quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Resenha — Livro sem nome

PASSOS, Paulo Henrique. Livro sem nome. São Paulo: Patuá, 2023.


Da categoria "livros que decepcionam" e "Meu Deus, por que eu gastei dinheiro com isso", somado a "Poxa, o começo foi até bom" e "Engraçado que colocaram só o começo como amostra grátis". Enfim, a resenha. 

O livro conta a história de Layla, se é que podemos dizer que conta a história. Primeiro preciso reconhecer que o autor faz um excelente uso da técnica de revelar o personagem sem precisar sequer usá-lo. No começo, somos apresentados à Layla sem nunca ouvi-la falar ou agir, simplesmente vemos como as pessoas ao seu redor falam ou reagem a ela. Isso foi muito bem feito e foi o que capturou minha atenção. Porém, logo a gente vê que tem algo errado. 

No afã pós-modernista, onde não se conta uma história, mas insere-se o leitor numa "experiência", o livro vai perdendo a mão. Layla resolve parar de falar (porque sim), depois de ouvir, de ver, até ficar incomunicável e no fim do livro resolver falar. Tudo isso porque sim. Não tem nenhuma explicação maior, não tem mal uma exploração bem feita.

São vários os problemas do livro. Primeiro que vai ficando cada vez mais místico e sem sentido. De repente já não tem mais narrativa, é puro lirismo em prosa sem nem fingir. No fim tenta consertar, mas já é muito tarde.

Assim, eu até entendo que a ideia do autor era usar a estrutura do livro e fazer a história perder cada vez mais a sanidade porque é uma meta representação da personagem apresentada na primeira parte. O problema é que isso é uma quebra de contrato com o leitor. Não há transição, não dá nem tempo da gente se importar direito com a personagem, mal somos apresentados a ela. No fim, quando o livro volta ao contrato inicial, já nos sentimos traídos e que perdemos nosso tempo.

Justamente por causa dessa falta de trabalho com a personagem, o livro sofre com coerência também (coesão? Ou verossimilhança? Não sei ao certo a palavra). É que a personagem Layla, a muda por escolha, é tratada como se fosse uma espécie de grande guru no fim das contas. Como se o seu silêncio voluntário por toda a vida tivesse trazido a ela uma iluminação especial ("ela ouve o silêncio", coisa do tipo) e depois que ela resolveu falar, tudo que dizia era ouro.

Se o autor pelo menos nos convencesse de que há algo espetacular no que ela fala, algo no mínimo curioso, quem sabe poderíamos dar o braço a torcer e ignorar a loucura momentânea que o livro nos jogou. Mas nem isso. Somos forçados a acreditar que os personagens estavam maravilhados com o que Layla dizia, que jornalistas e milhares de pessoas ficaram atentas para ouvi-la falar.

No fim das contas, pareceu que eu tava lendo um livro escrito pelo Menino do Acre. E mal escrito ainda.

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Resenha — Meltdown

ROBERTSON, Edward W. Meltdown. Kindle Edition. 2013.


Achei que começou muito bem, mas depois ficou cansativo. Essa é uma continuação da série "Breakers" que já resenhei antes, então não vou explicar a premissa, mas vou direto ao ponto do que achei.

Como falei, o começo foi ótimo. O autor entendeu uma coisa muito valiosa: não é preciso reinventar a roda quando se vai escrever uma sequência. Se a primeira fórmula funcionou e é sólida, não há problema algum em usá-la de novo. Dito e feito, a estrutura imita o primeiro livro e dá gosto de ler igualzinho o outro.

Creio que na primeira parte do livro o autor trata a morte de um certo ente querido de modo muito superficial. A vida dos personagens continua como se nada tivesse acontecido. Vejo isso como uma falha grave de verossimilhança. Se tem uma coisa que pode mudar as pessoas, é a morte. Em outro ponto, o autor traz no personagem principal um defeito difícil de narrar: inércia. Ele tem dificuldade de agir, medo, preguiça. Em tese, esse problema é grande demais para usar em uma narrativa, porque impede a história de ir adiante. Mas devo dizer que o autor fez muito bem, forçando o personagem a agir, indo contra sua própria natureza

Ressalto que, mais uma vez, o autor acerta na transição da normalidade para o caos. Em muitas histórias de fim do mundo, tudo é muito abrupto, quase forçado; mas aqui soa muito natural (o que é ainda mais assustador). 

