segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Resenha — Breakers

ROBERTSON, Edward W. Breakers. Kindle Edition. 2013.


Mais um da categoria "achei de graça na Amazon" que se tornou um verdadeiro achado! Uma leitura que me segurou do começo ao fim, personagens muito interessantes, um enredo bem realista para o que se propõe. Enfim, vamos à resenha.

A história é a seguinte: era um dia normal. Em Nova York, Walt se perguntava se a namorada o deixaria de fato ou não; na Califórnia, Raymond e Mia se viravam nos 30 pra tentar pagar as contas e sobreviver em meio às dificuldades da vida. Até que um dia um vírus mortal mata quase toda a humanidade. E então os responsáveis aparecem para terminar a matança.

Trata-se, portanto, de um livro pós-apocalíptico em que a humanidade precisa sobreviver, lutando não apenas contra a natureza, mas contra a própria habilidade inata do ser humano de fazer o mal.
He didn't know when the last semblance of law had left the city, but he guessed it had been right around the same time they started stuffing the subway tunnels full of corpses. (p. 111)
No começo não botei muita fé na escolha narrativa de dois núcleos. Ou seja, em um capítulo acompanhamos a história de Walt em Nova York; no outro, a de Ray e Mia. Achei que isso se tornaria cansativo, mas foi o contrário: ficamos sempre alertas, porque o autor sabe deixar a gente com uma pulga atrás da orelha toda vez que um capítulo termina.

Pensando nos três pilares da escrita, tais como delineados por Stephen King, como já adiantei, penso que a narrativa é muito boa, embora eu creia que ele tenha falhado algumas vezes na questão da verossimilhança de alguns personagens. De qualquer forma, o autor sabe segurar nossa atenção, a leitura é bem fluida e os fatos narrados são interessantes, dá vontade de saber o que pode vir a acontecer depois. Inclusive, de certa forma, eu diria que o livro é até bem realista. 
All the dozens of sci-fi books and movies he'd absorbed over the years [...] and the best he could do was rip off one of the most widely-mocked solutions in the history of the apocalypse. (p. 305)
O segundo pilar, descrição, creio que é o ponto mais fraco do autor, em certa medida. Se por um lado ele faz excelente uso dos sentidos para nos fazer entrar na pele dos personagens; por outro, suas descrições de objetos e lugares deixam bastante a desejar. Num livro de ficção, se a descrição dessas coisas não for bem feita, o leitor fica perdido (coisa que aconteceu comigo, pelo menos na parte final). 

Em contraste, o autor se destaca no terceiro pilar, diálogo. São exímios, os personagens realmente soam como pessoas reais. Em certo ponto da história, uma pessoa foi resgatada e reclamou com seu resgatador: "Can't you steal a car?" (p. 232). O absurdo dessa pergunta na situação em que eles estavam é realmente uma bela demonstração da verossimilhança (ainda mais porque são estadunidenses). 

Quanto aos temas, creio que o autor é muito bom em ressaltar a resiliência humana, a vontade instintiva das pessoas de sobreviver, de explorar, de conhecer... e de ser feliz. Achei muito interessante ver como, mesmo diante do fim do mundo, as pessoas têm esperança e buscam aquilo que as ajuda a de fato viver. 
That was what life was about. Building times so good they felt like forever. (p. 278)
Enfim, mal consegui acreditar que encontrei esse livro de graça. E não só isso. Este é apenas o livro 1 de uma trilogia. Via de regra, não gosto de trilogias. Todo mundo quer ser o próximo Tolkien, e, claro, praticamente ninguém é. Desta vez, porém, preciso dar uma chance. É que eu preciso saber o que vai acontecer. Que livro!

domingo, 10 de agosto de 2025

Resenha — Entre lembrar e esquecer

PAZ, Mauro. Entre lembrar e esquecer. São Paulo: Patuá, 2017.


Caramba, estamos com uma enxurrada de livros bons nestes últimos tempos. Graças a Deus, estava precisando mesmo disso. Esse foi um livro que tinha uma amostra disponível na Amazon. Eu literalmente li a primeira página e nem continuei com a amostra: já comprei o livro, sabia que a leitura valeria a pena. 

