sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Resenha - O racionalista romântico

PIPER, John; MATHIS, David (orgs.). O racionalista romântico: Deus, vida e imaginação na obra de C. S. Lewis. Brasília: Monergismo, 2017.


Eu não ia fazer uma resenha desse livro, porque esse blog é voltado pra registros literários (se fosse pra ter registro da minha vida acadêmica ia ter um horror de fichamento desde a graduação, passando pela especialização e culminando no mestrado). Mas não consegui me aguentar. Tem muita coisa bonita aqui pra falar de Lewis. E eu gosto do cara. Aliás, tendo Piper como editor dessa coletânea de artigos também foi um diferencial.

Primeiro é aquela frase dele que é incomparável: "Se descubro em mim um desejo que nenhuma experiência deste mundo pode satisfazer, a explicação mais provável é que fui criado para um outro mundo." Essa abordagem racionalista dele, pautado por uma lógica clara e clássica, nossa!, isso eu acho muito, mas muito bom mesmo. Ainda mais numa época em que o caos é a nova razão.

Outra coisa que me chamou atenção: Lewis se deparou com dois extremos de pregadores. Ou eles eram os ultrapentecostais que apelavam para a emoção ou eles eram aquele clero ultraintelecutal que explicava, explicava e ninguém entendia. Ao ver isso, Lewis entendeu que sua função era traduzir aquilo que era difícil para uma linguagem simples, que todos pudessem entender. 

Por que isso me chamou atenção? Por que sempre foi isso que eu sempre me vi fazendo na classe dos adolescentes da II IPBV. A minha função ali não era produzir conhecimento teológico novo (pff! jamais!), mas traduzir para a linguagem deles algumas verdades que até mesmo os adultos têm dificuldade de entender. Fiquei impressionado em perceber que, neste único e humilde ponto, eu pareço com C. S. Lewis.

O capítulo que fala das deficiências teológicas de Lewis representa um dos meus maiores temores enquanto escritor: que um dia eu escreva algo achando ser a verdade, mas, na verdade, ser uma deturpação da Verdade. Nada me causa mais temor. Deus, por favor, preserve minha criatividade e minha inteligência, para que eu transpareça apenas a Ti. 

[Em defesa de Lewis, porém: ele mesmo disse que não era teólogo e que ninguém deveria pautar seu entendimento cristão pelas ideias dele -- jamais foi soberbo ou arrogante quanto a uma teologia sistemática própria. Na verdade, em diversos momentos comentou que suas ideias poderiam e deveriam ser submetidas à análise de alguém da área. Além disso, ele estava um passo à frente da sua geração ao interpretar a Bíblia também sob perspectiva literária.]

Do meio do livro pro fim, os artigos parecem ter uma pegada mais devocional/filosófica; na verdade, em determinados momentos, parece um sermão utilizando Lewis como exemplo (isto aconteceu justamente no artigo de John Piper). Acho que isso tirou um pouco o brilho do livro e desviou o foco do livro.

Por outro lado, achei muito interessante mostrar facetas de Lewis e reforçar sua criatividade/imaginação vinculada a Cristo. "Lewis não escreveu histórias para que os leitores pudessem escapar da realidade, e sim para que pudessem experimentá-la -- não apenas a superfície, e sim suas profundezas sobrenaturais." (p. 122).

Vou só deixar anotado aqui um termo que os autores enfatizaram no Apêndice 2 (ao qual farei menção mais abaixo): "bulverismo". Termo baseado num conto onde um menino de sobrenome "Bulver" consegue escapar de um argumento com seu pai apenas defletindo a questão. Esta é uma marca dos nossos tempos: não se discute mais a matéria se pautando em padrões, apenas a processualidade dela ("Você diz isso porque é cristão", "Se você fosse mulher, entenderia", etc.).

Teve um ou outro incômodo na tradução que ficou pra trás (o que é absolutamente natural e esperado) e encontrei também, pelo menos, um erro de divisão silábica. Mas, fora isso, a editora Monergismo está de parabéns e penso que ela veio pra ficar. A qualidade do livro está excelente e se ele chegou nas minhas mãos em Roraima, penso que a distribuição não está ruim.

Ao final, penso que meu problema com o livro foi uma questão de expectativa. Na verdade, a falta dela. Por não saber o que esperar e nem me preparar pra isso, deparei-me com uma coletânea de artigos acadêmicos de teologia apontando a visão de Lewis sobre alguns temas e demonstrando como ele transparecia no que escrevia algumas verdades importantes. Agora que escrevi isso, percebo que, na verdade, eu estava interessado no Lewis escritor, enquanto os autores estavam mais interessados no Lewis teólogo entusiasta. Talvez tenha sido essa a grande questão.

E pensando nessa vontade de uma pegada menos acadêmica, acho que foi por isso que gostei tanto do Apêndice 2, que é o registro de uma mesa redonda entre os autores num congresso. Fantástico! Como eles colocam as suas impressões pessoais sobre o autor, suas experiências com os escritos de Lewis. Até mesmo como Nárnia foi importante para cada um deles. Era exatamente isso que eu precisava: eu queria conhecer os humanos, não apenas as ideias deles. E este término, sim, foi fantástico.

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