Quanto ao enredo, a princípio não estava muito animado em ver que a história vai só contar o mesmo do primeiro livro, mas sob outra ótica. Gosto de ter novos personagens, mas preferiria vê-los em novos eventos. Mas conforme fui lendo, mudei de ideia. A narrativa do cara é simplesmente boa demais. E o fato de que eu já sei o que vai acontecer (em certa medida), na verdade me traz uma nova camada narrativa: é que eu estou um passo à frente dos personagens, e fico curioso pra saber o que eles vão fazer frente aos acontecimentos.

A princípio, o autor mantém os acertos, mas também os erros do primeiro livro. Narração e diálogos excelentes, mas descrição complicada e confusa em alguns momentos (e momentos que julgo serem mais cruciais ainda por cima).

E pra mim foi no enredo que surgiram os problemas, porque eu acho que o autor mudou as regras do jogo do meio pro fim do livro. Se ele ia contar a mesma história do primeiro livro, beleza, eu compro a parada. Mas de repente ele continua a história sem considerar bem os eventos do primeiro livro, aí me perdeu.

Me perdeu porque mudou todo o teor da história. De repente não são mais humanos vs aliens, mas humanos vs humanos. Aquela velha ladainha de que os humanos são tão ruins que além do perigo externo, precisam lutar entre si. A premissa é ainda interessantezinha até, mas me perdeu. Não queria ler uma história de sobrevivência dessas, quando o próprio autor me propõe uma coisa diferente no começo.

Enfim, dei graças a Deus quando terminou. Deixaram um gancho no epílogo, trazendo de volta um personagem do primeiro livro, mas, honestamente, por enquanto não quero nem saber. Quem sabe no futuro eu termine essa trilogia. Por enquanto, fica lá na estante do Kindle mesmo e olhe lá.


Leituras concluídas — não-ficção

Não vou fazer resenha, só deixar marcados aqui uns livros que li nas últimas semanas, pela ordem.


TRIPP, Paul. Vocação perigosa. São Paulo: Cultura Cristã, 2014.


LOPES, Augustus Nicodemus; LOPES, Minka Schalkwijk. A Bíblia e sua família. São Paulo: Cultura Cristã, 2011.


ELLEN, Nicolas. Autoestima, autoimagem, amor-próprio: como substituir biblicamente a autoadoração pela autoavaliação. São Paulo: NUTRA Publicações, 2013.


WILSON, Douglas. Alegria no limite das forças: a inescrutável sabedoria de Eclesiastes. Brasília: Monergismo, 2015.


POWLISON, David. Vencendo a ansiedade: alívio para pessoas preocupadas. São José dos Campos: Fiel, 2021.


________________. Falando a verdade em amor. São Paulo: Cultura Cristã, 2011.


Breve comentário:
  • Bom: "Vocação Perigosa" do Paul Tripp
  • Ok/conteúdo básico se já tem alguma leitura:o do Nicodemus, os dois do Powlison e o sobre autoestima (este último quase bom)
  • Ruim: o do Wilson sobre Eclesiastes

terça-feira, 23 de setembro de 2025

Crônicas que eu não deveria publicar — 5

AMIGOS SE VÃO E AMIZADES DESAPARECEM — EU NÃO SABIA

Eu tinha um grupo de amigos que cultivei desde o Ensino Fundamental, gente com quem eu me encontrava todo dia, com quem eu compartilhava uma boa parte da minha vida. A escola passou, mas seguimos com nossa amizade. Tínhamos um grupo de WhatsApp onde nos falávamos todos os dias, compartilhávamos memes, discutíamos assuntos do dia a dia. Devagar isso acabou, e eu percebi só quando já era bem tarde.

Todo mundo diz que isso acontece, que as pessoas mudam, e que eu mudo também. Mas a verdade é que eu não vi isso acontecer. De repente era só eu mandando mensagem no grupo, de repente era só eu puxando os mesmos assuntos, enviando os mesmos memes... e ninguém respondia.

