuto. Então lhe direi o que há.". O que há -- e o que ele percebe perto do fim -- é o que sempre foi. Mildred, e somente ela, sempre foi a garota de Cassidy.

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