segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Resenha — Max and the multiverse

WHEELER, Zachry. Max and the multiverse: book one. Mayhematic Press. Amazon KDP, 2017.


Ok, então né. Esse aqui entra pra categoria de "ainda bem que foi de graça". Encontrei este ebook em promoção na Amazon e achei a premissa interessante. Max é um jovem terráqueo que, toda vez que dorme, acorda em uma nova realidade do multiverso. Simples assim. Achei a premissa boa, vi que o livro tinha mais de 1300 avaliações na Amazon, com 4,1/5 estrelas. Ah, vamos ver, né? Hunf.
"I'm a cat, not your therapist." (p. 83)
Max and the multiverse propõe ser uma comédia sci-fi. Ele nos apresenta a história de Max, um garoto que, sem saber, acaba viajando pelo multiverso, indo parar numa Terra onde os dinossauros ainda existiam, ou em uma onde se fala igual o Yoda, ou mesmo em uma onde a viagem intergalática é possível. E nessa última, ele acaba levando seu gato Ross com ele e se encontrando com Zoey e Perra, duas aventureiras espaciais que têm uma carga perigosa que pode destruir o universo.

Olha, sendo bem honesto, o autor não é ruim, mas se veem traços fortes de amadorismo (como frases ou trechos muito explicativos). Além disso, ele abertamente tenta imitar Douglas Adams. Mas só tenta mesmo. Honestamente não considero isso um pecado, creio que é natural e até bom que autores copiem seus mestres no que eles fazem de bom — mas, meu filho, já que você está colando, pelo menos tire 10 na prova. E nem isso.

O autor paga mico, achando que está sendo o espertalhão quando na verdade a gente já entendeu o que ia acontecer desde a primeira linha. Ele se leva muito a sério e com isso perde a chance de ser, de fato, esperto. Ele não entende que ser randômico não significa fazer a coisa de qualquer jeito. O brilhantismo de Adams está justamente na loucura "ordenada", ou no mínimo lógica.

Ah, e se se essa é a ideia de roteiro do autor, nossa, então estou muito bem. O primeiro ato da história contribuiu para quase nada. A impressão que tiver é que o livro fora escrito por um adolescente. Cenas bem sem noção, que tentam ser engraçadas mas conseguem apenas ser o clichê do clichê.

O livro é um festival de "tell" em lugar de "show". Um exagero de cenas explicativas gratuitas. Além disso, o autor é claramente muito bom em world e lore-building, mas não em character-building. Tanto é que aquele que deveria ser o personagem principal, Max, não passa de um coadjuvante de terceira categoria. Quando a história finalmente pega no tranco no começo do Ato 2, a gente mal lembra que ele ainda está lá.

Enfim, ainda bem que foi de graça. Me assusta como esse livro teve uma recepção boa e ainda ganhou medalha de ouro em alguma premiação aí. Olha, vou te contar, é cada um que me aparece, viu?

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Resenha – Shibumi

TREVANIAH. Shibumi. São Paulo: Círculo do Livro, 1984.


Olha, não sei o que 2025 me reserva, mas em termos de leitura, se começou assim, já começou com o pé direito. E que pé direito. Comprei o livro num sebo em Brasília, melhor 17 reais já gastos. Devorei as 400 páginas em poucos dias, mal vi o tempo passar. Se no começo o livro me pareceu um clichezão, em pouquíssimo tempo ele me conquistou de modo que eu não conseguia mais escapar. Adianto-me, porém.

Embora no começo não fique claro, Shibumi é a história de Nikolai Hel, um rapaz de ascendência irlandesa e russa, que cresce no Japão da Segunda Guerra Mundial. Culturalmente um japonês, Hel cresce sem nacionalidade e se torna o mais importante assassino internacional de sua época. 

No livro, o autor foi muito inteligente em mostrar a sua história por meio de outros personagens, tanto é que um bom pedaço da primeira parte do livro é narrada do ponto de vista do vilão, que apresenta ao leitor quem é Nikolai Hel e qual a sua importância para a "Matriz", um conglomerado de empresas petrolíferas que exerce poder político e econômico sobre os outros países, tudo com vista a seus propósitos nefastos do lucro. Quando os caminhos da Matriz e de Hel se encontram, por causa de um atentado mal-sucedido que a Matriz encarregou a CIA de fazer, uma relação de vingança e ao mesmo tempo de dependência se sucede.

A narração é muito boa, embora em alguns momentos peque pelo estilo "best-seller" de escrita, aquele quase mecânico que se vê em muitas obras nas listas do The New York Times. Mas as cenas são muito boas. Aliás, não consigo deixar de ver algumas semelhanças com o Conde de Monte Cristo em alguns aspectos. Ambos têm um personagem fascinante que se capacita de tal forma que ficamos na ponta dos pés pra ver o que ele vai fazer quando finalmente puder agir.
Não caia no erro do artesão que se vangloria de possuir vinte anos de experiência na profissão quando, na realidade, só tem um ano... multiplicado por vinte. (p. 112)
Os personagens são fascinantes. Hel em si é quase um super-herói, dotado da capacidade de falar fluentemente japonês, alemão, russo, chinês, inglês e mandarim; além de ter uma espécie de sexto sentido que o permite identificar a localização de pessoas e objetos, sentido esse derivado da sua capacidade mística de meditação e autoconhecimento. 

