quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Crônicas musicais – I

Hoje estive conversando com um maestro, digo, um regente de São Paulo e ouvi uma coisa que me fez refletir. A conversa era pra ser uma pesquisa, mas em determinado momento acabou se tornando um bate papo sobre as agruras e os causos da vida musical no Brasil. E isso foi muito legal, nossa, como foi legal!

Mas a coisa à qual me referi é a seguinte: música totalmente perfeita, sem erros, sem desafinações, sem problemas de entrada, sem absolutamente nada de imperfeito, bem, essa música não existe. Ela até existe, mas não é real. Se você ouve isso em CDs, shows gravados ou filmes, conscientize-se de que você está ouvindo uma edição.

A vida é assim. A gente erra e, poxa!, como dá vontade de voltar atrás e editar um errinho, gravar de novo e masterizar o som com aquela nota bem afinadinha. Mas não dá, né? E, de certa forma, é isso que torna a vida... a vida, oras!

Eu falo isso porque já faz algumas semanas que tenho gravado eu mesmo tocando cello. Olha, convenhamos, não é nada super profissional (até porque eu estava há meses sem tocar absolutamente nada, então já viu, né?); mas, pelo menos, é algo com o qual eu me divirto.

Existe na indústria da música – na indústria da arte, for that matter – o culto ao perfeito. Sem erros, sem mácula, a arte "pura". Cara... me diz quem é que faz música sem o elemento humano? Dá pra fazer, claro. Mas na hora que você bate o ouvido você sabe: tá faltando alguma coisa ali. 

Eu já tinha percebido isso há um tempo, inclusive foi o que me motivou a gravar meus vídeos de cello e postar eles no Youtube mesmo quando eu errava. Claro, eu não ia postar qualquer porcaria; mas chega um ponto em que a gente precisa aceitar que não dá pra acertar toda vez. E fazemos nosso melhor. Por isso eu toco e gravo. Não porque é perfeito. Mas porque é algo que eu gosto e – mesmo não sendo impecável – é bom.

O que me animou tanto em conversar com esse regente (dane-se, vou falar maestro mesmo) foi perceber uma outra coisa. Conquanto eu tivesse chegado a essa conclusão sozinho, meu ânimo foi perceber que havia outros que pensavam como eu. Céus, foi perceber que eu não estava só. Que ainda há gente por aí que ama fazer o que faz e não se limita a fazer só porque as condições não estão perfeitamente adequadas.

Nós lutamos para que estejam, claro. Mas nem sempre dá. E boa parte da maturidade está em aceitar isso e seguir em frente. 

É bom quando a gente vê que há outros por aí como nós; ver que, embora estejamos sozinhos nas nossas lutas particulares, não estamos realmente sozinhos. Às vezes é só questão de olhar pra cima, ver o movimento da batuta e sentir a orquestra fluindo como um todo para criar algo diferente, algo maior que ela, na plena consciência de que jamais poderia fazer isso sozinha. 


Pro caso improvável de alguém querer ver esses vídeos de cello, eles estão aqui.

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