quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Os guardiões

“O feitiço está pronto. Há um anfiteatro por trás do terminal novo, a Praça da Cultura. Lá há três seres poderosos. Ah! Se soubessem os segredos que eles guardam. Segredos que eu sempre conheci. Essa terra que chamam de Boa Vista já foi outras coisas em tempos imemoriais. Antes dos karaiwa. Antes dos Macuxi. Antes, muito antes. Eu sou desse tempo. De um tempo em que se lutava contra o mal com todas as forças. Algo antigo retornou eu acordei, chamei o Mensageiro. Minha missão é impedir o mal. A cidade ainda carregava as marcas daquele tempo. E eu sou um dos guardiões.” 

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Seu Silva deu os últimos retoques na câmera. O cliente se posicionou. Pronto. Foto 3x4 feita, cliente satisfeito. O rapazote saiu da pequena loja e Silva contemplou a si mesmo na foto em preto e branco na parede. “Também já fui jovem”, pensou. E sorriu satisfeito. Já estava na hora de fechar. Desligou tudo e saiu. Depois que trancou a lojinha olhou para o lado e viu a Samaúma, a árvore que carregava a sabedoria dos tempos passados, que o escolheu para proteger aquela terra. O Centro Cívico lotado de carros. 

Silva estava nervoso. Ainda ontem a Samaúma dissera pra ele se preparar, o mal havia retornado e era hora de chamar o Guardião. Silva sabia o que isso significava. Mas sabia também da necessidade de proteger aquela terra. O sol já estava quase se pondo. Ele foi pra casa. Viu as fotos da família sobre a mesa. Que saudade daquele povo que partiu cedo demais. Seu cachorro tinha um olhar cansado. “Já quer ir também, né, amigo?”, pensou.

Acordou bem cedo, antes do sol raiar e saiu para a praça. Contemplava a alvorada uma última vez sobre aquela cidade. Chegou na praça do Centro Cívico. Olhou para ele. Subiu a pequena rampa e disse:

– É hora de acordar, amigo. – com uma folha da Samaúma na mão encostou na estátua do Garimpeiro. Solene e sublime bem no centro de Boa Vista. E Francisco já não era mais. O Guardião havia acordado. Levantou-se e ergueu a peneira. Estava de volta.


Conto premiado no 1º lugar da categoria "conto" do III Concurso Literário Internacional Palavradeiros, originalmente publicado na Antologia do referido concurso em 27/12/2018 (disponível aqui)

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