sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Resenha - Se um viajante numa noite de inverno

CALVINO, Ítalo. Se um viajante numa noite de inverno. São Paulo: Círculo do Livro, 1979.


Ah, meu povo, aqui estou eu de volta. Os moderninhos-contemporâneos que me perdoem. Mas que livro chato do caramba. Putz grila. Esses é daqueles que eu fico com raiva de ter perdido meu tempo lendo, porque ele é mais uma afirmação teórico-artística do que um livro em si. Soubesse disso, teria sugerido ao autor que escrevesse um artigo científico e não tivesse me feito gastar dinheiro com essa bobagem que ele chama de livro. Já deu pra ver que não gostei, né? Vamos à resenha.

O livro começa de um jeito muito legal. Foi o que me enganou e fez eu adquirir essa obra. Começa com o autor falando direto com o leitor, numa quebra da quarta parede que não é uma mera anedota, mas parte essencial da obra.

Porém, no começo o autor quer ser tão diferentão com sua abordagem metalinguística que fica constantemente voltando a isso em vez de se concentrar em contar a história direito. Aí sabe o que acontece? A leitura é uma maratona! A gente tem que ficar constantemente atento aos lapsos de história que o autor se digna a contar. Aff. Extremamente cansativo. Não leio livros pra isso.

O que me dói é ter que aguentar trechos como esse:
"Ou talvez o autor ainda esteja indeciso, como de resto você mesmo, Leitor, não está certo do que mais lhe agradaria ler" (p. 16-17)
Ahh, mas eu sei eu que me agradaria ler sim. O que eu sugiro é que o escritor primeiro se decida e depois coloque no papel aquilo que eu quero ler: um livro, não divagações. E eu sinceramente gostaria que o autor descesse um pouco do pedestal em que ele se coloca na sua relação com o leitor: 
"Você já leu umas trinta páginas, e a história já começa a apaixoná-lo." (p. 27). 
É um festival de presunções que não cansa de me surpreender.

A melhor maneira (pra não dizer a única) de ler esse livro pra aguentar até o final é considerar cada capítulo como um conto. Embora o autor insista em chamar de romance, se você olhar para o livro como uma antologia, fica uma leitura bem mais passável (porque dizer "agradável" seria exagero).

A estrutura do livro é na verdade um apanhado de várias histórias. Começa com uma, mas logo no próximo capítulo torna-se outra totalmente diferente, como se fosse parte de outro livro. A grande ideia é realmente criar um labirinto de tramas que não se conectam, mas funcionam como diferentes inícios de romances. 

A única história realmente cativante é a do Leitor com a Leitora, que é uma meta-história de um leitor que comprou o livro que eu estou lendo. Esta história acaba sendo o único alívio e o fio condutor de todo o livro (ainda que bem tênue). E há uma razão de ser para ela ser cativante: é que ela é a única bem espaçada.

Quero dizer, enquanto as outras histórias têm continuações em capítulos alternados, elas estão longe demais uma da outra para que nós consigamos captar com facilidade o fio da meada e dar continuidade de modo agradável à leitura.

Essa ideia do autor de inserir diferentes histórias foi até interessante, mas na prática não dá certo. Porque quando a gente lê, a gente investe nosso tempo e intelecto naquilo. Então é muito triste ver-se investido em algo pra, no meio do caminho, sermos puxados para outro lugar, sem termos a oportunidade de nos darmos por satisfeito antes. Esta abordagem feita com parcimônia é até boa, mas não foi o caso aqui.

Ah, e de vez em quando o autor cai num lirismo em prosa. Oh boy. Novamente, é o que tenho dito. Isto feito com moderação poderia ser bom (bolas!, Érico Veríssimo faz isso direto). Mas depois de certo ponto a gente já está cansado demais da leitura pra aguentar trechos como:
"Não acredito ademais que uma tentativa de descrever meu estado de espírito seria satisfeito por uma metáfora, por exemplo, a dilaceração ardente que uma flecha causa ao penetrar na carne nua do meu flanco;" (p. 127)
Quando eu leio trechos como esse, meu pensamento é: "Pra quê eu vou me investir emocional e intelectualmente nessa história, se eu sei que daqui a pouco ele vai ignorar ela e dar continuidade à história do Leitor e da Leitora – que é a que realmente me interessa?"

Acima eu disse que o único jeito de aguentar o livro é encarando-o como um livro de contos. Mas pra falar a verdade, nem isso é suficiente. Porque até num livro de contos há um estilo ou temática que envolve todos os textos daquela antologia (pelo menos assim o é nas boas antologias). E isto não acontece aqui. Talvez na tentativa de mostrar sua erudição o autor envereda por diferentes estilos e temas, mas fica tudo muito solto e, repito, cansativo.

O último capítulo acho que foi o mais interessante, mas não no sentido de narrativa, e sim numa espécie de ensaio sobre o ato de ler e a relação livro-leitor. Como disse, os diálogos do capítulo são pobres e a trama praticamente insignificante, porque fica evidente que o que importa são as reflexões que o autor faz sobre estes temas que citei.

Que o autor domina o que está fazendo é evidente e, neste ponto, devo concordar que o livro é bem trabalhado, porque o autor atinge aquilo que pensou em fazer: uma bagunça literária pra atacar a ideia do próprio livro como romance e sua construção/arquitetura. Conseguiste, Calvino, ficou uma bagunça.

A verdade é que talvez a arte contemporânea não seja pra mim. E graças a Deus por isso! Porque não consigo separar este estilo de uma abordagem elitista da arte. E não tem nada que eu deteste mais que isso. A arte deve ser para todos. Ela não precisa se rebaixar ao gosto da massa, evidente, senão descamba nas porcarias que também vemos por aí. 

Porém essa tentativa desesperada de apontar para si mesma e mostrar-se como "elevada" me dá engulhos. A boa arte é aquela que enriquece tanto aquele que tem doutorado como o analfabeto. Por mais que eu compreenda intelectualmente as opções que o autor fez com este livro, não tenho medo de dizer que, enquanto abordagem literário-acadêmica, é excelente; porém enquanto arte, limitada a alguns círculos que valorizam esse tipo de baboseira.

Talvez minha amargura tenha tomado o melhor de mim, porque não é justo dizer que isto não é arte. Eu sei que é. Mas é uma arte que eu sou incapaz de apreciar de modo adequado. Porque pra apreciar isso, ele toma o que é mais precioso para mim: meu tempo. Em vez de buscar sentidos mais profundos que só a literatura pode carregar, o autor usa a literatura para apontar para si mesma. 

Sinto muito, pra mim arte verdadeira não funciona assim. A arte é um meio, não um fim.

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