Ganhei este livro porque um amigo mudou-se e resolveu se livrar de coisa parada presentar-me com parte de seu acervo. Como estou viajando, resolvi que seria uma boa oportunidade pra me dedicar à leitura sem grandes interrupções, e deu certo.
Este livro é uma não-ficção escrita por um entusiasta, um aficcionado do acidente de Chernobyl. Andrew Leatherbarrow nada mais é do que um fã e, depois de tanto pesquisar sobre Chernobyl, percebeu que tinha reunido um poderoso arsenal de dados sobre o caso e foi convencido a publicá-los em livro.
A estrutura do livro segue um padrão estranho. No começo temos uma exposição e introdução ao tema. A seguir, cada capítulo ora fala do acidente em si e suas consequências, ora da viagem que o autor fez ao local do acidente e como isso marcou sua vida.
Confesso que não vi tanta utilidade no relato pessoal do autor, me interessaram mesmo as partes que falaram do acidente e das dificuldades absurdas que as pessoas tiveram para lidar com as consequências do mesmo. Dizer que ele foi até o telhado de um prédio pra bater umas fotos e isso deixou ele nostálgico, bem... já não sei.
Sobre os fatos em si, o livro trouxe muitos detalhes que eu não conhecia. O autor aponta duas grandes causas para o acidente: problemas na própria construção e estrutura do reator de Chernobyl, e erro humano, devido à falta de consideração que Anatoly Dyatlov, vice-engenheiro-chefe da Usina Nuclear de Chernobil, teve por procedimentos de segurança e a vida humana.
Eu não tinha noção de como se deram os reparos e como foi o processo de contenção. Fiquei muito impressionado em ver que muitos dos que trabalharam nos esforços sabiam muito bem que não voltariam, realmente se sacrificaram para salvar a humanidade. Ou pior: muitos que foram e nem sabiam a que estavam se submetendo. Era gritante a corrupção e o descaso que a União Soviética tinham pela própria população. Triste e revoltante.
Destaco aqui o trabalho dos Liquidadores, dos Biorrobôs, dos bombeiros e dos mineradores — os verdadeiros heróis dessa história.. Mas de todos os detalhes que o livro traz, quero transcrever aqui um relato que o autor faz de outos acidentes radioativos em diferentes lugares no mundo. Os grifos são meus:
[...] mais de 240 pessoas foram expostas à radiação em Goiânia, no Brasil, em setembro de 1987, depois que uma dupla de ladrões desmontou uma cápsula de aço e chumbo que haviam roubado de um hospital meio abandonado ali próximo.A cápsula, que fazia parte de um aparelho de radioterapia e continha césio, ficou guardada no quintal da casa de um deles. Lá, os dois ladrões ficaram batendo vários dias na cápsula para perfurar a proteção externa de aço, ao mesmo tempo em que adoeciam. Atribuíram seus sintomas a algum alimento que tivessem ingerido, sem suspeitar do objeto roubado, e depois venderam a cápsula danificada a um sucateiro chamado Devair Ferreira.Naquela noite, Devair notou que o material interno soltava uma luminosidade azulada e imaginou que devia ser valioso — até sobrenatural. Para protegê-lo, guardou a cápsula na casa onde morava com a esposa, Gabriela, e distribuiu pó e fragmentos de material entre amigos e parentes.Um deles foi o irmão de Devair, que deu um pouco do pó de césio para a filha de seis anos de idade. Encantada com aquele brilho mágico azul, a menina ficou brincando com o pó de césio, passando em si mesma como se fosse purpurina e ingerindo partículas radioativas. Dois empregados de Devair ficaram alguns dias mais tentando desmontar a cápsula para extrair o chumbo que continha.Gabriela foi a primeira a perceber que ela e todos os seus próximos estavam adoecendo gravemente. Um médico lhe disse que era uma reação alérgica a alguma coisa que comera, mas ela estava convicta de que a culpa era do material estranho que tanto fascinara a família.Gabriela pegou de volta a cápsula que tinham revendido a outro ferro-velho, levou-a — de ônibus — até um hospital local e lá declarou que aquilo estava “matando [sua] família”. Essa providência impediu que o episódio tivesse uma gravidade muito maior.O césio então ficou num pátio até o dia seguinte, sem ser identificado, até que um radioterapeuta, a quem um médico do hospital pedira que fosse examinar a cápsula, “chegou bem a tempo de demover os bombeiros de sua intenção inicial de pegarem a fonte e jogarem num rio.”Gabriela, a menina e os dois empregados de Devair morreram. Devair sobreviveu, mesmo tendo absorvido uma dose maior do que os outros quatro. Como a cápsula tinha sido aberta e transportada várias vezes naquelas duas semanas, diversas áreas da cidade ficaram contaminadas, exigindo a demolição de muitos edifícios. (p. 24-25)
Não há como negar que essas histórias fascinam. São interessantes porque são absurdamente reais. Ainda que a energia nuclear seja a mais eficaz entre todas as energias limpas disponíveis hoje, o risco que ela traz ainda é muito grande. O mundo tem medo demais de um inimigo invisível. Chernobyl certamente não será o último acidente energético, mas espero que seja o último dessas proporções.
Enfim, o livro vale a leitura, ensina demais sobre o que é o ser humano e os limites da ciência. Pelo menos por enquanto, vai sim ficar na estante.
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