quarta-feira, 6 de março de 2019

Resenha - Noite na Taverna

AZEVEDO, Álvares de. Noite na Taverna. Jaraguá do Sul: Avenida, 2012. Coleção Grandes Obras da Língua Portuguesa.

 Silêncio, moços! acabai com essas cantilenas horríveis! Não vedes que as mulheres dormem ébrias, macilentas como defuntos? Não sentis que o sono da embriaguez pesa negro naquelas pálpebras onde a beleza sigilou os olhares da volúpia?
E este é o tom do livro. Um livretinho que comprei no Shopping Fortaleza, aqui na Jaime Brasil em Roraima, quando ainda havia ali alguns livros pra vender. Na época, salvo engano, foi R$ 5,00. Comprei ele e vários outros clássicos da língua portuguesa que tenho até hoje. Essa não é a primeira vez que leio esse livro. Na verdade, ele tornou-se um clássico amado por mim e meu amigo George, e desde a adolescência nutrimos um grande apreço pela obra.

"Mas por quê?", talvez você questione. Ora, a pergunta deveria ser: "E por que não?". Essa obra tem um raríssimo equilíbrio de erudição e narrativa que é invejável. Veja esse primeiro parágrafo do livro que citei aí no começo. Que linguagem! Que vocabulário! Que uso estupendo da língua portuguesa! Parece poesia, parece música. Veja o ritmo, veja as cores, veja a maestria como o autor conduz a narrativa e conta diversas histórias.

Essas histórias são contadas numa taverna, onde há um grupo de ébrios conversando em voz alta, falando desde filosofia a amores passados (a típica conversa de bar). Eles então passam, cada um por sua vez, a contar histórias de amor e desilusão. Essas histórias envolvem coisas macabras e relatos terríveis, que eles só revelam graças ao seu estado de embriaguez.

Solfieri, Bertram, Gennaro, Claudius Hermann e Johann não são homens bons. São extremamente devassos e contam suas aventuras uns aos outros, muitas vezes, tristes pelas mazelas que as damas trouxeram sobre si mesmas e sobre eles. Há muito de Shakespeare aqui (os estudiosos da literatura que me perdoem a comparação, mas com certeza há influência do mestre inglês ali, uma vez que Azevedo o cita mais de uma vez). Há uma mistura de filosofia e poesia no que eles falam que cativa o leitor. E, claro, o enredo das próprias aventuras. E a poesia, que poesia!
 Por que empalideces, Solfieri! a vida é assim. Tu o sabes como eu o sei. O que é o homem? é a escuma que ferve hoje na torrente e amanhã desmaia, alguma coisa de louco e movediço como a vaga, de fatal como o sepulcro! O que é a existência? Na mocidade é o caleidoscópio das ilusões, vive-se então da seiva do futuro. Depois envelhecemos: quando chegamos aos trinta anos e o suor das agonias nos grisalhou os cabelos antes do tempo e murcharam, como nossas faces, as nossas esperanças, oscilamos entre o passado visionário e este amanhã do velho, gelado e ermo, despido como um cadáver que se banha antes de dar a sepultura! Miséria! loucura!
Mas se for pra falar de poetas e escritores antigos, é Byron que está na veia de Álvares de Azevedo, sem tirar nem por. Aquele fatalismo, aquele amor selvagem, aquela paixão utópica que leva os homens a fazer loucuras e sofrer terrores pelas mulheres. Sim! Eis o cerne do livro. As mulheres e as aventuras dos homens que as buscam. 

Uma edição simples, letras boas de ler e um espaçamento agradável à vista. Não tem floreio, não tem fontes estranhas, não tem nem margem direito (o que é um ponto negativo), mas tem o que importa: o texto. E o modo como o escritor narra os fatos deixando o melhor pro fim sempre surpreende. O clímax se dá sempre nas últimas linhas e vários deles fazem você pensar: "Meu Deus!!!".

Álvares de Azevedo, nas palavras do comentarista do livro, é uma "estrela cadente". Brilhou com tamanha intensidade, recortando-se contra o azul escuro do céu que, aos seus 20 anos, já falece. Um marco não somente no romantismo (ultrarromantismo!) foi um brasileiro que marcou a literatura com sua escrita fantástica.

Os capítulos são agradáveis de ler e o livro todo vai-se embora num tapa. Quando menos esperamos, já estamos a pensar e falar como se fôssemos o autor, trasladados pela língua melíflua e os sempiternos anseios da alma em traduzir e transgredir o sentido. Imagine só o que ainda teria produzido esse jovem talento, não tivesse caído do cavalo naquele fatídico dia? Ah! Só nos resta então brindar a sua obra, que só fora organizada após sua morte, brindar com um bom vinho e com boas histórias. Mas eis que olho para meu copo e:
 Oh! vazio! meu copo está vazio! Olá, taverneira, não vês que as garrafas estão esgotadas? Não sabes, desgraçada, que os lábios da garrafa são como os da mulher: só valem beijos enquanto o fogo do vinho ou o fogo do amor os borrifa de lava? [...] Olá, mulher, taverneira maldita, não vês que o vinho acabou-se?

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