quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Resenha - Breve história da literatura brasileira

VERÍSSIMO, Érico. Breve história da literatura brasileira. São Paulo: Globo, 1996.


"Para infelicidade dos ensaístas e felicidade dos romancistas, os fatos da vida, como os caprichos da alma, recusam-se a ser rigidamente arquivados e rotulados." (p. 15)
E assim já fica claro que este não é um mero livro acadêmico. É, meu povo, Érico Veríssimo sendo Érico Veríssimo. Este foi o único livro que ele escreveu em outro idioma (inglês), porque na verdade trata-se de uma coletânea de palestras que ele deu quando morava nos EUA (1943). Organizado o material, tornou-se este compêndio bem interessante sobre a nossa literatura.

É a primeira vez que leio um livro de história da arte (seja da literatura, da música, etc) que tem sabor. Não me peçam pra explicar, mas é exatamente isso. Dá gosto de ler, porque não se enumeram as coisas, tampouco se mencionam, mas se mostram de um jeito único que só Érico Veríssimo mesmo pra conseguir fazer.

Na verdade não é bem uma história da literatura brasileira. Está mais para uma história do Brasil, pincelando aí seus reflexos na literatura do país. É preciso lembrar a plateia para quem estes textos foram escritos originalmente: estudantes norte-americanos e de outras partes do mundo para quem o Brasil limitava-se a Rio de Janeiro, matas e cobras.

É estranho ver como ele apresenta a história, entretanto. Porque ao mesmo tempo em que ele se diz um realista, alguém que quer mostrar a sociedade do jeito que ela realmente é e talz, não dá pra negar que tudo que ele fala tem traços de um romantismo muito forte. E acho que essa é a grande beleza do que ele escreve, porque o brasileiro é assim. Ora somos terrivelmente frios e duros com a realidade ao nosso redor, ora nos pegamos (feito bestas) a sonhar com um Brasil melhor.

Outra curiosidade legal sobre este livro. É o único da série que tem fotos do autor. Fiquei muito contente em ver o estimado mestre nessas fotos de época. Isto se deu porque, enquanto a autoria é mesmo de Érico Veríssimo, a tradução é de Marta da Glória Bordini, que deu alguns retoques nesta edição.


Veríssimo não tem pena de falar aquilo que todos nós pensamos quando estudamos literatura brasileira: que os textos dos escritores antigos (do século XIX pra trás) eram chatos pra caramba! Graças a Deus houve uma voz sincera pra falar isso. 
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"Se vocês me perguntam se os escritores brasileiros das duas primeiras décadas do século XIX eram excepcionais, responderei que eram aproveitáveis." (p. 47)
Como era natural de todos que viveram no eixo sul-sudeste do Brasil (céus! É assim até hoje), a Amazônia ou o Norte de modo geral nas abordagens de Veríssimo limita-se a exemplos anedóticos e estereotipada. Mas, em sua defesa, é bem verdade que o Norte só foi produzir grandes escritores (ou pelo menos torná-los conhecidos) já em meados do século XX. 
"O Amazonas é uma espécie de úmido inferno Verde repleto de surpresas, prodígios e terrores." (p. 142)
Ele usa o argumento da intransponibilidade da floresta para explicar a falta de literatura amazônica. Mas é preciso lembrar que esta era a visão geral do Brasil daquela época. Se pensarmos em Villa-Lobos, por exemplo, que foi um grande marco na nossa arte e um importante representante do Brasil mundo afora, este era também o seu exato pensamento! Coisa que ele deixou claro em várias ocasiões.

Érico Veríssimo dá grande importância para Aluísio de Azevedo como um dos primeiros escritores brasileiros a retratar a sociedade como ela realmente é, em vez de perder-se em romantismos ou idealismos que tanto caracterizaram os estilos precedentes.

É engraçado que Veríssimo chama a si mesmo de "poeta frustrado" não apenas na sua biografia mas em vários outros livros. Frustrado ou não, a verdade é que ele era um grande admirador da poesia, fato este que é corroborado pelo tanto de tempo que ele gasta neste livro dando conta de diferentes poetas. Claro, muitos deles bem importantes pra nossa literatura; porém nem na escola eu ouvi falar desses caras com tanta paixão como este homem os retratou.

Ele avalia que a enquanto a Primeira Guerra foi um marco pra toda uma geração de poetas e ficcionistas europeus e americanos, para o Brasil não representou quase nenhum impacto pois, o país participou da guerra apenas pelos jornais.

Admiro a coragem de Érico Veríssimo em arriscar falar da literatura brasileira contemporânea (a ele, claro). É muito difícil avaliar com clareza quem são os grandes autores de uma época estando nela. Mas o esforço é admirável. Ele fala de Monteiro Lobato com especial carinho. Penso que se reconhecia nele de certa forma. Ele também fala repetidas vezes dos Andrade (Mario e Oswald). Interessante notar que o autor não menciona apenas autores de literatura, não sei se por estar proferindo essas palestras num contexto acadêmico. Mas ele cita nomes como Gilberto Freyre, Afonso Arinos e Sérgio Buarque de Holanda.

Ah! Mas uma coisa que impressiona é como ele realmente conhece os autores de seu tempo! Tudo bem que era outra época, onde era mais fácil encontrar os autores, uma vez que o livro ainda era uma das principais fontes de conhecimento (senão a principal). Além disso, vale lembrar que a década de 1920 não foi uma década qualquer para a arte brasileira como um todo.

Novamente me deparo com o teste do tempo e vejo que foram poucos os autores que sobreviveram. Na verdade, começo a desconfiar que Érico só estava fazendo a camaradagem de tentar citar o máximo de escritores vivos que conhecia, tanto pra preencher a palestra como pra prestigiar os colegas (não sei se por bondade mesmo ou para fins "diplomáticos").

Na avaliação de Veríssimo, a década de 1930 foi a década da "maturidade literária" do Brasil, em que os autores conseguiram se desvencilhar dos fantasmas da Europa (séc XIX) e também domar o leão da Arte Moderna (pensando na semana de 1922).
"Acho que o grande mural do Brasil está sendo pintado hoje, não por um único artista, mas por um grande número deles." (p. 141).
Fiquei triste que ele não cita ele mesmo nesse apanhado histórico, fiquei curioso em ver como citaria suas obras. Por outro lado, aponta para sua humildade e eu posso ficar tranquilo porque anos mais tarde ele escreveria sua autobiografia.

Por fim, teve só mais um detalhe que achei bem legal. Como o livro é de história, eu não poderia deixar de registrar aqui alguns achados arqueológicos que encontrei neste livro. Veja por si mesmo, não falarei mais nada. Deixarei que as gerações futuras tentem decifrar para que servia isto bem aqui:


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