sábado, 2 de junho de 2018

Resenha - Solar

McEWAN, Ian. Solar. Tradução de Jorio Dauster. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. 304p.


Existe um velho ditado (e eu acredito nele) que diz: "Nunca julgue um livro pela capa". Ok. Mas em nenhum momento o ditado diz: "Não leia a descrição do livro antes de lê-lo". Pois é, foi o que fiz. Eu peguei esse livro, olhei bem a capa e pensei: "Mas uma ficção científica, oba!". Mas não era. Nem de perto. 

"Solar" trata da história de Michael Beard, um cientista ganhador do prêmio nobel, e sua caminhada rumo a uma grande descoberta. O problema é que nessa caminhada ele tem que lidar com seu problema de adultério, a infidelidade das esposas, seus ciúmes, obesidade, fraudes, violência, preguiça, e por aí vai.

Pois é, o livro se categorizaria pra mim como "drama", muito embora não pareça tampouco um drama. E aí que está a sacada de McEwan: está mais para uma sátira. Não há necessariamente partes emocionantes, e você não se apega tanto a determinado personagem excessivamente. Não obstante, o leitor não consegue vencer a curiosidade em saber o que vai acontecer com Beard e, em mais de um momento, arregalar os olhos com o que acabou de acontecer.

O livro é dividido em três partes: "2000", "2005" e "2009", referentes a anos importantes na vida de Beard. Na primeira parte somos apresentados à persona dele. Achei a construção psicológica do personagem construída por McEwan altamente invejável: ele consegue descrever sua criação sem cair naquela psicologia quase excessiva de Dostoiévsky (muitas vezes). 

Nesta primeira parte já somos apresentados à infidelidade de Beard no casamento e as consequências disso para sua vida conjugal: a esposa passa a adotar o mesmo procedimento. Além disso, o lado cientista de Beard mostra que depois que ele ganhou o prêmio nobel, nunca mais fez nada, contando apenas com seu prestígio para conseguir uma posição de destaque num laboratório na Inglaterra. Aliás, a história toda se passa lá.

Esta seção termina com a morte de um pós-doutorando que trabalhava sob os cuidados de Beard e que estava tendo um caso com a esposa dele. A morte de Thomas Aldous, foi presenciada apenas por Beard e foi totalmente acidental. Beard, porém, monta a cena para incriminar o amante de sua esposa. Por incrível que pareça, ninguém descobre. Nem no final do livro. Isso é bom, porque evita que o leitor preveja o fim da trama.

Nas outras partes "2005" e "2009", há um decrescendo na intensidade do livro. A primeira parte é bem mais exuberante e engaja mais o leitor em diferentes acontecimentos. Nas outras duas, vemos lentos desenvolvimentos da história ao passo que exploramos mais profundamente a psique preguiçosa de Beard e seus relacionamentos pós-divórcio cada vez mais complicados. 

No fim de "2005", uma de suas amantes fica grávida. Em "2009", vemos Beard e seu portentoso projeto de energia solar: uma solução ao problema do aquecimento global. Sublinhei o termo porque esse é o foco da pesquisa científica de Beard e em vários momentos o tema é trazido à tona com certa profundidade, até. Penso que essa reflexão de McEwan foi a grande sátira que propôs ao livro. Um meio-termo entre o discurso científico e as vozes dissonantes sobre o tema. 

Ao final, Beard é vencido pelo conjunto de acontecimentos que vinha tentando ignorar desde o começo. Sua amante e a mãe de sua filha se encontram, seu projeto de energia solar é desmascarado como sendo de outrem e ao final ele sente uma pontada no coração: amor por sua filha ou um ataque cardíaco fulminante?

O livro termina nesse exato ponto, deixando o leitor em suspenso. Creio que o autor acertou nesse ponto. O desenrolar dessa confluência de acontecimentos não é tão importante como o fato de que a confluência aconteceu deveras. O livro é bem interessante, embora não tenha nada a ver com ficção científica, como eu cegamente expectei. Ao fim, recomendo sua leitura e acho que valeu a pena investir em "Solar".

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