Nas raras vezes que nos encontrávamos presencialmente, percebia que os outros amigos não estavam tão distantes quanto eu. É que eles ainda se encontravam, ainda trocavam mensagens, desenvolveram outros círculos onde ainda estavam juntos, ou simplesmente conversavam entre si. Estranho pensar assim, mas a verdade é que fui devagar sendo deixado de lado. Não de propósito, claro. É que eles mudaram, mas mudaram juntos — e eu continuei o mesmo.

Nas fotos das redes sociais, eles aparecem juntos. Acho que minha presença talvez nunca tenha feito muita diferença na vida deles, acho que eu precisava deles mais do que eles precisavam de mim. E talvez tenha sido um erro meu dedicar tanto tempo e energia a essas amizades (embora parte de mim não acredite nisso, não creio que eu tenha feito nada de errado). 

De repente ficou muito evidente que eu estava a todo custo tentando manter vivo um círculo de amizades que já tinha seguido em frente. Eu fiquei pra trás, vendo-os no espelho retrovisor do carro à frente. Fiquei correndo atrás do carro de um jeito que ficou até feio, tentando forçar encontros onde ninguém aparecia, puxar conversa com quem não responde, enviar memes aos quais ninguém reage. Eles não fazem questão de mim, não posso querer que eles façam.

Acho que não tenho direito de culpar meus amigos por terem seguido em frente. Acho que não é com eles que estou chateado, mas comigo mesmo em não perceber, em acreditar cegamente que amizade é algo que você luta pra manter, que você cultiva. A intensidade é característica das Altas Habilidades, não posso exigir que os outros façam o que eu faço ou sejam como eu sou. Talvez, para alguns, o destino seja realmente ficar só. 

Bom, mas agora é seguir em frente, eu penso. Em vez de dar murro em ponta de faca, vou precisar cultivar novas amizades, encontrar outras pessoas com quem eu possa compartilhar minha vida. É triste ver amizades de 15 anos sumirem? Sim, é. Mas aparentemente amigos se vão e amizades desaparecem — eu só não sabia.



sábado, 6 de setembro de 2025

Crônicas que eu não deveria publicar — 4

DA VEZ QUE FIZ TESTE PARA AUTISMO, MAS O RESULTADO DEU OUTRA COISA

Tudo começou porque minha esposa adora ver as blogueiras do Instagram. E aí vem o algoritmo e o céu é o limite. Moda, dicas de culinária fitness, móveis, pintura, saúde mental. Neste último tópico, aparece de tudo um pouco também: ansiedade, depressão, TDAH, outros transtornos neurodivergentes como autismo... 


"Ei, espera aí..." ela pensa, enquanto assiste a um reel no Insta sobre autismo. "Meu marido tem várias dessas características! Ele não tem um bom trato social, anda na ponta dos pés em casa, tem uns comportamentos meio estranhos..."

Pronto. Depois disso, ela se convenceu de que eu era autista. Bastava eu fazer alguma coisa estranha em casa, ou falar alguma das minhas maluquices, lá vinha ela: "Autista!" ou então "Se bem que tu tem autismo, né?". Ela não falava para ofender, era só uma brincadeira. Mas eu estava convencido de que ela estava errada. "Eu não tenho autismo!", dizia. "Ah, tá", ela respondia, irônica.

Isso durou até o dia em que eu enchi o saco e me toquei que eu pago plano de saúde (e caro!). Pesquisei o que precisava e descobri uma excelente clínica aqui que se especializou em diagnósticos do espectro autista. Consegui um encaminhamento médico e fui bater lá na porta da neuropsicóloga. Agora a gente vai ver.


#Das consultas

Cheguei lá e já fui dizendo: "Doutora, eu estou aqui porque minha esposa acha que eu sou autista, e eu quero provar pra ela que eu não sou!". Ela sorriu e me fez várias perguntas. Sobre minha infância, se eu tinha dificuldades na escola, nas amizades, no trabalho... E a tudo eu respondia: "Pelo contrário". Sempre tive facilidade na escola, creio que faço amigos com facilidade, e de modo geral julgo ser eficiente no que me proponho a fazer, especialmente em relação às artes.

— Hum... interessante — ela diz, enquanto escreve algo na prancheta. — Gabriel, você já ouviu falar de Altas Habilidades ou Superdotação? 
— Ah... já... 
— Tudo bem. Nas próximas consultas vamos iniciar uns testes pra ver o que está acontecendo.

