Todo mundo acha que ter
superpoderes é o máximo. Hoje em dia não tem um que se levante
mais pra pegar o controle da TV. Ou tem levitação, ou usa
eletromagnetismo, ou simplesmente assiste por telepatia. Argh!
Outro dia eu tava no quarto e meu
irmão passou na velocidade da luz só pra me dar um peteleco e
voltar. Não mereço essas coisas! E nem preciso dessa droga de
superpoderes. Ah, não mesmo. Melhor fazer minhas coisas com calma,
levantar, ler meus livros, olhar pras estrelas a noite, fazer a
janta, dormir. O problema maior mesmo é ter que cuidar desse meu
irmão idiota.
Meus pais saíram de novo em uma
missão “pra salvar o universo”. Cara, quem aguenta isso? Eles
não param uma semana direito em casa. Aí fico eu aqui de empregado
cuidando desse animal. E eu sinceramente não entendo porque o Altair
não se cuida. Caramba, ele é super-rápido! Não dá pelo menos pra
passar uma vassoura na casa na velocidade da luz? Ajudaria muito!
Ouviu Altair? Ei! Para de levantar essa poeira todo, seu mongo!
Melhor voltar pra cama e continuar minha leitura, melhor do que
aturar esse peste.
– Oi, Estevão!
– Ai, meu pai do céu! – e lá
foi meu livro voando pelos ares. – Mariela! Já falei que não
gosto dessas coisas! Não te ensinaram que não é educado se
teleportar pro quarto dos outros?
– Ah, mas é que eu usei meu
escaneamento mental e vi que você tava sem fazer nada.
– Ai, lá vem você de novo –
eu revirei os olhos – o que foi dessa vez?
– Você não quer brincar de
salvar o universo?
– Mas o que tem de errado com
você? Não dá pra brincar de alguma coisa mais simples?
O Altair já gritou lá de fora:
– Vem,
Mariela! Vamos abrir um
portal pra algum lugar!
– Você vem ou não? –
Mariela me perguntou.
– Eu não tenho superpoderes,
não consigo brincar disso e você sabe.
– E eu não sei porque você
acha que só gente com superpoderes pode brincar. Tô indo.
E desapareceu.
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Eu estava a caminho da quitanda
enquanto a frase de Mariela ainda ecoava na minha cabeça. Eu sei que
ela tinha razão, mas… olha! Quem é o animal que deixou cair essa
moeda na minha cabeça:
– Olhe por onde voa! – eu
gritei e peguei a moeda.
Continuando. Onde eu estava? Ah,
sim. Pois é. Mas como eu vou brincar se não tem ninguém sem
superpoderes pra me fazer companhia? Eu apanho do meu próprio
irmãozinho, todo mundo consegue fazer alguma coisa impressionante e
o melhor que eu faço é cozinhar ao mesmo tempo que assisto vídeos.
Que há de bom nisso? Foi aí que aconteceu.
Mariela surgiu na minha frente,
com olhos assustados:
– Estevão, por favor vem, é o
Altair.
– Que aconteceu? – eu
perguntei, quase desesperado.
– Vem
logo! – ela segurou minha mão e me teleportou pra uma caverna
cheia de lava. O calor estava terrível e eu teria desmaiado não
fosse ela
lançar um feitiço para me proteger. A
caverna tremia
e Altair estava em pé, gritando, do outro lado de um grande abismo.
– Ele não consegue voltar, –
disse Mariela – precisamos trazer ele de volta.
Nesse instante Estevão não teve
outra reação senão:
– E porque diabos você não se
teleportou pra lá?! O que você espera que eu faça?
Ela
apontou para o grande abismo e
eu vi. Havia pedras flutuantes que poderiam facilmente ser escaladas
e levar ao outro lado. Do outro lado vi que Altair tentava encostar
nessas pedras, mas tão logo ele as tocava, elas desapareciam. Estava
preso ali.
– Nem eu nem ele conseguimos
pisar nas pedras e meu teleporte não funciona pra atravessar, tem
algo impedindo. Se a gente chamasse algum adulto ficaríamos
encrencados, então resolvi chamar você. Nós só estávamos
explorando, aí saímos correndo, mas o Altair caiu e quando eu vi já
estava aqui do outro lado e o coitado tá lá preso e eu não sei o
que fazer!
