quinta-feira, 9 de maio de 2024

Resenha — Vidas secas

RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Jandira: Principis, 2024.


Sei nem por onde começar. É que tenho algumas opiniões bem formadas sobre a obra e ainda não entendi como organizar os pensamentos direitos. Vamos ver o que sai.

Vidas secas é um marco da literatura brasileira e quando o vi por R$10 eu sabia que deveria comprar. Ainda não tinha lido Graciliano Ramos e precisava desse nome no meu currículo de leitor. Eu queria realmente aprender um pouco mais e conhecer melhor o cara.

Neste livro, estamos diante de uma obra em que fica bem evidente o espírito modernista. O livro é facilmente comparado a Macunaíma de Mário de Andrade. Não só o uso de regionalismos ou termos próprios a uma etnia, mas especialmente a narrativa não-linear e cheia de rododendros que parece refletir a mente do personagem e das situações que ele enfrenta. 

Até as repetições por parte dos personagens, o jeito que eles se comportam refletindo de modo muito forte a caboquice, o jeito bruto e até mesmo obtuso do estereótipo sertanejo, está tudo aqui. 

Assim, eu compreendo as escolhas do autor, o estilo... mas não gosto. Já vou dar o teor da minha resenha logo de cara aqui: Vidas secas é um excelente livro para estudo da literatura, mas não para se divertir com a literatura. Pra mim ele está muito próximo de A moreninha neste sentido.

O livro tem um quê de romance, mas a organização da história e a divisão me faz pensar que este livro está mais próximo de uma antologia de contos. Embora no primeiro capítulo tenhamos de fato uma apresentação da temática e dos personagens (coisa que vemos repetida no último), no meio o que temos de fato é uma coletânea de causos e estudos de personagem.

(Aliás, que primeiro capítulo! Nosso coração vai lá em baixo e sobe de novo. Graciliano realmente nos conquista, nós torcemos para o Fabiano, para sinha Vitória, pela Baleia... ficamos com medo da seca, torcemos pela sobrevivência dos nossos heróis... talvez o erro de Graciliano foi ter gastado muita munição nessa abertura, e o resto sofre um pouco em comparação).
Comparando-se aos tipos da cidade, Fabiano reconhecia-se inferior. Por isso desconfiava que os outros mangavam dele. Faziam-se carrancudo e evitava conversas. [...] Todos lhe davam prejuízo." (p. 58)
Certamente estamos diante de uma obra realista, não há dúvidas. Aqui o autor faz questão de mostrar o sertão nordestino tal como ele é. Com direito a sertanejos fugindo da seca e urubus rondando eles nos céus, só esperando eles definharem e morrerem. 

Agora, falando de personagens, de longe e sem medo de errar, a personagem mais interessante é a cachorra Baleia, porque ela simplesmente vive. Nós conhecemos as suas vontades, os seus desejos, e até nos identificamos com eles. Ela é simples. É uma personagem na qual o autor não sente a necessidade de incluir algum regionalismo ponto ela foge da premissa de usar nomes ou expressões regionais que tornam a narrativa cheia de lombadas.

Isso é um problema que vejo nos capítulos que funcionam como estudo de personagem. A necessidade da regionalização sem apresentação dela ao leitor, torna o texto desnecessariamente truncado. Me parece que o objetivo do autor não é deveras envolver o leitor, senão fazer uso de uma terminologia pouco explorada na literatura e dizer "Olha como seu diferentão". O que, se pararmos pra pensar, é bem o espírito do modernismo mesmo.

Some-se a isso que o livro quase não tem diálogos, isso torna a narrativa pesada. Não temos a oportunidade de desvendar os personagens por nós mesmos. Quando muito, conhecemos sua psiquê, mas sempre de fora. Além disso, somos sempre apresentados a uma sucessão de narrativas e descrições que englobam cenas e diálogos inteiros que poderiam ter sido explorados para dar lugar aos próprios personagens. 
Se pudesse economizar durante alguns meses, levantaria a cabeça. Forjara planos. Tolice, quem é do chão não se trepa. (p. 70)
Sei que deveria elogiar o livro por ser um marco da literatura brasileira. Mas a verdade é que ele é só muito chato. E não creio que a premissa do livro fosse ser legal mesmo, acho que ele foi feito para ser um estudo de literatura. Não nego a originalidade disso, mas pra mim o real valor está na exploração acadêmica do assunto, não no conteúdo em si.
(embora o capítulo sobre a cachorra Baleia me faça reconsiderar essa posição — não sei, quem sabe no futuro reconsidere tudo).

Enfim, concluo dizendo que está no meu currículo de leitor, mas não ficará na minha estante.

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