terça-feira, 13 de setembro de 2022

Resenha – Da terra à lua

VERNE, Júlio. Da terra à lua. Jandira: Principis, 2020.


Faz uns bons anos que não visito Júlio Verne. Li 20 mil léguas submarinas na adolescência e lembro de ter ficado fascinado com o Capitão Nemo do filme A liga extraordinária. Depois dele lembro de ter lido também Viagem ao centro da terra, todos absurdamente fascinantes. 

Duas coisas me fizeram querer ler o livro que resenho agora: 1) Por ocasião de um aniversário, comprei Viagem ao centro da terra para dar de presente e – vejam só – a Amazon me sugeriu comprar Da terra à lua por meros R$7,90. Aí não tem leitor que aguente. 

2) Por que uma vez conversando com o Pr. Esli, da 4º Igreja Presbiteriana de Boa Vista, ele me falou como leu este livro na sua juventude e ficou impressionado pela praticidade dos personagens destacada neste trecho:
Ora, quando um americano tem uma ideia, procura logo outro americano com quem partilhá-la. Quando chegam a três, elegem um presidente e dois secretários. Se já são quatro, nomeiam um arquivista e a sociedade passa a funcionar. Cinco? Convocam uma assembleia geral e o clube está fundado. (p. 8)
Mas, calma. Essa resenha tá toda do avesso. Vamos por partes. Deixa eu voltar um pouco aqui e ir à resenha propriamente.

Tenho curtido cada vez mais essas edições paperback da Principis. Refiro-me a edições com papel de gramatura leve, o que deixa o livro mais barato, sem necessariamente perder a qualidade da diagramação ou até mesmo eventuais ilustrações. O livro não peca pela simplicidade, pelo contrário, considero louvável o trabalho bem produzido.

Por outro lado, creio que não possa dizer o mesmo da tradução no caso deste livro. Primeiro que ele escolheu traduzir umas notas de rodapé que, sinceramente, não eram necessárias. Some-se a isto que o próprio tradutor e até o editor resolveram acrescentar suas próprias notas. Ficou desnecessário ao quadrado. Sinceramente até que daria para perdoar, porque várias das notas constavam no original. Mas essa era apenas a ponta do iceberg.

Conquanto o trabalho da tradução tenha sido homogêneo no livro, garantindo uma boa inserção na história; por outro, as falhas que aparecem são exdrúxulas demais para passarem despercebidas. Em mais de uma ocasião o tradutor faz escolhas infelizes na hora de aportguesar termos. E nem nisso ele é constante, uma vez que o clube – que é simplesmente o clube onde nasce o âmago da história – ele opta por não traduzir: "Gun Club".

Porém o problema mais crasso foi a escolha de tradução do título de um capítulo. Na página 126 literalmente está escrito, em letras garrafais, no topo da página: "Uma meeting". Repito. O cara optou por (não) traduzir o título e deixou escrito lá: "Uma meeting". Eu: você tá de brinqueition com a minha cara, né?

Bom, tendo cuspido fora esses sapos, posso falar do texto e destacar algumas coisas que curti. Primeiro, claro, o cientificismo de Júlio Verne. É um absurdo de interessante como ele realmente buscou trazer fatos e abordagens científicas para suas obras de ficção. Muito interessante ver também como ele faz isso de modo genuíno, sem ficar muito cansativo ou pretensioso. Não é à toa, portanto, que Verne foi quase um profeta da tecnologia do futuro (lembrando que o texto é de 1865):
Iremos à lua, iremos aos planetas, iremos as estrelas como se vai hoje de Liverpool a Nova York, facilmente, rapidamente e segurança. [...] A distância é apenas uma palavra relativa e acabará por se reduzir a zero. (p. 129)
Neste livro o autor não disfarça sua quase veneração à engenhosidade humana e faz um claro e amplo aceno à vontade americana de querer e fazer acontecer. O que não significa, porém, que ele seja totalmente apaixonado pelo mundo ianque. 

Na verdade, essa obra de Verne tem uns tons irônicos e sagazes muito bem-humorados que eu não lembro de ter encontrado em outras obras dele (embora, como já disse, faz um bom, bom tempo, desde que li as outras obras dele). Nos trechos abaixo ele brinca com a paixão que os americanos têm por balas e armas:
Era uma legião de Anjos Exterminadores – de resto, tidos como as melhores pessoas do mundo. (p. 10)
Um belo dia, porém – dia triste, lamentável –, a paz foi assinada pelos sobreviventes da guerra. (p. 10)
E ficamos nesse meio termo entre a cutucada e a admiração, uma vez que foi justamente essa paixão bélica o motor que levou adiante a ideia mais maluca de todos os tempos: fazer um canhão gigante capaz de lançar uma bala até a lua e, assim, iniciar a conquista do espaço. 

(Não disse que essa resenha está toda do avesso? Só agora, já quase no final, é que eu me dignei a comentar qual é a história em si: membros do Gun Club, nos EUA, se reúnem e decidem que lançarão uma bala de canhão à lua. Como fazer isso? Quanto isso vai custar? Não importa, porque eles vão fazer.)

O livro começa num ritmo agradável e se mantém, até do que nada, PAM!, tudo fica muito interessante e intenso de repente. Quando os membros do Gun Club saem da teoria para a prática, a leitura nos eletriza. E embora haja alguma flutuação na dinâmica, os fatos novos que aparecem vão sempre nos prendendo e nos carregando até o final. Aliás. Não consigo deixar de citar isso. Que final emocionante. Confesso que senti um arrepio quando finalmente o grande evento acontece. 

Por fim, uma vez que estou nessa jornada de escritor, gostaria de destacar uma coisa sobre a estrutura do livro. É que, ao contrário de todos os manuais de escrita criativa que li até hoje, a história não é sobre personagens. 

Há, evidente, um personagem principal: Barbicane, o presidente do Gun Club. Mas não há jornada. Ele e os outros personagens são caricatos desde o começo (no sentido de que já tem suas personalidades formadas) e assim permanecem até o fim.

O mais impressionante: isso não prejudica a história! Nós continuamos animados e torcendo para que o trabalho daqueles homens dê certo! Nós nos importamos com eles, ficamos apreensivos com eles, nos alegramos com eles. E, repito, não há jornada do herói. Não há grande transformação interna. Há tão somente uma história bem contada.

Fica um aprendizado sobre o que deveras importa, e talvez nem seja tanto os moldes literários que os livros ensinam.

Concluo porque a resenha tem que acabar. E concluo dizendo que foi um livro muito bom de se ler e – descobri só depois que terminei – ele tem continuação. O jeito é catar pra ver o que acontece, porque, devo dizer, aquele final ninguém esperava. Não se encha de expectativa, mas, se puder, leia este livro.

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