Eu percebi que ela estava à
beira das lágrimas, realmente estava assustada. Então percebi que
mesmo com todos os seus poderes, Mariela não passava de uma criança,
que nem eu.
– Tá, vai ficar tudo bem. Será
que eu consigo pisar nas pedras?
Ela
limitou-se a fungar e dar de ombros. O único jeito era tentar.
Caminhei entre as pedras, evitando a lava escorrendo pelas frestas e
cheguei à beirada do abismo. Olhei para baixo e engoli em seco.
GLUP!
Quando eu chegasse do outro lado ia dar um senhor peteleco nesse
Altair. Mas agora não era hora pra pensar nisso. Havia
uma pedra flutuante próxima, eu estiquei a perna e com o pé
alcancei a pedra. Senti-a firme sob meu pé. Dei uma olhada para
Mariela.
– Acho
que vai funcionar – eu disse, sentindo
outro tremor na caverna.
Ela
lançou-me um olhar cheio de esperança e
lá fui eu. Subi na primeira
pedra. Ela balançou um pouco, mas me
firmei. A
meio metro estava a próxima.
Pulei de novo. Estava indo bem. Consegui escalar com facilidade. Até
que isso era divertido! Não fosse, claro, o abismo que parecia me
chamar ali embaixo. Quando
estava na penúltima pedra, me desequilibrei e quase caí. Agarrei
com força e consegui me segurar. Só deu pra ver a moeda que peguei
caindo para o abismo. Sabe o que deu medo? Não ouvi ela tilintar no
chão. Continuei
firme e cheguei do outro lado:
– Maninho!
– Altair me apertou com força e começou a chorar. Nossa, meu
irmãozinho estava em perigo. Naquela
hora percebi também que a gente tem que ajudar todo mundo, mesmo
quando parece que a gente não consegue. E
a caverna tremeu de novo.
– Como a gente vai voltar? –
eu perguntei.
– Eu acho que se eu for com
você, as pedras ficam.
– Vamos tentar.
Dito
e feito. Pisamos na primeira
pedra e ela ficou sólida e firme. Estava dando certo. O sorriso de
alívio do meu irmão me deu coragem pra seguir em frente. Pisamos
mais outra pedra. Mais uma,
outra, e outra. Vamos conseguir! Espera… o que é isso? Porque está
tudo tremendo?
– Quem se atreve a adentrar meu
covil? – uma voz profunda, tão profunda quanto o abismo debaixo de
nós fez tudo vibrar – E se atrevem a jogar seu lixo na minha casa?
Ora! Uma moeda humana! São aqueles moleques nojentos de novo! Dessa
vez vocês não escapam! ROOAARR.
E
um calor fenomenal começou a
vir do abismo, acompanhado de uma forte luz alaranjada.
– Corre! – gritou Altair. Eu
apertei com força a mão dele e pulamos o mais rápido por cima nas
pedras. Quando já estávamos na última pedra, Altair se
desequilibrou e soltou minha mão. Vi quando ele atravessou a pedra e
caiu em direção ao abismo.
– Não! NÃO! – eu gritei e
me lancei o mais rápido que pude na direção dele. Agarrei-o pela
mão. Pendurado como estava, ele sentia mais do que eu a presença do
ser maligno que nos perseguia.
– Estevão, eu ajudo! –
Mariela gritou pra mim. Ela estava na beirada do abismo tentando
encostar na pedra, pra me alcançar. Entendi o plano dela. Com toda a
pouca força que ainda tinha, enquanto segurava Altair, estiquei a
perna pra beirada do abismo.
– GRRR! Vocês não vão
escapar! Seus vermes!
– Ahhhh! – gritava Altair.
Foi bem na hora que eu senti o toque de Mariela no meu pé.
– Tira a gente daq… – e
antes de terminar a frase estávamos de novo no quintal de casa.
Estevão ainda gritando e Mariela chorando.
– Desculpa,
a gente não sabia que ia ser assim, desculpa.
– Maninho, maninho.
Os dois me abraçaram com força.
Foi uma aventura e tanto. Engraçado que mesmo sem poderes eu
consegui ajudar eles. Como são as coisas, né? O que mais me
surpreendeu foi quando os dois me olharam e disseram juntos:
– Meu herói.
Conto congratulado com Menção Honrosa no VI Concurso Literário Icoense (CLIC), em Fevereiro de 2019.
1 comentários:
Massa!
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