Durante o próximo mês e um pouco, voltei ao consultório várias vezes e fiz uma bateria de testes. Tinha de tudo um pouco. Tinha um que eram uns cubinhos e tinha que montar, outro era uma sequência de letras e números que tinha que decorar e repetir separadamente, e ainda alguns testes de personalidade. Uma desgraça. Eu chegava às 17h no consultório, depois de um dia inteiro de trabalho (em inglês!) e ainda tinha que fazer testes e testes.

Eis alguns dos testes que fiz: A) WASI - Escala Wechsler Abreviada de Inteligência para Adultos; B) WAIS-III - Escala de Inteligência Wechsler para Adultos; C) FDT - Teste dos cinco Dígitos; D) BDA- Bateria Diferencial de Atenção; E) SRS-2 – Escala de Responsividade Social adulto (autorrelato e heterorrelato); F) Teste Quociente Autism-Spectrum (AQ) Adultos; G) Escala de Avaliação de Ansiedade de Hamilton; H) Escala de Hamilton para Avaliação de Depressão; I) BFP – Bateria Fatorial da Personalidade; J) Inventário de Altas Habilidades e Superdotação para Adultos (Iahsa). Lista retirada direto do laudo que recebi.  



#Do resultado

Deu que eu sou retardado, mas ao contrário.

Primeiro que não deu autismo. Tive o privilégio de ser atendido por uma excelente profissional. Nas palavras dela "um único sintoma não é suficiente pra fechar um diagnóstico". Sei que é óbvio, mas hoje vivemos uma febre de laudos, de profissionais que nem se dão ao trabalho de fazer uma investigação adequada. Dr. Gabrielle Brito foi bem enfática em dizer isso — até porque, o resultado não é só pela observação, mas corroborado por todos os testes que fiz.

Autistas têm dificuldade em ler situações sociais de modo geral. Embora meu filtro social possa ser um pouco falho, não é suficiente pra explicar, especialmente porque tenho facilidade com relações sociais de modo geral. Mas se não é autismo, como explicar as características no mínimo peculiares que apresento?

É que, sim, sou neurodivergente. Meu cérebro interpreta a realidade de uma forma específica. Uma dessas formas é a hipersensibilidade. Eu ando na ponta dos pés porque o contato com o chão gelado me incomoda. Eu uso os dentes pra puxar a comida do garfo porque não gosto do toque do talher nos meus lábios. Costumo fazer e sentir coisas com intensidade, porque é assim que meu cérebro é.

Como já dei a entender, o resultado deu que tenho Altas Habilidades/Superdotação (o termo técnico é esse mesmo AH/SD). No caso, são Altas Habilidades Cognitivas e Criativas, Motivação e Determinação, bem como Habilidades Sociais e de Liderança. Cada pessoa com Altas Habilidades tem sua combinação de áreas, nem todo mundo é igual nesse sentido.

Não chego a ser um gênio. Detesto números que nos definem, mas um gênio tem um QI de 160 pra cima. O meu QI geral é de 127, enquanto meu QI verbal é de 138. A escala de QI engana um pouco, porque ela não é linear como intuitivamente se pensaria. Por exemplo, a média da população geral é de 100, então um QI de 127 ou 138 não parece muito distante da média. 

Mas aí quando você descobre que um chimpanzé tem um QI de 70, a coisa ganha outra proporção. A distância de um QI de 70 pra 100 é um abismo! Na hora eu não tive noção dessa diferença, por isso não acreditei quando a médica disse que um QI de 138 é maior que 99% da população na minha idade. Eu jurava que ela estava exagerando, mas aparentemente, neste quesito, esse QI é "extraordinário".


Aparentemente, minha velocidade de processamento, atenção geral, leitura e contagem também estão nessa categoria de 90 a 99% acima das pessoas na mesma faixa etária, bem como memória operacional e semântica. A única categoria em que estou na média geral da população é habilidade visuoconstrutiva (ou seja, sou ruim em coisas visuais, mas isso não é segredo pra ninguém).


#Tá, mas e daí?

Naturalmente, esta é a pergunta que se segue. Meus anos de formação já se foram. Eu já sou quem eu sou. Que diferença pode fazer esse diagnóstico?

