segunda-feira, 25 de julho de 2022

Resenha – Os testamentos

ATWOOD, Margaret. Os testamentos. Rio de Janeiro: Rocco, 2019.


Então, olha só. O conto da aia, livro que antecede este (fiz uma resenha aqui), foi escrito em 1985. E esta sequência, Os testamentos, foi escrita em 2019. Sim, você não leu errado. Confesso que ao ver isso fiquei com medo. O que leva alguém a voltar depois de 30 anos? "Hype" era a única resposta que tive, e isso me preocupou, considerando o clima atual. Mas, devo confessar, não foi o caso de apenas "hype". Se é que houve hype (imagino que, especialmente, por conta da série televisiva d'O conto da aia), não ficou só na expectativa, fez-se cumprir. Vamos à resenha.

Começo pela belíssima edição da Rocco. Páginas bem diagramadas, leitura agradável de se fazer com uma fonte adequada, páginas daquele amarelado que não reflete muito, até mesmo detalhes como as figuras entre os capítulos, tudo muito bem trabalhado e, reconheço, digno da Rocco.

A história aqui se passa 15 anos depois dos fatos do primeiro livro. Se n'O conto da aia fomos apresentados à República de Gilead (ex-EUA) e sua sociedade funcionalista onde homens e mulheres são estratificados conforme sua "utilidade" social, em Os testamentos temos o início do fim. Como foi que um império tão poderoso como Gilead caiu? A semente de tudo, pelo que vemos, está na história das três personagens principais que compõe este livro.

E justamente por conta dessa tripla linha narrativa, a estrutura do livro se divide com alternância entre as linhas narrativas das três, até o ponto em que elas finalmente culminam. Se por um lado isso é bem útil pra não fazer o leitor se perder, por outro pesa um pouco porque essa dinâmica pode ser frustrante. Você se envolve com uma personagem, acompanha todo o drama dela, se aproxima e talz... pra ter que abandonar e ir pra outra. E aí com essa outra o ciclo se repete... e aí você muda de novo. Fazer o que, né? Talvez sejam ossos do ofício de três linhas narrativas concomitantes.

Sobre a tradução, não foi a mesma tradutora do primeiro (pelo menos não na edição que tenho, e ambas são da Rocco) e por isso não posso dizer se ela deu continuidade ao que a primeira fez. Mas percebi aqui algumas escolhas na tradução que me deixaram com um pé atrás. Por exemplo, em alguns momentos ela opta por não traduzir palavras, em outras ela claramente aportuguesa os termos. Qual o critério? Por que uma e não outra? Isso não fica claro. Senti falta de constância em alguns momentos.

Sobre o enredo, estou começando a ter a impressão de que a autora não sabe lidar com finais. Os desenvolvimentos que deveriam ser os mais cruciais me soam forçados ou, no mínimo, desajeitados. Na minha primeira resenha falei abertamente sobre um problema similar. Por exemplo, mandar a menina pro centro do perigo não me convenceu nadinha. Tentaram justificar, como se estivesse numa situação sem saída. Mas me soou forçado.

E aí novamente, conquanto aquela parte final seja interessante, pois analisa os eventos a partir do ponto de vista de historiadores do futuro, a autora, na ânsia de se explicar, acaba apenas se dando mais corda para se enforcar. Porque algumas das explicações não fazem sentido e servem apenas como justificativa para eventos meio forçados que ocorrem na história.

Mas, diferente do primeiro livro, tudo isso fica eclipsado pela magnífica capacidade narrativa da autora. Ela realmente tem domínio de seu ofício, fazendo a gente ficar grudado na história, querendo saber o que vai acontecer e sempre apreensivo em saber o que o futuro revela. Aquele pânico silencioso de quando vemos a  liberdade ser lenta e constantemente tirada de alguém. Novamente (coisa que disse na outra resenha), o mais assustador: já aconteceu no mundo real. 

Os temas são vários, mas fica mais uma vez evidente a guerra de sexos, sem que isso seja feminismo, uma vez que há domínio de mulheres por mulheres (isso eu também expliquei na primeira resenha, e foi a própria autora que falou); também achei muito bem trabalhado que o problema não é a religião em si, mas o fanatismo. Pra mim, sinceramente, não se excedeu e soube ser honesta com a temática.
Ela disse que ou você acreditava em Gilead, ou acreditava em Deus, nos dois não dava. (p. 324)
Em suma, o livro é fantástico. Fantástico. Vale a pena cada segundo da leitura. Um ou outro pequeno deslize, mas nada que nos impeça de desfrutar dessa maravilha de história! Fico até me perguntando se não tem outros livros da autora que eu me interesse, tamanho o peso que este teve em me convencer da sua capacidade. 

Livro totalmente recomendado.

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