Desculpem a foto (risos), mas não consegui encontrar mais informações dessa edição na internet. E tendo conseguido de graça num bazar, tampouco o livro me dá mais dicas, senão o bilhete que encontrei dentro dele com os dizeres: "Azul escuro / cortar Ney / Maria do Carmo" e um carimbo na segunda página "Ney Rego Barros" com anotação em caneta "Nº 660" e "5/10/79".
Este começo enigmático casa perfeitamente com o propósito do livro. O título "Maravilhas do Conto Fantástico" deveria ser "Maravilhas do Conto de Terror". Todos os contos têm essa temática, numa seleção feita por Fernando da Silva Correa que, pra ser sincero, nunca ouvi falar e uma pesquisa rápida no Google não revelou muita coisa.
Percebo que há uma valorização de autores estrangeiros em detrimento dos nacionais no livro. Digo isto porque dos 26 contos que compõem essa antologia maravilhosa, apenas 3 são de brasileiros (Aluízio Azevedo, Álvares de Azevedo e Carlos Drummond de Andrade). Mas, não obstante, o organizador faz um trabalho interessante de reunir clássicos do gênero e buscar mostrar um estado da arte do terror clássico (ou pelo menos aqueles comuns no final do século XIX e começo do XX). Compõem essa antologia nomes como Edgar Allan Poe (que não poderia faltar), com o conto "Silêncio", que é no mínimo inusitado; Hoffman, Nelson Bond e vários outros que nunca tinha ouvido falar.
Mas o que tenho pra dizer mesmo sobre esse livro são os destaques: Jacques Casembroot traz o conto "Do Outro Lado", uma história quase terna, confesso que não esperava me emocionar com um conto de terror, mas o autor descreve de maneira tão singela os acontecimentos que não pude evitar; E. F. Benson com "A Coisa no Hall" traz uma narrativa bem envolvente; e a sacada de Nelson Bond em "A Livraria das Obras Inéditas" foi muito boa.
Agora, sem sombra de dúvida, os melhores contos, em ordem crescente, foram: 3) "Flor, Telefone, Moça", de Carlos Drummond de Andrade. Esse tenho certeza que muitos já leram em tempos da escola, que é quando uma moça retira uma flor de um túmulo, passeando a esmo, e quando chega em casa o telefone toca: 'Cadê a flor que você arrancou da minha sepultura?'. Muito bom e excelente escolha para fechar a antologia.
2) "O Homem que se Enterrou" de Miguel de Unamuno. Sim, ele compõe a antologia. O conto dele é sensacional, principalmente, por estar à frente do seu próprio tempo. Ali há uma forte desconstrução da lógica e desafios à natureza das coisas que só viriam a cristalizar-se fora do mundo artístico lá pelos anos 80, praticamente 50 anos após a morte do autor. Muito envolvente a história e o encadeamento de acontecimentos faz a gente ficar atemorizado, não tanto pelo medo da história, mas pelos pressupostos que ela traz e as consequências destes.
E em primeiríssimo lugar: "Demônios" de Aluísio Azevedo. Sim, o brasileiro ganhou de tudo que é estrangeiro na seleção! O autor de "Casa de Pensão" e "O Cortiço" deu um show no melhor do terror fantástico mesmo. Sua imaginação extrapola os limites da realidade que nem Lovecraft conseguiu fazer, no meu ponto de vista. Enquanto Lovecraft muito falava do desconhecido e, sem explicar, criava o medo em torno dele, Aluísio Azevedo vai além e se atreve a descrever o inimaginável, trazendo resultados assombrosos para o leitor. De longe o melhor conto do livro. Sensacional.
Com isso encerro minhas leituras de 2018 (excelente forma de fechar o ano, aliás!). Próximo ano talvez eu poste mais coisas que eu mesmo escrevi, mas as resenhas continuarão a ser parte do meu combustível intelectual (para lembrar do mestre Stephen King) ao mesmo tempo que funcionam como meu diário de leitura. Farei ainda mais um post com um resumo de tudo que li nesse ano. Hasta la vista, ó dois ou três leitores.
3 comentários:
Caro Gabriel,
você não imagina a quantidade de coisas que passaram em minha cabeça quando por uma busca por outro assunto encontrei seu post. Sabe aquelas coisas que acontecem na vida e que no momento certo elas aparecem? pois é. Quer saber desse livro e dessas observações? São pelo menos 40 anos de historia...não sei se interessa para você, mas no momento que estou hoje (bebendo um vinho e curtindo uma dor de cotovelo por mais um divórcio, triste divórcio - isso é outra história, quem sabe um outro dia em um outro post) me alivia contar...Ney era meu pai, e Maria do Carmo era minha mae. Esse livro, como outros quase 2.000 faziam parte de uma biblioteca que meus pais construiram durante sua vida. Em 1980 eles se separaram e a biblioteca ficou para minha mae. Como haviam encadernado com essas lindas capas azuis da época muitos livros com o nome do meu pai, minha mãe, ressentida pelo divóricio em tão ida época, resolveu que aqueles livros, que ficaram para ela, não teriam mais o nome de meu pai. Morta minha mãe em 1985, e meu pai já em outro casamento e outro estado, fiquei eu, Ney Junior, com essa linda biblioteca. Orgulho meu pois muitos dos exemplares ja havia lido. Em 2001 me caso e construo um lar. Mantenho, apesar das críticas de minha ex-mulher, minha biblioteca como lembrança de meus pais e de um passado onde não havia preocupação com a vida, a não ser ler e pensar em meninas adolescentes como eu. Depois de 18 anos de casado e os ultimos anos desses em uma infelicidade impar, separo-me "daquela-que-odiava-meus-livros-cheios-de-poeira-e-que-davam-alergia". Ela, por pouca e escassa decência, me entrega o que não gostava e fica com o que achava que tinha valor. Nesse contexto me encaminha via mudança de tralhas, mais de 20 caixas de livros. Infelizmente, em minha nova casa não tenho mais espaço para manter meus exemplares que me acompanharam na adolescencia nos idos de 1980..Em minha mudança tenho que fazer uma escolha que regada a vinho e lágrimas me obriga a me desfazer de partes da minha história carregadas de emoção. Minha decisão foi fazer a doação de grande parte do meu acervo para o T-Bone pois esperava que meu passado pudesse alimentar alguem. Fico feliz que você tenha encontrado esse livro e ele tenha encontrado a você. Passe-o a diante de forma que mais gente possa ler linhas tão interessantes (ou não). Mesmo aos prantos no dia em que decidi me desfazer dessas preciosidades, mas que me amarravam a um passado que não existia mais, fiquei feliz em pensar que um dia poderia encontrar algo próximo ao que você fez. Você iluminou meu dia...no caso minha noite. Fique em paz e compartilhe seu conhecimento e prazer alcançado pela leitura desse e de outros livros. Se você mantiver seus livros somente para você, somente você poderá usufruí-los. Leia e lembre-se com prazer que eles te deram. Mas compartilhe para que possam tambem alimentar a alma, coração, imaginação e a vida de outros. Fique em paz e obrigado por seu post....
Caraca..Me emocionei com o depoimento do Ney.
Caríssimo Ney,
Sua narrativa foi absolutamente fascinante! Se você não é escritor ainda, deveria ser. Pelo menos o background de leitor eu já sei que você tem.
Obrigado pelo privilégio. Obrigado por compartilhar sua história comigo. Farei o possível para honrar cada pedacinho dela.
Qualquer coisa, vc pode me encontrar nas redes sociais também. Meu facebook é Gabriel de Souza Alencar e meu instagram é @escritoraoacaso. Um abraço!
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