segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Resenha — Panton pia'

FIOROTTI, Devair; FLORES, Clemente. Panton pia': a história de Macunaima / Makunaimü Pantonü. Boa Vista: Wei, 2019.


Essa com certeza vai entrar pra lista de resenhas estranhas que eu faço. Não só porque este livro é bem diferente do que já li por aí, como também tem alguma carga emocional por ter sido escrito pelo finado Devair Fiorotti, homem que foi um marco para a arte roraimense.

Deixe-me começar pela edição, que é um primor. O livro não tem o tamanho tradicional de 14x21cm, mas sim 23x28cm. A princípio achei o tamanho exagerado, mas sinceramente acho que compensa. Porque as ilustrações internas ganham maior destaque e elas, em si, já são um espetáculo à parte. Além disso, imagino que o tamanho e as figuras possam ser bons atrativos para um público leitor infantil.

Não curti que a obra não tem numeração de páginas (que me quebrou as pernas na hora de fazer as citações rsrsrs), mas isso é de menos. A qualidade do livro é sensacional: gramatura excelente, capa bem trabalhada, design das páginas muito bem trabalhado valorizando as ilustrações. Talvez a fonte escolhida tenha sido um pouco metódica demais e não tenha visualmente a mesma pegada do resto do livro (mas a que ponto chega a frescura de alguém, né? Saudades do tempo que nem pensava nessas coisas).

Além disso, há algo de sensacional na obra: ela é bilíngue. Ao contar uma história do povo Taurepang, o autor teve a sensibilidade de que o registro não fique apenas no idioma português, mas no idioma pátrio daquele povo. Fantástico.

E já começando a falar um pouco sobre a obra, até agora ainda não entendi direito o que li. Foi um mito? Uma obra de ficção? Foi um trabalho acadêmico? Tudo isso se mistura demais nessa obra, porque foi justamente parte da pesquisa acadêmica feita pelo autor. Além disso, tenho certeza que há antropólogos e outros pesquisadores bem mais qualificados que eu pra dizer do que se trata de fato esta obra. Para mim, acho que, no fim das contas, este livro conta uma história.

A história é retratada como sendo de Makunaima. Mas na verdade durante o trajeto todo Makunaima está com seu irmão Xicö, que, por sinal, é o verdadeiro peralta e esperto da história. A narrativa inicia com os dois na infância e sua mãe, saindo de casa para ir atrás do pai que foi caçar. Porém, no meio do caminho são enganados, perdem a mãe e agora têm que seguir viagem sozinhos.
[...] tinha pé de patauá e pé de inajá bem perto assim como tá aqui, ao redor de nós, e outro também aí, do outro lado! Pé de najá, pé de patauá. O qu é que Macunaima fez? Vão subir lá. Volta a subir no pé de inajá. Ficaram lá. (p. ?, mais ou menos do meio pro fim da história)
É evidente que a estrutura da narrativa é muito distinta das que estamos acostumados a ver, especialmente porque se trata de uma cultura diferente, de toda uma construção linguística diferente. Então não há jornada do herói, tampouco fica explícita quais as necessidades ou objetivos dos personagens, há apenas uma série de acontecimentos que acompanhamos.

Perguntei-me acima se o livro era um mito, porque em vários momentos da história vemos ações dos personagens que levam o narrador a dizer coisas como "e é por isso que até hoje é assim". Além disso, pelo pouco que pude extrair dos personagens, tanto Makunaima quanto seu irmão são capazes de se transformar em diferentes animais para sair das mais diversas situações. Durante toda a narrativa, os dois se provam bem espertos, algumas vezes mesquinhos e em outras vingativos.

Entre os personagens, além dos irmãos, vale destacar: Dona Sapa, Onça, Cotia, Senhor Garça, e o meu favorito: o Quatipuru. É o meu favorito porque, gente, talvez eu seja apenas urbanizado demais... porém eu não fazia ideia que na Amazônia existiam esquilos! E creio que jamais saberia disse se não tivesse lido este livro!

Bom, no fim das contas, achei a narrativa incompleta. O próprio narrador, seu Clemente Flores, da Comunidade Sorocaima I, Terra Indígena São Marcos, admite que algumas coisas ele não se lembra direito e outras ele só está contando porque foi assim que contaram para ele. São os ossos do ofício da tradição oral. Fazer o que, né? Acho que Makunaima nunca terá sua verdadeira história revelada. Será para sempre um símbolo do enigma que é a cultura brasileira.

0 comentários:

Postar um comentário