ORWELL, George. A revolução dos bichos. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Gente do céu. Só não li mais rápido porque o tempo não deixou. Mas pense num outro livro que foi num tapa. Não é à toa que Orwell é aclamado por tantos como um dos principais escritores do século XX. O cara não era apenas talentoso, mas extremamente sagaz no uso de suas habilidades literárias.
Neste livro, um grupo de bichos reúnem-se numa granja para expulsar os humanos e instaurarem, eles próprios, um governo liderado por animais em que todos são iguais e se promova a liberdade plena. Livres dos homens e das opressões do sistema anterior, porém, os animais logo descobrem que o novo sistema instalado não é em nada melhor que o anterior, chegando até a ser pior. A essência do livro está resumida numa citação da página 106:
"Todos os bichos são iguais, mas alguns bichos são mais iguais que outros."
De cara, portanto, vocês já sabem qual é o teor do livro. Ele fala de tiranias e absolutismos, mas numa perfeita sátira ao governo da União Soviética no anos 1940! Sim, porque o autor nem tenta esconder que é exatamente este o seu propósito. Este é com certeza o principal pano pra manga deste livro, mas vou deixar pra abordar isso no final.
Quero começar dizendo que não sou de julgar muito aspectos físicos do livro. Vez ou outra aponto uma capa e talz, mas dessa vez eu preciso tirar o chapéu pra Companhia das Letras. Rapaz, o papel desse livro é de extrema qualidade, fiquei até impressionado em ver um papel dessa gramatura em uma edição que não fosse comemorativa ou algo assim. Aliás, a edição do livro é de 2007, mas a reimpressão é de 2020. Cheirando a novo.
Quanto ao estilo literário, tem algo que choca logo no começo. É uma fábula! Eu não consigo acreditar, mas é isso mesmo. O livro é uma fábula escrita de uma maneira simplesmente genial. Não é à toa que tanto falam deste livro. Aliás, o título em inglês é Animal Farm: a fairy story.
Eu pensei que os parágrafos longos do texto acabassem tornando-se um empecilho pra mim, mas como são bem construídos, eles não se tornam cansativos. Além disso, como o livro tem um tom de fábula que vai do começo ao fim, a leitura é impressionante de tão leve. Só pra complementar essa questão de ritmo de leitura, em alguns momentos acho que a tradução deixou a desejar. Não é que estivesse ruim, é que a expressões que poderiam ser traduzidas de outra maneira para deixar o texto mais fluido.
Passando ao enredo em si, logo nas primeiras páginas o livro quase me perdeu, por conta da propaganda ideológica forte. Na verdade o meu medo era que aquilo fosse se manter; mas como foi algo bem pontual, deu pra seguir em frente. E, olha... ainda bem que eu segui em frente!
A guinada no meio do livro, quando os animais percebem que o seu mundo ideal não era aquilo que imaginavam, foi muito bem escrita. É chocante como num único parágrafo (tá certo que ele era bem grande) o autor consegue exprimir ao mesmo tempo o sentimento de desilusão e medo pelo futuro. Ali fica bem claro um divisor de águas.
Mas, claro, são as interpretações do texto que mais enobrecem essa obra. Como é uma crítica aberta ao regime socialista da União Soviética, o livro teve várias utilizações e interpretações ao longo dos anos, até mesmo com dificuldades de publicação num primeiro momento. E aqui o limiar é muito tênue, porque as pessoas verão na obra aquilo que quiserem ver.
Se por um lado rechaçam o o regime socialista, dirão que a obra mostra de modo muito claro como este modelo de governo é pernicioso e não traz benefícios à população no fim das contas. Por outro, quem defende o socialismo de modo ideológico, dirá que a obra não critica o socialismo em si, mas sim o socialismo stanlinista. E aí, meus caros, podem vir mil interpretações. Mas quero destacar as palavras do próprio autor:
"Tornei-me pró-socialista mais por desgosto com a maneira como setores mais pobres os trabalhadores industriais eram oprimidos e negligenciados do que devido a qualquer admiração teórico por uma sociedade planificada." (p. 142)
Lemos estas palavras num prefácio que o mesmo escreveu à edição ucraniana de 1947. Edição esta que foi traduzida e distribuída ilegalmente na União Soviética que, claro, não aprovava em nada a obra. O que o autor destaca também é que, não apenas a URSS, mas até outros países democráticos não viam com bons olhos a distribuição de uma obra que poderia prejudicar um aliado (ainda que aliado por pouco tempo).
Aliás, falando dos apêndices (que, nesta edição, incluem os dois prefácios do autor), é totalmente descartável aquele posfácio de Christopher Hitchens que, embora seja um importante crítico literário do século passado, em pouco ou quase nada acrescenta às palavras do próprio autor sobre a obra.
E, retornando mais uma vez a essas palavras, choca mais uma vez notar como erros do passado continuam presentes no futuro. Parece que a humanidade está fadada à cegueira mesmo, não tem jeito. Tolos são aqueles que ainda insistem em negar os efeitos perenes do pecado na humanidade como um todo:
"Além disso, os trabalhadores e os intelectuais de um país como a Inglaterra não compreendem que a URSS de hoje é totalmente diferente do que foi em 1917. Em parte porque não querem compreender (ou seja, porque querem acreditar que, em algum lugar, existe de fato um país realmente socialista), e em parte porque, acostumados a relativas liberdade e moderação na vida pública, o totalitarismo lhes é completamente incompreensível." (p. 144)
Quando nos defrontamos com a natureza humana desta forma e vemos que fatos como estes não são de um passado distante, porém de menos de um século atrás!, percebemos que, cada vez mais, nossa esperança não pode estar posta nos homens ou suas ideologias. Enquanto Deus não for o guia de todas as nossas atitudes, viveremos desesperançados neste mundo caído, onde a natureza hobbesiana nunca falha: o homem é o lobo do homem.
0 comentários:
Postar um comentário