segunda-feira, 15 de abril de 2019

Superpoderes



Todo mundo acha que ter superpoderes é o máximo. Hoje em dia não tem um que se levante mais pra pegar o controle da TV. Ou tem levitação, ou usa eletromagnetismo, ou simplesmente assiste por telepatia. Argh!
Outro dia eu tava no quarto e meu irmão passou na velocidade da luz só pra me dar um peteleco e voltar. Não mereço essas coisas! E nem preciso dessa droga de superpoderes. Ah, não mesmo. Melhor fazer minhas coisas com calma, levantar, ler meus livros, olhar pras estrelas a noite, fazer a janta, dormir. O problema maior mesmo é ter que cuidar desse meu irmão idiota.
Meus pais saíram de novo em uma missão “pra salvar o universo”. Cara, quem aguenta isso? Eles não param uma semana direito em casa. Aí fico eu aqui de empregado cuidando desse animal. E eu sinceramente não entendo porque o Altair não se cuida. Caramba, ele é super-rápido! Não dá pelo menos pra passar uma vassoura na casa na velocidade da luz? Ajudaria muito! Ouviu Altair? Ei! Para de levantar essa poeira todo, seu mongo! Melhor voltar pra cama e continuar minha leitura, melhor do que aturar esse peste.
Oi, Estevão!
Ai, meu pai do céu! – e lá foi meu livro voando pelos ares. – Mariela! Já falei que não gosto dessas coisas! Não te ensinaram que não é educado se teleportar pro quarto dos outros?
Ah, mas é que eu usei meu escaneamento mental e vi que você tava sem fazer nada.
Ai, lá vem você de novo – eu revirei os olhos – o que foi dessa vez?
Você não quer brincar de salvar o universo?
Mas o que tem de errado com você? Não dá pra brincar de alguma coisa mais simples?
O Altair já gritou lá de fora:
Vem, Mariela! Vamos abrir um portal pra algum lugar!
Você vem ou não? – Mariela me perguntou.
Eu não tenho superpoderes, não consigo brincar disso e você sabe.
E eu não sei porque você acha que só gente com superpoderes pode brincar. Tô indo.
E desapareceu.
__________________________
Eu estava a caminho da quitanda enquanto a frase de Mariela ainda ecoava na minha cabeça. Eu sei que ela tinha razão, mas… olha! Quem é o animal que deixou cair essa moeda na minha cabeça:
Olhe por onde voa! – eu gritei e peguei a moeda.
Continuando. Onde eu estava? Ah, sim. Pois é. Mas como eu vou brincar se não tem ninguém sem superpoderes pra me fazer companhia? Eu apanho do meu próprio irmãozinho, todo mundo consegue fazer alguma coisa impressionante e o melhor que eu faço é cozinhar ao mesmo tempo que assisto vídeos. Que há de bom nisso? Foi aí que aconteceu.
Mariela surgiu na minha frente, com olhos assustados:
Estevão, por favor vem, é o Altair.
Que aconteceu? – eu perguntei, quase desesperado.
Vem logo! – ela segurou minha mão e me teleportou pra uma caverna cheia de lava. O calor estava terrível e eu teria desmaiado não fosse ela lançar um feitiço para me proteger. A caverna tremia e Altair estava em pé, gritando, do outro lado de um grande abismo.
Ele não consegue voltar, – disse Mariela – precisamos trazer ele de volta.
Nesse instante Estevão não teve outra reação senão:
E porque diabos você não se teleportou pra lá?! O que você espera que eu faça?
Ela apontou para o grande abismo e eu vi. Havia pedras flutuantes que poderiam facilmente ser escaladas e levar ao outro lado. Do outro lado vi que Altair tentava encostar nessas pedras, mas tão logo ele as tocava, elas desapareciam. Estava preso ali.
Nem eu nem ele conseguimos pisar nas pedras e meu teleporte não funciona pra atravessar, tem algo impedindo. Se a gente chamasse algum adulto ficaríamos encrencados, então resolvi chamar você. Nós só estávamos explorando, aí saímos correndo, mas o Altair caiu e quando eu vi já estava aqui do outro lado e o coitado tá lá preso e eu não sei o que fazer!
