quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Resenha – O ladrão honesto e outros contos

DOSTOIÉVSKI, Fiodor. O ladrão honesto e outros contos. São Paulo: Hedra, 2013.


Eu declaro o ano de 2021 como o ano de Dostoiévski. 

Dramático, né? kkkkkk. Acontece que depois de 2020, não há mais nenhuma obra de Érico Veríssimo para eu ler. Me peguei sem norte, sem rumo. Descobri que preciso colecionar boas leituras. Foi então que lembrei desse russo do século XIX e de todas as coisas que já li dele (até que não foram tão poucas). E vi que ele também gosta da temática social, não tem medo de falar a verdade e descrever as entranhas da sociedade ou de seus personagens. E aí pensei: por que não?

Eu acho que todo mundo que fala de Dostoiévski fala a mesma coisa: psicologia profunda, personagens doentes, problemas sociais numa Rússia decadente. E o pior é que aqui não é diferente. Um detalhe deste livro, porém, é que ele contém contos do autor (em vez dos longos romances que marcam sua obra).

Estes contos foram escritos no começo da sua carreira, entre 1846 até sua prisão em 1849. Mas já aqui vemos traços da obra que vão marcar todo o seu estilo. Aliás, em um dos contos deste livro, O ladrão honesto, encontramos o arquétipo do homem doente que – segundo os especialistas – foi o protótipo de todos os outros que se seguiram.

A primeira vez que li literatura russa, o que mais me chamou a atenção foi ver que a linguagem é usada de um modo estranhamente intrincado, mas interessante ao mesmo tempo. É um mergulho gradual nas situações, revelando atitudes de um modo profundo, não sei explicar. Talvez depois de ler mais eu o compreenda melhor. Mas sempre tive essa impressão de Dostoiévski (e agora me pergunto se não vi algo parecido em Gogol ou é coisa da minha cabeça).

Quanto ao conteúdo dos contos, sinceramente acho que não vale a pena debruçar-nos sobre eles de um por um. Mas gostaria de trazer um trecho do conto O pequeno herói, conto este escrito em 1849 quando Dostoiévski já estava na prisão (segundo ele mesmo, este conto foi um alento para suportar aquele lugar):
De repente meu peito hesitou, doeu como se algo perfurasse, e lágrimas, doces lágrimas jorraram de meus olhos. Cobriu o rosto com as mãos e, tremendo todo, como uma plantinha, entreguei-me livremente ao primeiro reconhecimento e revelação de meu coração, à primeira intuição, ainda confusa, de minha natureza... Minha primeira infância terminou nesse momento... (p. 101)
Veja como Dostoiévski caminha no limite entre o romantismo poético e o realismo fisiológico que seria a grande marca da sua obra. Este limiar entre poesia e prosa é visível em vários outros momentos da sua obra e é o tipo de coisa que dá gosto de ler.

Mais uma vez os melhores contos falam de personagens doentes. Agora é interessante notar que a doença que não começa no físico, mas na alma. E os personagens tem a maldade na alma. Não é que façam maldade, não. O autor refere-se ao mal que é intrínseco à natureza humana, que os corrompe devagar, até o ponto que transborda e afeta todo o seu corpo:
O caso era que Vássia não cumprirá seu trabalho, sentia-se culpado diante de si mesmo, sentia-se grato diante do destino, estava esmagado e abalado pela felicidade e se considerava indigno dela [...] (p. 146)
Quanto a esta edição, pra finalizar. Achei extremamente agradável e de bom gosto o trabalho da Hedra em fazer esta coletânea no formato pocket book. A tradução é boa, fluida. Apesar dos parágrafos longos (e aí a culpa é de Dostoiévski mesmo), não é cansativo ler e se debruçar sobre as narrativas.

O único problema que encontrei aqui foi algo que caracterizei como um problema na diagramação (veja foto ao lado). Note como a palavra "Emeliánuchka" passa da margem estabelecida pelo editor de textos. Será que foi uma boa escolha do diagramador? Eu entendo que não. Melhor teria sido hifenizar o termo e gerado mais uma linha mesmo, porque do jeito que ficou chama a atenção demais e faz o erro saltar aos olhos do leitor.

Fora este detalhe (porque é realmente um detalhe velho besta), a edição é linda maravilhosa, a leitura é super agradável e as histórias são boas e dignas do velho Dostoiévski. Leitura recomendada demais e um ótimo jeito de iniciar 2021. Vamos ver o que mais este cabra tem reservado.

3 comentários:

Unknown disse...

Gosto de ler tudo de Dostoievski, pela época ele era bem moderno

Vanessa.Ramires disse...

Reconheço minha douta ignorância. Iniciarei minha leitura hoje. Autor muito recomendado.

Gabriel Alencar disse...

Muito obrigado pelo comentário, Vanessa! Espero que goste da leitura!

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