É que o autor tem um jeito muito próprio de contar a história. É moderno sem ser moderninho. Faz uso dos elementos porque eles fazem sentido, não simplesmente porque quer usá-los. Olha só como começa o livro:
Depois de mudar para São Paulo, sempre que o telefone vibrava e na tela surgia o número de casa de minha mãe, eu esperava uma notícia de morte. Numa tarde de setembro a notícia chegou. (p. 5)
Em um único parágrafo o autor me traz que hove uma mudança para outro lugar, que o personagem principal tem proximidade ou carinho pela mãe (se ele tem, por que mudou?), e que houve uma morte. Foi isso que eu li e pensei: "É, não tem jeito, vou ter que comprar esse livro".

A história então é sobre um jornalista do Rio Grande do Sul que foi morar em São Paulo. Um dia ele recebe uma ligação de que seu sobrinho havia morrido e agora ele precisa voltar para Porto Alegre, onde vai ter que lidar não apenas com o luto da família, mas com as próprias relações familiares e os dramas que o fizeram um dia ir embora daquele lugar. 

O autor segue ao pé da letra um conselho que já vi em vários livros técnicas de escrita: não tenha pena do seu personagem, faça ele passar por tudo e um pouco mais. Olha, o autor seguiu o conselho à risca. De fato o personagem vai de mal a pior, e a gente torcendo por ele a todo momento. 
Mataram meu menino e, de repente, o colo ficou vazio. Parece que foi ontem. (p. 49)
O narrador faz uso excelente de uma narrativa não-linear. Acompanhamos a história presente, mas os mergulhos no passado não são sentidos como flashback, mas como pedaços de um quebra-cabeça que ajuda a construir o presente. Em suma, do jeito que uma boa narrativa não-linear deve ser. Aliás, a escrita é tão fluida que o autor só vai falar o nome do personagem principal na segunda metade do livro... e eu nem tinha percebido isso.

Ainda sobre estrutura, o autor é deveras esperto. Os capítulos curtinhos, alguns com poucos parágrafos, deixam a gente com a sensação de quero-mais toda hora e dão sensação de que conquistamos ou completamos uma pequena etapa. Ah, é só mais um pouquinho. E a curiosidade batendo, e a gente querendo saber, e vamo ler só mais um vai. 

Desde o começo fica evidente que o tema do livro é o luto. E que abordagem magistral do autor. Parece que estamos ao mesmo tempo longe e perto da cena. É uma sensação de desconexão presente, algo que quem já sentiu o luto sabe. 
Contra a morte não existe justiça ou vingança. A morte é a lei [...] (p. 5)
Se a morte é a lei, a invenção da arma de fogo foi uma emenda escrita pelo homem. (p. 67) 
A morte citada no começo do livro é do sobrinho do personagem: um menino negro que foi a uma festa num condomínio de elite em Porto Alegre e apareceu morto no dia seguinte. Ninguém viu, ninguém sabe. Polícia arquivou o caso como acidente e nem investigou. Boa parte do livro é o conflito que gira em torno de querer saber o que aconteceu de fato com o rapaz naquela noite. 

Daí é natural entender que outro grande tema do livro é o racismo. Creio que o autor soube tratar o tema sem proselitismo exagerado. Em alguns momentos, gostaria que ele tivesse me mostrado mais, em vez de só falar, deixar eu mesmo ter vivido ou sentido na pele um pouco do que o personagem passou, em vez de só apontar de longe. Mas confesso que, olhando pra trás, vejo que isso é mais preciosismo da minha parte. Não tem como negar que o autor soube abordar muito bem o tema. 
Entre a namorada branca e a família negra, mil e seiscentos quilômetros. Uma distância tão confortável quanto frágil. (p. 27)
E já que estou falando tanto de temas, lembro de ter lido em "O segredo do best-seller", que os bons livros tem um tema que compõe 30% do seu enredo, ficando os outros 70% divididos em outros 2 ou 3. Esse livro faz isso muito bem. Central é o luto. Acessórios são o racismo e os relacionamentos familiares (pais e filhos, irmãos, e até a paternidade em si), sendo que todos eles dialogam e reforçam o tema principal.

