quarta-feira, 1 de julho de 2020

Resenha - Gente e bichos

VERÍSSIMO, Érico. Gente e bichos. São Paulo: Globo, 1996.


E aí, meu povo! Mais uma vez uma resenha do maior escritor brasileiro de todos os tempos (quem não concorda, paciência kkkkkk). Dessa vez temos uma obra de Érico Veríssimo voltada para o público infantil! A versatilidade do autor em abordar de modo adequado este público não deu brecha para que a qualidade caísse, pelo contrário, abriu portas para novas formas de conhecê-lo.
"O galo era um sujeito vaidoso, cantava com o tenor e sabia sempre as horas direitinho - isso só porque tinha engolido um relógio despertador. O burro pensava que era muito importante: contava histórias para os outros bichos, assim como eu estou contando agora para vocês. (A diferença é que eu ainda não sei sacudir as orelhas nem zurrar; estou aprendendo.)" p. 35-36
São apenas 6 histórias, o livro é curtinho. Mas elas são bem encorpadas e há sub-historias dentro delas, o que ajuda a preencher o livro. Por outro lado, as letras grandes nas páginas apontam para uma jogada do editor pro livro ganhar um pouco mais de peso, literalmente falando. E pelo que entendi, algumas dessas histórias na verdade funcionavam como folhetos à parte, tendo sido reunidas neste livro.

As histórias de modo geral caminham num meio termo entre fábula e simples histórias infantis. Chega perto da fábula por conta dos animais antropomorfizados, por outro lado se afasta por não ter um fundo moral evidente na maioria das histórias. O que Veríssimo queria – e sempre quis, na verdade – era simplesmente escrever boas histórias. Isto é dito por ele mesmo em outros lugares e confirmado por seu filho Luis Fernando em comentários à Folha de São Paulo.

É interessante notar o contexto das coisas, sabe? Este o livro é muito fofinho, mas tendo sido escrito nos anos 1930, tem algumas coisas que hoje certamente não seriam aceitas na sociedade contemporânea nem a pau, como a história do bullying que fizeram com o Tucano-Narigão na história do Urso-Com-Música-na-Barriga.

Agora, o uso do idioma por Érico Veríssimo é algo que não cansa de me impressionar. Se por um lado vemos algumas obras dele em que precisamos entender palavras mais pelo contexto do que pelo significado (uma vez que não estamos muito acostumados a elas), por outro ele é capaz de uma informalidade que foi uma das marcas que o fez cair no gosto do grande público (da sua época e agora). Falo tudo isso só por causa da seguinte frase: "Sabem duma?" (p. 93, ao iniciar uma peripécia de um personagem).

Eu falo com tanto gosto desse autor e é até engraçado. Ele morreu em 1975, quando nem se cogitava que eu nascesse. E mesmo assim tem momentos em Érico Veríssimo que me dá uma saudade estranha. É uma saudade de algo que eu nunca tive, sei lá, talvez a oportunidade de encontrá-lo, de conhecê-lo, de conversar com ele. Esse sentimento apareceu quando eu li esse trecho:
"QUE É BIOGRAFIA?
           Biografia é a história da vida duma pessoa, dum animal ou uma coisa. Esta história que vocês estão lendo conta a vida do elefante Basílio; logo, é uma biografia.
             Em geral a gente só conta a vida dos homens importantes, dos santos, dos exploradores, dos generais, dos reis, dos inventores, dos artistas, etc...
        O elefante Basílio não é santo, não é explorador, não é general, não é rei, não é inventor, não é artista e também não é etc...
           Por que é, então, que eu estou aqui contando a história da vida dele?
           A razão é simples: o elefante Basílio é um sujeito muito bom. O elefante Basílio tem uma vida cheia de aventuras. O elefante Basílio é um amigo sincero. O elefante Basílio é, enfim, o tipo do herói esquecido." (p. 117)
Ah, meus amigos. Digam que eu estou errado. Digam que não é singular a capacidade do autor de capturar estas belezas simples do cotidiano de maneira fantástica, ao ponto de criar uma verdadeira fantasia do cotidiano? Digam que não vale a pena ler Érico Veríssimo. Ah... são coisas que não dá pra dizer. Eis o maior autor da literatura brasileira.

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