A primeira coisa é que me ajuda a abraçar quem eu sou. Sim, eu sou meio louco, porque 99% das pessoas pensam diferente de mim. Isso não é um problema, como sempre pensei, é simplesmente quem eu fui feito para ser. Se minha força reside na criatividade, nas habilidades cognitivas relacionadas à linguagem, então é hora de fazer uso disso com toda a minha força. Esse é quem Deus me fez para ser.

Segundo, preciso entender minhas limitações e trabalhar nelas. Porque a velocidade de raciocínio é mais rápida que a maioria das pessoas, tendo a tratá-las com impaciência, como se elas tivessem a obrigação de ter chegado à mesma conclusão que eu, na mesma hora que eu. Acontece que sou neurodivergente, meu cérebro processa a realidade de modo diferente. Preciso aprender a respeitar o tempo dos outros, lembrando que o valor de um ser humano não está ligado à inteligência ou à velocidade cognitiva dele. O ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus, e merece respeito como tal. 

Terceiro, preciso estar ciente de todas as defesas psicológicas erradas que construí durante a vida. Como sempre fui diferente, passei a depender menos dos outros e cada vez mais de mim mesmo, criando a ilusão de que eu era autossuficiente. Acontece que ninguém é, e não fomos criados para ser. Além disso, minha busca por "iguais" ou "pares" sempre me deixou frustrado. Eu nunca encontrei ninguém igual a mim. Isso é pedir muito? Aparentemente, é sim. Tem 1% de chance de eu conseguir isso. Em vez de me render à solidão, tenho que aprender a amar e viver bem com as pessoas que estão ao meu redor, mesmo se elas forem muito diferentes de mim, começar a entender que as coisas não são só "sobre mim". 

Por fim, penso que o diagnóstico me abre os olhos para que eu possa ajudar outros. Quem sabe quantos outros com Altas Habilidades estão escondidos por aí? São de 3-5% da população, mas estão aí. Mesmo eu não tendo esse diagnóstico nos anos de formação, consigo ver que Deus ainda me permitiu fazer muita coisa. O diagnóstico não define, mas ajuda. Imagine o potencial que uma criança com Altas Habilidades pode ter. 


Categorizei esse texto como uma "crônica que eu não deveria publicar" porque entendo que a linha entre a arrogância e a autoconfiança é muito tênue. Não quero flertar com essa linha. Consigo ver que na minha infância e adolescência eu era extremamente arrogante e soberbo. Sob essa perspectiva, não foram tempos bons, e eu não quero voltar a eles. Esse diagnóstico é para me ajudar a ser uma bênção e ajudar outras pessoas, é isso. Que não passe disso. 

Deus, me ajuda a ser quem o Senhor me criou para ser: imagem de Cristo para brilhar a tua luz na vida de outras pessoas por meio de quem eu sou. Da criatividade, da loucura, da beleza da Tua glória refletida em mim. Soli Deo Gloria.

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Crônicas do cotidiano — XVI

DESVIO DE SEPTO

Dessa vez coisa mais simples. Apaguei tão forte que não lembro de quase nada, só me contaram as histórias depois. Eu acordando grogue e perguntando da enfermeira:

— Onde eu tô?
— Na sala de espera.
— Teve alguma intercorrência?
— Não, tudo normal.
— Meu nariz ainda tá bom?

Ela ri. Me puxam na maca por corredores que eu não consigo discernir, são só luzes e paredes brancas. Me colocam no elevador, minha esposa nos acompanha. Disseram que eu fiquei perguntando toda hora "como posso ajudar? Tem alguma recomendação?"

Chego no quarto e eles posicionam a maca do lado da cama. Não consigo entender bem, mas estão tentando me carregar. Ouço vozes.

— Assim não vai dar, tem que vir pelo outro lado, ele é muito pesado.
— Ei... — respondi, ainda grogue. — Estão me chamando de gordo!

Eles riem, me colocam em outra posição. Meio louco como estou, consigo sentir quatro pessoas agarrando lençol debaixo de mim e contando "1, 2, 3!". Eles me levantam e me arrastam para a cama, tudo de uma vez só. Eu disse:

— Eita, vocês são fortes!