Talvez o mais triste de toda essa história, foi saber que o autor se inspirou em uma história real. Na noite de sábado, 27/04/2013, Eduardo Vinícius Fösch dos Santos, 17 anos, se despediu da família para ir a uma festa em um condomínio de luxo da zona Sul de Porto Alegre, na qual era o único convidado negro. Ele nunca mais voltou. Cinco horas depois do final da festa, gravemente ferido, foi levado ao HPS, onde morreu nove dias depois. Investigado como morte acidental pelo Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca), o caso sofreu duas tentativas de arquivamento, mas, por pressão da família, foi reaberto com dois indiciamentos e uma conclusão do Ministério Público: Eduardo foi assassinado. Notícia completa aqui.

Atualizações. 2024: a mãe morreu, sem ver a justiça ser feita (notícia competa aqui). 2025: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos, aceitou a denúncia contra o Brasil de violação de direitos humanos, tendo em vista que o caso começou em 2013 e hoje, doze anos depois, ainda permanece sem solução (relatório completo aqui). Pequeno spoiler de alguém formado em Relações Internacionais: não boto fé nenhuma de que a OEA possa fazer alguma coisa.
A narrativa mantém vivos personagens que nem existiram, como Quixote ou Brás Cubas, mas se tornaram mais concretos em nossas memórias do que milhões de pessoas que deram a vida para construir grandes cidades e quase nunca se colocam a narrar. (p. 69) 
Enfim, me peguei com pena de ler o livro. É que a leitura estava tão boa que eu não queria que acabasse. Foi aquelas leituras que doem, mas doem gostoso. Leituras que ficam ressoando na nossa cabeça mesmo depois que o livro já está fechado e guardado. Certamente fiquei curioso por ler outros livros do autor. Vi que ele lançou um em 2023, vai já vai entrar pra lista. Que leitura boa, meus caros.

sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Resenha — Se o medo tivesse um som

SANTOS, Rodrigo. Se o medo tivesse um som. Rio de Janeiro: Mórula, 2020.


Da categoria "livros grátis que encontrei na Amazon e resolvi dar uma chance", eis que me deparo com esta curta obra de um autor brasileiro. Confesso que até achei bonzinho!

A história trata de um delegado em São Fidélis, no interior do Rio de Janeiro, que se depara com uma série de crimes bizarros na pequena cidade. Com a ajuda de amigos e um misterioso pesquisador que aparece por lá, ele precisa desvendar quem ou o que está por trás do assassinatos macabros.

Achei o começo interessante. O autor traz uma cena familiar, razoavelmente intimista. Teria como polir um pouco ainda, mas funciona bem. O uso do "ghost" no personagem também é um bom atrativo (recurso narrativo em que o autor demonstra que o personagem tem um problema do passado que ainda o atormenta, mas não diz exatamente o que é).

Enquanto lia, pelo jeito como a história se desenvolve, fiquei tentado a classificar esse livro não como um romance, mas como um conto longo. É estranho falar isso pra um livro de 54 páginas, mas a trama é bem centrada, são poucos personagens, o texto é razoavelmente conciso... E qual não foi a minha surpresa ao ver o livro no site da editora e, ora ora, ele é classificado exatamente como um conto. Pelo menos meu olhar de escritor ainda presta pra alguma coisa.

No fundo, é uma historinha boa. Dá pra perceber que o autor não tem uma voz sólida ainda, algumas falas são meio sem nexo, algumas resoluções da trama são forçadas, os personagens precisariam de mais espaço pra se desenvolver, etc. Talvez um leitor desavisado se pegue decepcionado em ver que a história se resolve muito fácil.

Pra mim, creio que ela funciona. A partir do momento que entendi se tratar de um conto, acho que dá pra justificar as escolhas. Enxergo o livreto como um degrau em uma escada. Estaria disposto a ler outras obras do autor, acho que valeria a pena dar uma chance. 

Resenha — O último adeus de Sherlock Holmes

CONAN DOYLE, Arthur. O último adeus de Sherlock Holmes. Sâo Paulo: Melhoramentos, 2001.


Voltando às origens aqui. Lembro que eu tinha cerca de 11 anos, pegava minha bicicleta (ou a pé mesmo) e ia pra biblioteca pública de Roraima. Ali descobri o mundo da leitura. Lembro de uma vez que li 30 livros em um único mês. Foi ali que descobri este personagem que me inspiraria pelo resto da vida: Sherlock Holmes.

