terça-feira, 9 de abril de 2019

Resenha - Cartas do inferno

LEWIS, C. S. Cartas do inferno. Exilado dos Livros: 2017.


Um demônio chamado Screwtape, Sua Abismal Sublimidade Subsecretário, de uma importante repartição pública do Inferno, tem o infeliz dever de ensinar a seu sobrinho, Wormwood, o caminho da pedras de um verdadeiro demônio tentador. O jovem é inexperiente, e essas correspondências serão de grande utilidade para que o mancebo alcance um lugar de destaque entre os demônios.

Esta é a premissa do livro. De uma maneira jocosa, o livro disserta sobre vários temas da vida cristã por meio deste diálogo (monólogo) entre os personagens. Lewis, um bom entendedor da burocracia, acredita que os piores demônios são aqueles que trabalham em escritórios e tem a capacidade de decidir sobre as tarefas infernais. Nas suas próprias palavras:
A verdade, porém, é que os maiores males e crimes são criados, arquitetados e executados em escritórios bem limpos, atapetados, refrigerados e bem iluminados por homens de colarinho branco, unhas bem cuidadas; estão sempre bem barbeados e jamais precisam elevar seu tom de voz.
Publicado originalmente no jornal The Guardian (jornal britânico criado em 1936), Lewis reúne as cartas para compor um livro em 1942. Esse contexto é suficiente para apontar para as guerras e rumores de guerras que permeavam o continente na época. Mas, não se engane, esse livro trata de um tipo de guerra, mas nem de perto daquela que os homens lutam entre si.

Com muita paciência, Screwtape dá dicas a Wormwood de como tratar o caso do seu último "paciente", um jovem cristão que mora com a mãe. Screwtape, observando sempre os princípios do Pai Que Está Abaixo, instrui o sobrinho a livrar seu paciente das influências do "Inimigo" (o próprio Deus), destacando manobras para manipular o paciente e desviar-lhe o caminho.

A princípio com uma premissa muito interessante, o livro logo se tornou um pouco entediante pra mim. Veja bem, não é que o livro seja entediante, é só que, nas circunstâncias, tornou-se. Explico. Eu quero ler literatura, ficção, romances, dramas, comédias. Não quero ler teologia. Se eu quisesse (o que faço até com certa frequência), eu pegaria um livro de teologia. Simbolismos não são problema nenhum pra mim. Mas, isto, quando eles estão em segundo plano, como símbolos

Não obstante, o livro traz algumas verdades muito interessantes. Há dicas de Lewis sobre relacionamentos, conflitos, ciência, leitura, pensamentos e ações; no fundo, cada carta é uma pequena dissertação sobre estes temas (e vários outros que não citei). Como um demônio poderia de maneira mais eficiente influenciar a vida de uma pessoa para levá-la a pecar? Esta é a pergunta primordial que rege o pensamento de Screwtape ao instruir Wormoood. Há frases muito interessantes, como:
"Deus bate à porta, ao passo que o Diabo a arromba."
"Em síntese, Deus se compraz em pedir ao homem sua individualidade, mas tão logo o homem a cede, o maior prazer de Deus é devolvê-la aprimorada".
"Nós [os demônios] somos vazios e queremos nos encher através deles [os humanos], Ele é pleno e assim transborda."
Lewis traz preciosas verdades à tona e destaca algo que hoje vários movimentos têm deturpado: há uma batalha espiritual acontecendo. Muitas dicas de Screwtape, por exemplo, são no sentido de: "Não deixe que seus pensamentos se aproximem minimamente dela. Envolva-a na penumbra." O maior trabalho do inimigo não é nos assustar, "possuir" pessoas ou criar guerras. Tratei disso extensamente no blog Ideias e Ideais quando escrevi dois posts só sobre "demônios". Lewis acerta na mosca quando Screwtape diz a seu sobrinho:
É divertido como os mortais sempre nos pintam como 'colocando coisas em suas mentes': na realidade, nosso melhor trabalho consiste justamente em evitar que certas coisas cheguem a suas mentes."
Ao final, me pergunto em que blog deveria estar este post (risos). E, mesmo que eu tenha dito a palavra "entediante", foi tudo uma questão de expectativa, porque o livro é fantástico. É engraçado ver um demônio experiente criticando o jovem por suas "mancadas", dando dicas do tipo "Fale com o demônio tal, que ele pode te ensinar melhor" ou citar órgãos como a Polícia Infernal.

O livro é escrito para cristãos e mostra os perigos que estão escondidos numa vida de falsa religião, mecanizações ritualísticas e o slow fade que é deixar-se levar para os caminhos errados. Lewis não tem pena de citar alguns nomes e correntes filosóficas que condena e há muito de sua conjuntura inserida no texto. Não obstante, é uma leitura muito boa. 
 
Ah! E sabe o jovem que mora com a mãe e tal? Ele se apaixona por uma cristã, passa a frequentar a igreja, conhece plenamente a Deus e escapa pelos dedos de Wormwood. Ops! Más notícias para o tentador. Agora ele próprio servirá de alimento para alguém. Quem será? Pelo que entendi, o próprio tio o aguarda, o afetuoso Screwtape.

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