Todos eles riem.

No mais, nada demais. Recuperação simples, um pós-operatório surpreendemente sem dor, só o desconforto do congestionamento nasal. Fica aqui meu agradecimento ao Dr Antenor Rodrigues e ao pessoal do Hospital Família Lotty Íris pelo atendimento ímpar! Da tia da limpeza, às enfermeiras, às nutricionistas, às psicólogas e assistentes sociais, ao pessoal da administração, todos extremamente solícitos, educados e procurando facilitar a nossa vida. Nos viam como pessoas antes de pacientes, muito obrigado mesmo.


segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Resenha — Breakers

ROBERTSON, Edward W. Breakers. Kindle Edition. 2013.


Mais um da categoria "achei de graça na Amazon" que se tornou um verdadeiro achado! Uma leitura que me segurou do começo ao fim, personagens muito interessantes, um enredo bem realista para o que se propõe. Enfim, vamos à resenha.

A história é a seguinte: era um dia normal. Em Nova York, Walt se perguntava se a namorada o deixaria de fato ou não; na Califórnia, Raymond e Mia se viravam nos 30 pra tentar pagar as contas e sobreviver em meio às dificuldades da vida. Até que um dia um vírus mortal mata quase toda a humanidade. E então os responsáveis aparecem para terminar a matança.

Trata-se, portanto, de um livro pós-apocalíptico em que a humanidade precisa sobreviver, lutando não apenas contra a natureza, mas contra a própria habilidade inata do ser humano de fazer o mal.
He didn't know when the last semblance of law had left the city, but he guessed it had been right around the same time they started stuffing the subway tunnels full of corpses. (p. 111)
No começo não botei muita fé na escolha narrativa de dois núcleos. Ou seja, em um capítulo acompanhamos a história de Walt em Nova York; no outro, a de Ray e Mia. Achei que isso se tornaria cansativo, mas foi o contrário: ficamos sempre alertas, porque o autor sabe deixar a gente com uma pulga atrás da orelha toda vez que um capítulo termina.

Pensando nos três pilares da escrita, tais como delineados por Stephen King, como já adiantei, penso que a narrativa é muito boa, embora eu creia que ele tenha falhado algumas vezes na questão da verossimilhança de alguns personagens. De qualquer forma, o autor sabe segurar nossa atenção, a leitura é bem fluida e os fatos narrados são interessantes, dá vontade de saber o que pode vir a acontecer depois. Inclusive, de certa forma, eu diria que o livro é até bem realista. 
All the dozens of sci-fi books and movies he'd absorbed over the years [...] and the best he could do was rip off one of the most widely-mocked solutions in the history of the apocalypse. (p. 305)
O segundo pilar, descrição, creio que é o ponto mais fraco do autor, em certa medida. Se por um lado ele faz excelente uso dos sentidos para nos fazer entrar na pele dos personagens; por outro, suas descrições de objetos e lugares deixam bastante a desejar. Num livro de ficção, se a descrição dessas coisas não for bem feita, o leitor fica perdido (coisa que aconteceu comigo, pelo menos na parte final). 

Em contraste, o autor se destaca no terceiro pilar, diálogo. São exímios, os personagens realmente soam como pessoas reais. Em certo ponto da história, uma pessoa foi resgatada e reclamou com seu resgatador: "Can't you steal a car?" (p. 232). O absurdo dessa pergunta na situação em que eles estavam é realmente uma bela demonstração da verossimilhança (ainda mais porque são estadunidenses). 

Quanto aos temas, creio que o autor é muito bom em ressaltar a resiliência humana, a vontade instintiva das pessoas de sobreviver, de explorar, de conhecer... e de ser feliz. Achei muito interessante ver como, mesmo diante do fim do mundo, as pessoas têm esperança e buscam aquilo que as ajuda a de fato viver. 
That was what life was about. Building times so good they felt like forever. (p. 278)
Enfim, mal consegui acreditar que encontrei esse livro de graça. E não só isso. Este é apenas o livro 1 de uma trilogia. Via de regra, não gosto de trilogias. Todo mundo quer ser o próximo Tolkien, e, claro, praticamente ninguém é. Desta vez, porém, preciso dar uma chance. É que eu preciso saber o que vai acontecer. Que livro!