segunda-feira, 11 de abril de 2022

Resenha — Madame Bovary

FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. Jandira: Principis, 2020.


Inegável grata surpresa quando a gente pega um livro pra ler e se deixa levar por ele. Por outro lado, é certo que Madame Bovary não é um livro desconhecido do mundo; mas, para mim, era. Só tinha ouvido falar do título, sequer conhecia o autor. Por isso, foi realmente uma boa surpresa ter este livro em mãos.

A edição é o que tem se convencionado ser o estilo "paperback brasileiro", com as dimensões tradicionais de 21x14,5 e com acabamento interno bem simples. A gente percebe que a gramatura das páginas não é das melhores, mas isso não impede uma boa leitura, uma vez que a editoração foi bem feita. É aquela história: não precisa ser chique, só precisa ser bem feito. E acho que a editora Principis acertou em cheio com essa edição. O BBB que o Brasil ama de verdade: bom, bonito e barato.

Quanto à tradução, em mais de um momento me peguei numa relação de amor e ódio com o tradutor. Se por um lado achei fantástico que ele traduzisse maneirismos e coloquialismos de modo bem escrachado, por outro acho um saco ter que procurar um dicionário pra encontrar o significado de uma palavra que poderia muito bem ter sido traduzida por um termo contemporâneo sem que nada do significado fosse perdido. Talvez encontrar o meio termo seja a solução afinal.

Achei a construção do texto interessante. A narrativa tem algo curioso: está num equilíbrio interessante entre o descrever e narrar demais. Vale notar, mais uma vez, a quebra da máxima de show, don't tell. Não é nem o primeiro nem o segundo clássico em que vejo autores quebrando descaradamente essa regra e... tudo dando certo! Talvez não seja uma máxima tão máxima assim.

Em mais de um momento, porém, senti que havia descrições demais e uma narração sem fim. Mas, por outro lado, depois de ler alguns trechos que julgava totalmente supérfluos, pairava sobre mim aquela sensação de que havia algo ali, embaixo da superfície, que talvez eu apenas não estivesse vendo a princípio. Quase, apenas quase, cedi ao impulso de analisar melhor e descobrir intenções e símbolos do autor. Porém, considerando o trabalho próprio à análise, pensei: "meh".

Porém, devo tirar o chapéu pra alguns destes momentos que serviram para criar simbolismos sensacionais (estes foram os que eu consegui ver). Cito apenas esse, que ocorre logo após o encontro de Emma com um dos seus aspirantes: 
"Ela não sabia que, no terraço das casas, a chuva forma lagos quando as calhas estão entupidas, e se manteve assim segurança, quando de repente descobriu uma rachadura na parede." (p. 112)
O simbolismo acima está diretamente ligado com a trama. Encontramos um jovem chamado Charles Bovary, um médico sem ambição, sem espinhaço, um autêntico bunda mole. Ele se casa com a sonhadora Emma (que se torna, então, a Madame Bovary). Uma jovem realmente tenra, amante da leitura, dos romances, dos versos e das artes. O que nós vemos na história, é a sua contínua decadência em casos amorosos e perversão moral. 

No começo temos a visão de um casamento feliz, que mostra felicidade das coisas pequenas do dia a dia. Mas não tarda até que ela se entedie e busque outras aventuras. O verdadeiro problema de Emma é que ela se viciou no thrill da novidade, da descoberta. E tudo isso sempre dura muito pouco, até que chega o ponto em que ela precisa de algo novo, de algo que desperte nela aquelas sensações de novo. E, conforme ela avança, o mesmo já não é suficiente, ela acaba precisando de algo mais – e esse "mais", ela só encontra conforme se afunda, afunda, afunda.

Ela foi egoísta do começo ao fim. Prezava pelo seu próprio bem-estar, não se preocupando com as consequências que seus atos trariam a outros. E o que vemos, de modo muito bem trabalhado pelo realismo do autor, é justamente as consequências que sobrevêm sobre aqueles que estão tão perto do conflito e, ao mesmo tempo, tão ignorados (refiro-me aqui à sua filha).

Madame Bovary findou controladora, tornou-se ela própria a condutora de um relacionamento abusivo (coisa que, infelizmente, aprendera com outro). E conforme a loucura se instalava, restou-lhe apenas descer a níveis cada vez mais absurdos. No fundo, ela nunca aprendeu que o amor não apenas nasce, se constrói.

Emma criou um ideal inalcançável (e assim não são todos os ideias?). Como resultado, ela conseguia apenas alcançar o vislumbre deles. Quando o vislumbre findava e ela via que seu ideal não era o que ela realmente tinha em mãos, desgostava-se da vida. Meu Deus! Será que as vezes eu vivo descontente porque faço exatamente a mesma coisa? 

E é justamente por causa desse tipo de reflexão que posso concluir dizendo que o livro vale muito à pena. Já disse isso em mais de uma ocasião e vale repetir: clássicos não são clássicos à toa. Perto do final o livro ganha um ritmo alucinante e não realmente não dá pra desgrudar da leitura. Não tem como, livro super recomendado.

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