Alguns personagens são bem caricatos, especialmente os vilões. Depois descobri que o autor era professor de cinema e teatro e acho que isso influenciou no jeito dele de criar algumas coisas, com cenas que parecem perfeitas para cortes de câmera e personagens que falam frases marcantes mas que, no fundo, não contribuem em nada a não ser para criar um estereótipo deles. 

Preciso citar aqui tanto o general Kishikawa quanto o professor do jogo "Go", Mestre Otake. Ambos muito bem trabalhados dentro da cultura japonesa, traduziram muito bem o estilo de vida e cultura daquele povo de um jeito fascinante. Merece também um destaque especial Beñat "Le Cagot", um revolucionário basco que, não consigo evitar, me lembra demais meu amigo Bruno. Tem outros que não citei, mas que um dia vou lembrar quando reler esse livro.

E já que me referi à cultura japonesa, não tem como não ficar impactado com a profundidade e simplicidade do "Shibumi", termo da filosofia japonesa que se torna a meta de vida de Hel. Nas palavras do próprio livro:
[...] shibumi tem a muito a ver com um acentuado refinamento sob uma aparência comum. É uma declaraço tão correta que não precisa ser ousada, tão mordaz que não precisa ser bonita, tão verdadeira que não precisa ser real. Shibumi é compreensão, muito mais do que conhecimento. Um silêncio eloquente. No comportamento, é modéstia sem prudência. Na arte, onde o espírito de shibumi assume a forma de sabi, é uma simplicidade elegante, uma brevidade articulada. Na filosofia, onde shibumi emerge como wabi, é uma tranquilidade espiritual que não é passiva; é o ser sem a angústia do vir a ser. (p. 81)
Talvez seja só eu, mas isso não é fascinante? Um estoicismo aplicado à vida que todo mundo poderia almejar? Não consigo deixar de pensar como esse livro ressoa. Faz tempo que um livro não me deixa pensativo depois que termino de lê-lo. Tanto a história como o conceito de "shibumi" são muito interessantes e muito bem trabalhados no livro.

Por outro lado, temo que o livro jamais sobrevivesse aos tempos atuais, onde não se pode falar nada. Tenho certeza que os leitores atuais achariam o autor racista, porque ele simplesmente não tem filtro nenhum e traz de forma explícita que pensa que árabes são menos capazes, que chineses e japoneses são "amarelos" ou ainda destacando personagens negros pelos seus fenótipos. O discurso e abordagem raciais são bem fortes e presentes por todo o livro.
[...] se desprezamos a beleza na nossa desesperada luta pela vida, então os bárbaros já terão vencido. (p. 100-101)
O livro é extremamento realista, não há dúvida. Se é caricato em alguns momentos, em outros é cirúrgico em mostrar o horror da humanidade. Toda vez que leio sobre a guerra fico movido por me deparar com a loucura da destruição humana. De gente que comemora a morte de outros, de pessoas procurando em pilhas de cadáveres os seus parentes. 

Na verdade, talvez eu deveria dizer que o autor é bem cínico em relação a governos de modo geral. Despreza-os todos, mas tem um desprezo especial pelos EUA, que considera extremamente materialista e cujo modo de pensar mercantilista um dia traria sua ruína. Os personagens deixam isso bem claro, embora a narrativa acabe sendo fatalista nesse ponto, abraçando o niilismo do inevitável. 
[...] uma das coisas mais difíceis para o homem egocêntrico enfrentar é o fato de ser ele um indivíduo insignificante em qualquer biografia que não seja dele. (p. 362)
Enfim, concluo com a inevitável afirmação de que esse livro é sensacional. Não é sem seus erros, mas eles de modo nenhum eclipsam tudo que o livro tem a oferecer. É uma leitura fluída, muito embora em alguns momentos a gente fique se perguntando por que diabos está lendo trinta páginas que descrevem tão somente a exploraçao de uma caverna por Hel e seu amigo Le Cagot. 

Minha única crítica verdadeira, talvez seja que o autor dedicou poucas páginas para descrever melhor a vingança de Hel e o final me pareceu um pouquinho corrido demais. Ora, já tínhamos investido tanto tempo com outros detalhes que não me importaria de ter visto com mais propriedade a última missão do personagem principal.

De qualquer forma, é um livro que vai ficar na estante e, com certeza, eu vou reler um dia, porque sei que no futuro vou querer viver essa aventura de novo. Eis por que eu leio. Ainda mais livros como esse, que mesmo depois de ler, ainda ressoam. Quero ouvir essa música de novo.