Eu percebi que ela estava à beira das lágrimas, realmente estava assustada. Então percebi que mesmo com todos os seus poderes, Mariela não passava de uma criança, que nem eu.
Tá, vai ficar tudo bem. Será que eu consigo pisar nas pedras?
Ela limitou-se a fungar e dar de ombros. O único jeito era tentar. Caminhei entre as pedras, evitando a lava escorrendo pelas frestas e cheguei à beirada do abismo. Olhei para baixo e engoli em seco. GLUP! Quando eu chegasse do outro lado ia dar um senhor peteleco nesse Altair. Mas agora não era hora pra pensar nisso. Havia uma pedra flutuante próxima, eu estiquei a perna e com o pé alcancei a pedra. Senti-a firme sob meu pé. Dei uma olhada para Mariela.
Acho que vai funcionar – eu disse, sentindo outro tremor na caverna.
Ela lançou-me um olhar cheio de esperança e lá fui eu. Subi na primeira pedra. Ela balançou um pouco, mas me firmei. A meio metro estava a próxima. Pulei de novo. Estava indo bem. Consegui escalar com facilidade. Até que isso era divertido! Não fosse, claro, o abismo que parecia me chamar ali embaixo. Quando estava na penúltima pedra, me desequilibrei e quase caí. Agarrei com força e consegui me segurar. Só deu pra ver a moeda que peguei caindo para o abismo. Sabe o que deu medo? Não ouvi ela tilintar no chão. Continuei firme e cheguei do outro lado:
Maninho! – Altair me apertou com força e começou a chorar. Nossa, meu irmãozinho estava em perigo. Naquela hora percebi também que a gente tem que ajudar todo mundo, mesmo quando parece que a gente não consegue. E a caverna tremeu de novo.
Como a gente vai voltar? – eu perguntei.
Eu acho que se eu for com você, as pedras ficam.
Vamos tentar.
Dito e feito. Pisamos na primeira pedra e ela ficou sólida e firme. Estava dando certo. O sorriso de alívio do meu irmão me deu coragem pra seguir em frente. Pisamos mais outra pedra. Mais uma, outra, e outra. Vamos conseguir! Espera… o que é isso? Porque está tudo tremendo?
Quem se atreve a adentrar meu covil? – uma voz profunda, tão profunda quanto o abismo debaixo de nós fez tudo vibrar – E se atrevem a jogar seu lixo na minha casa? Ora! Uma moeda humana! São aqueles moleques nojentos de novo! Dessa vez vocês não escapam! ROOAARR.
E um calor fenomenal começou a vir do abismo, acompanhado de uma forte luz alaranjada.
Corre! – gritou Altair. Eu apertei com força a mão dele e pulamos o mais rápido por cima nas pedras. Quando já estávamos na última pedra, Altair se desequilibrou e soltou minha mão. Vi quando ele atravessou a pedra e caiu em direção ao abismo.
Não! NÃO! – eu gritei e me lancei o mais rápido que pude na direção dele. Agarrei-o pela mão. Pendurado como estava, ele sentia mais do que eu a presença do ser maligno que nos perseguia.
Estevão, eu ajudo! – Mariela gritou pra mim. Ela estava na beirada do abismo tentando encostar na pedra, pra me alcançar. Entendi o plano dela. Com toda a pouca força que ainda tinha, enquanto segurava Altair, estiquei a perna pra beirada do abismo.
GRRR! Vocês não vão escapar! Seus vermes!
Ahhhh! – gritava Altair. Foi bem na hora que eu senti o toque de Mariela no meu pé.
Tira a gente daq… – e antes de terminar a frase estávamos de novo no quintal de casa. Estevão ainda gritando e Mariela chorando.
Desculpa, a gente não sabia que ia ser assim, desculpa.
Maninho, maninho.
Os dois me abraçaram com força. Foi uma aventura e tanto. Engraçado que mesmo sem poderes eu consegui ajudar eles. Como são as coisas, né? O que mais me surpreendeu foi quando os dois me olharam e disseram juntos:
Meu herói.



Conto congratulado com Menção Honrosa no VI Concurso Literário Icoense (CLIC), em Fevereiro de 2019.

1 comentários:

Marcelo Perez disse...

Massa!

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