domingo, 1 de janeiro de 2023

Crônicas que eu não deveria publicar — I

A sincera impressão que tenho de Manaus é que ela se tornou uma cidade onde as pessoas se acostumaram com o que é feio, sujo e desorganizado. A tal ponto que tudo é visto como normal, como se todo lugar fosse assim e não há razão para reclamar de Manaus, tendo em vista que todas as outas cidades são assim: ruas sujas e mal cuidadas, pinturas descascadas, fedor. Manaus é uma metrópole no meio da selva amazônica e, com isso, ganha todos os brindes da região Norte do Brasil: calor, mosquitos e chuva. Tudo que é preciso pra deixar uma cidade caótica ainda pior. 

Disto resulta em uma cidade onde viver de modo desordenado é comum. É comum que os carros simplesmente parem no meio do trânsito pra ver alguma coisa. É comum que os motoristas usem os semáforos apenas como sugestão, não obrigação. É comum que os pedestres tenham que implorar para passar na faixa de pedestres e que os carros parem como se estivessem fazendo um mero favor.

Sobre o trânsito, tenho uma hipótese sociológica a considerar, mas antes deixe-me falar sobre o trânsito.

Em Manaus todos são extremamente agressivos. Dar o pisca pra trocar de faixa ou dizer que vai dobrar é um costume que só os turistas têm; quem é de casa, faz questão de atrapalhar o outro. Se você der o pisca pra trocar de faixa, o carro ao lado vai acelerar pra você não conseguir fazer isso. Se você não andar colado no carro da frente, quem está do lado vai avançar e quase bater no seu carro, tudo pra ganhar aquela posição. Há um constante jogo de poder no trânsito manauara.

E daí minha hipótese sociológica: a agressividade no trânsito desta cidade se dá pela frustração coletiva que os condutores têm na sociedade em geral. Minha premissa é que os cidadãos deste local se sentem tão impotentes que na oportunidade que têm de exercer domínio (no trânsito, com carros), eles o fazem. Não porque precisam fazer isso, mas pela satisfação que encontram em passar de outra pessoa, de ganhar vantagem em cima de alguém que eles nem conhecem e provavelmente nunca tornarão a ver.

O condutor de Manaus está no meio de uma cidade feia, suja, caótica, e é no trânsito que ele encontram uma oportunidade para, pelo menos por uns meros segundos, sentir que está no controle de alguma coisa. São aqueles segundos de domínio e agressividade que fazem o manauara suportar sua própria cidade.

Seria isso verdade em todas as grandes cidades? Não sei. Já andei em outras grandes cidades e não encontrei o que encontrei aqui, pelo menos não em todas. Por outro lado, nunca dirigi em São Paulo. Seria isso uma característica das grandes cidades? Se sim, por que nem todas são assim? Se não, por que Manaus é assim? Seria essa uma questão estrutural ou pontual? É um evento local? Regional? Nacional?

Soma-se a isso a caboquice. Mas aí se torna já uma outra questão, porque a caboquice não é exclusiva de Manaus. Caboco é um dos pontos fortes dos interiores do Brasil e regiões como Norte e Nordeste. E, veja bem, não me refiro ao caboclo, mas sim ao caboco. Mas isso é assunto para outra crônica.

Por enquanto, fiquemos com isso: desordem e agressividade como ferramenta para encontrar o sentimento de ordem. Sentimento este que nunca se mantém, evidente, uma vez que não é assim que de fato se corrige as coisas e se muda a sociedade. 

Eu queria muito poder gostar de Manaus, mas infelizmente não dá. É ruim demais.



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