Neste livro, assim como todos os outros de Sherlock, temos uma antologia de contos narrados por Watson, com pequenas histórias que contam um pouco do personagem, da sua personalidade e, claro, dos causos criminais impossíveis de decifrar, a não ser que você tenha a mente brilhante de Sherlock.
Uma das fraquezas mais evidentes do meu amigo era a impaciência com inteligências menores que a sua. (p. 41)
Honestamente, não há muito o que se falar aqui. A escrita de Conan Doyle é simplesmente boa demais. Não tem como. A gente fica vidrado, querendo ver o que vai acontecer. Sherlock é um personagem muito interessante, e ainda soma-se a ele o mistério próprio das tramas policiais... uf! Que belezura, meu povo.

Aliás, devo dizer que consegui deduzir vários dos mistérios. Não sei se é porque fiquei melhor nisso, ou, como falou minha esposa, eu gosto tanto do personagem que guardei as memórias no subscosciente e agora estou aqui me iludindo achando que sou o novo Sherlock. Talvez, talvez.
Precisamos lembrar do velho axioma, segundo o qual quando tudo o mais falha, o que quer que sobre, por mais improvável, deve ser a verdade. (p. 49)
Neste "último adeus" de Sherlock Holmes, a história mais interessante deve ser a última, em que vemos Sherlock envolvido em fatos da 1ª Guerra Mundial. De qualquer forma, é uma leitura que vale a pena, porque é tudo muito bem escrito.

Por fim, devo destacar que essa foi uma leitura especial pra mim. Foi a primeira vez que percebi que estava lendo pela última vez um livro. Eu não sabia, mas, para mim, este era de fato o último adeus deste Sherlock Holmes:


segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Resenha — Corredor do tempo

LOMAR, Adriana Vieira. Corredor do tempo. São Paulo: Patuá, 2023.


Então, né. Estou tentando me familiarizar com o que há de mais recente na literatura brasileira contemporânea. Um leitor atento vai ver que estou lendo muitos livros da Patuá, que é uma editora que despontou nos últimos anos e tem revelado muitos talentos. Não sei dizer muito bem se é o caso desse livro.

O livro se diz uma "novela", mas me parece mais uma breve antologia de pequenos contos em torno de uma menina e sua infância no apartamento 306, no Rio de Janeiro. São várias historietas de uma garotinha e seu lidar com fantasmas, familiares, irmãos e irmãs mais velhos, sempre acompanhada do seu palhaço de pelúcia, o Tico. 

O livro chama a atenção graças à narrativa da autora, que traz realmente a perspectiva de uma criança. As imagens são misturadas, eventos são um pouco confusos, e coisas que são importantes para adultos não fazem a menor diferença pra uma criança (como o fato de um homem ter cometido suicídio no quarto onde hoje a menina dorme). 

Há um aspecto lúdico muito evidente no jeito como a autora conta. Algo de meio turvo num mundo de adultos que fingem saber o que estão fazendo. Honestamente, apesar das dificuldades, foi isso que me fez ler o livro até o fim. 
As estações galoparam. O corredor continua no mesmo lugar: entre os quartos, o banheiro e a sala. O apartamento 306 ainda tem vista para tantos outros apartamentos, mas em nenhum deles há a teia de memórias de uma senhora cabeçuda. Continuo sonhando e tudo parece real. (p. 69)
Porém, embora eu tenha colocado bastante fé no começo, de repente o livro se tornou meio genérico. A voz ainda é algo bem único, de fato, mas só isso não basta, o conteúdo também precisa fazer valer. 

Ficou um pouco difícil estabelecer uma conexão com os personagens, especialmente quando a gente nem entende direito onde estamos. Ora me parece que a história se passa na Inglaterra, ora a autora me diz que é no Rio. Há uma desconexão tão grande entre alguns capítulos que fiquei me perguntando se não se trata de uma família britânica morando no Rio.

Além disso, embora em muitos momentos a narrativa seja quase "fofinha", em outros a autora parece que quer pesar a mão só pra mostrar que pode, uns palavreado nada a ver e que não contribuem em nada. Pra mim, isso só diminui a unidade e coesão do livro como um todo. 

