quinta-feira, 23 de maio de 2019

Conexão em Nova Ómicron

– Quase lá. 
– Vê se não enrola – ele me respondeu, impaciente. – Se fosse eu já tinha terminado. 
– Você realmente acha que consegue descriptografar dez camadas de código mais rápido que eu? 
– Minha filha, você esqueceu com quem está falando? 
Ter uma inteligência artificial como seu aliado tem seus custos e seus benefícios. O Arty realmente conseguiria fazer isso bem mais rápido que eu. Mas ele não consegue acessar o terminal a não ser que eu plugue meu cytron no próprio terminal, e eu não estou doida ainda. Se alguém invade meu cytron já era. Melhor fazer à distância mesmo. 
– Consegui! Arty, como faz agora? 
– Você tem certeza que eu não posso fazer eu mesmo? 
– Bora, Arty! Eles vão já detectar a gente. 
Meio a contragosto ele me ensinou quais códigos lançar. O solavanco do trem elétrico fazia meu laptop balançar demais. As outras pessoas no trem estavam focadas nos seus cytrons ou cansadas demais pra prestar atenção em mim. Eu fingia trabalhar, o equipamento antigo fazia com que eu não chamasse a atenção e era um bom disfarce pra verdadeira máquina que eu usava. 
Arty, achei. Vou começar a copiar. Tá pronto? 
– Minha filha, achei que não mandaria nunca, vamo simbora! 
Conectei o cytron e Arty começou a fazer sua mágica. O trem parou e entraram uns sintéticos. Eu morro de medo deles. As tatuagens espalhadas pelo corpo ora destacam ora escondem as cicatrizes dos implantes de órgãos artificiais. Pelo menos não preciso falar muito, graças ao implante do chip auricular pra me comunicar diretamente com o Arty. 
Olhei pela janela e ainda dava pra ver o Espaço-Porto à distância. Aquele domo cinza me dava arrepios. Enquanto Arty copiava os dados e os sintéticos conversavam entre si sem me dar bola, eu pensava nas favelas de Anortis. Foi onde nasci, mas tive que sair depois que a companhia de extração das Nações Unidas estabeleceu umas regras mais pesadas. Não gosto de voltar lá. 
Arty, depressa, minhas barreiras não vão durar muito. 
– Tá na mão filha, pode desconectar. 
Despluguei o cytron e comecei a apagar meus rastros. Dessa vez não nos pegaram.

[...]  
 
Entrei no ultrabus e pegamos o tubo principal pra Nova Ómicron. Como estava cedo tinha lugar pra sentar. Evans me passou o contato de um conhecido que tava precisando de um serviço. Esse era mais ousado. Eu precisaria ir à Nova Ómicron pra fazer ele. A cidade até que é boa, mas é complicado lidar com as pessoas. Com minha velha mochila e o laptop seguimos pra lá. 
Arty, tá acordado? 
– E eu lá durmo, filhona? – ele brincou – que você manda? 
– Eu não mando nada. – brinquei de volta – tu achou o acesso pro pavilhão? 
– Tive que quebrar alguns algoritmos, mas foi moleza, deu pra começar o dia. 
– Beleza, já deixa engatilhado o coquetel viral, pra gente espalhar assim que eu entrar. 
– É nóis. 
Esse serviço era pra ser tranquilo. O contato do Evans queria uma série de dados pessoais que iam ser transmitidos pelo Espaço-Porto para a colônia de Hamerdan, em Marte. Consegui confirmar o dia certo e bolei com o Arty como fazer. 
Conforme o ultrabus percorria o tubo central e eu via o maldito domo cinzento se aproximando, eu ficava pensando na sorte que é ter o Arty. Não sei porque tenho essa capacidade de lidar com a tecnologia de maneira que outras pessoas não conseguiam. Meu pai dizia que eu era uma verdadeira “lunática”. Ele morreu trabalhando nas minas de anortositos. 
Eu programei a primeira versão do Arty quando tinha doze anos, como um amigo. Conectado no cyberespaço, de uma vez ele desenvolveu uma personalidade própria e vive comigo desde então. Não sei até que ponto ele é senciente ou é programado. Nem quero saber. Depois que minha mãe morreu e eu me vi sozinha no mundo, ele é tudo que tenho. 
Não demorou muito pra chegarmos na ultraviária. Desci e fui num terminal de consulta pra ver meus créditos. Passei o cytron no visor e o que vi me deixou preocupada, era bem menos do que eu gostaria. Comecei a andar em direção ao Espaço-Porto. “Pavilhão C-23”, passei o nome na memória de novo.

[...]

Aí a tela do meu cytron se apagou. “Ah não! Não faça isso comigo!”. Nela apareceu uma mensagem em letras verdes destacadas contra o fundo negro da tela: 
“VOCÊ NÃO ESTÁ SOZINHA” 
Então ouvi fortes batidas de metal contra metal. 
– Ei! Quem ativou o robô policial?– ouvi um dos guardas falar.
– Não tenho ideia, mas ela vai chamar muita atenção, tem que desligar. Sargento! 
– ADA-22, verificar credencial, sargento Chant, tag 3316.34-ONU, desativar. 
As batidas não pararam. 
– Sargento, ela tá vindo pra cima de nós! 
– ADA-22, DESATIVAR! 
– Sargento, ela tá ativando as armas! 
– Bater em retirada! Ela está engajando em batalha! Corram!

 
E agora? O que aconteceu com os dois? Que trabalho era esse em Nova Ómicron e quais seriam as consequências dele? Você pode ter a resposta para todas estas perguntas lendo o conto completo na antologia "A Máquina Consciencial", um trabalho de organização de Miranda May por meio do Engenho das Palavras. Um excelente trabalho, onde você encontrará inclusive, outros contos de excelente qualidade. Bom proveito!

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