Enfim, não é um livro que vai mudar a vida de ninguém, mas eu diria que pro fim ele se salva, tornando a leitura mais interessante de novo. Dei 3/5 estrelas na Amazon. No fim das contas, achei ok. É isso.

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Resenha — Nem sinal de asas

DANTÉS, Marcela. Nem sinal de asas. São Paulo: Editora Patuá, 2020.


Que alívio, que alívio. Quando parece que tudo está perdido me deparo com uma belezura dessas. É difícil dizer que esse livro é um bálsamo, porque de bálsamo ele não tem nada; mas é. Porque é um sinal de que a boa literatura brasileira ainda está viva.
Toda resistência tem um limite, o seu era estar em carne viva. Ardiam camadas profundas dentro da pele. Ela era uma criança miúda e mesmo sem saber queria conhecer a sua força e até onde ela ia. (p. 32-33)
O livro conta a história de Anja (sim, é esse nome mesmo). Tímida, negra com manchas na pele, cresceu num prédio que um dia já fora um hotel de luxo. Ali teve amigos, dissabores, traumas, e sua mãe, Dulce. Aos poucos, as pessoas foram indo, foram indo, e ela foi ficando. De repente já não fazia mais falta pra ninguém. E então encontram-na morta, mumificada. Havia morrido há anos e ninguém tinha notado. 

Tudo nesse livro é impactante. A voz da autora é simplesmente sensacional. É que a autora tem voz. Ela fala como ela é, não como outro. Há certa honestidade em ler seu relato. Uma mistura de lirismo com prosa em alguns momentos, mas prosa, história, narrativa. Combinação muito interessante.
Os pés pra cima do carpete áspero e azul e o resto do corpo em cima dos pés. (p. 13)
A narrativa é um primor. A autora sabe honrar a inteligência do leitor. Ela expõe os fatos de modo não-linear e deixa pra gente juntar as peças. Às vezes nem sabemos em que tempo estamos ao certo; mas em lugar de confundir o leitor, a autora nos traz curiosidade.

No começo me perguntei se era proposital e depois cheguei à conclusão de que era sim. Há certa maestria nas frases curtas, nas sentenças com pontos finais seguidos, nas quebras de parágrafo que imprimem um ritmo bem próprio à narrativa. Se a personagem principal sente dor e faz coisas devagar, a narrativa sabe espelhar isso. O livro é um absurdo de bem estruturado.
Cuidar de idosos é conhecer o horror. É se despedir, dia após dia, da imagem romântica do velho sorridente na capa de um folheto de um lugar que só faz cuidar de idosos. (p. 71)
Tudo nesse livro é um doce meio amargo que é gostoso, mas ao mesmo tempo ruim. Os capítulos são duros e perfurantes, mas são tão macios e fluidos que a gente nem percebe. É quase impossível ler um capítulo e aquilo não ficar um gosto na boca, sabe? É meio que sem escolha que a gente fecha o livro porque aquilo fica ressoando ressoando na nossa cabeça. 

A gente torce por Anja, mas desde o começo a autora já diz que não vai dar certo, que não há por que ter esperança, é uma tragédia anunciada já no primeiro capítulo. Mas é tudo tão bem colocado que não temos escolha senão sentir simpatia pela personagem e ficarmos tristes quando as coisas dão errado.
E depois desceu de novo porque tinha que tomar as providências que se tomam quando morre alguém. Morria-lhe Dulce. (p. 100-101)
Um livro de meras 128 páginas que é capaz de ser tão marcante. Quando termina, não dá vontade de continuar, porque é triste, triste. Mas, ao mesmo tempo, é tão bom que a gente fica até a última palavra, lendo tudo, acompanhando tudo. Me diga se essa não é a sina da vida brasileira? 

Depois de ler e pesquisar na internet, percebi que não foi à toa que o livro foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura em 2021, na categoria Melhor Romance de Estreia, e do Prêmio Jabuti, na categoria Melhor Romance Literário. Faz absolutamente todo sentido. 

Que satisfação, aspira, que satisfação. Dá até vontade de ler mais literatura brasileira. Meus agradecimentos à autora.