segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Resenha – Aquela fortaleza medonha

LEWIS, C. S. Aquela fortaleza medonha: um conto de fadas moderno para adultos. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2019.


É, meu povo. Eis aí o último livro da Trilogia Cósmica, obra de ficção científica cristã (você leu certo), escrita pelo grande C. S. Lewis. Esse é um dos casos de trilogias que eu só li porque vi um monte de gente comentando e resolvi arriscar. Poxa, ainda bem que arrisquei. Aliás, os dois primeiros livros da série são Além do planeta silencioso (resenha aqui) e Perelandra (resenha aqui).

Falando da estrutura de Aquela fortaleza medonha, pra começar, algumas pessoas comentaram que o começo do livro era chato e cansativo, até o próprio autor pediu desculpas por isso no prólogo, mas eu não achei nadinha chato. Pelo contrário, o desenrolar tranquilo de tramas paralelas cheias de dramas internos e pessoais é o tipo de coisa que eu gosto de ler.

Por outro lado, embora não tenha achado o começo lento, o último 1/4 do livro se provou ser um pouco arrastado. O autor trouxe algumas questões que não foram bem desenvolvidas durante a trama e de repente aparecem já amadurecidas no final. 

Além disso, há uma série de acontecimentos muito eletrizantes seguidas por capítulos morosos. Não é que não pudesse ter algo assim, mas a coisa tinha que ser construída com um pouco mais de suavidade, porque o leitor sente o baque.

E já que mencionamos a trama, essa história – ao contrário dos outros dois livros da série – não se passa em outro planeta, mas na nossa Terra velha de guerra mesmo. E, também diferente dos outros dois, não tem Ransom como protagonista a princípio, mas o casal Mark e Jane. 

O primeiro, professor universitário que se muda com a esposa para Bracton, onde ganhou uma bolsa de pesquisa. Lá ele se envolve com um grupo intelectual com tendências distópicas de limpeza da humanidade e se envereda por um caminho que (como vemos no final) não dá muito certo. 

Do outro lado, Jane fica muito tempo sozinha enquanto Mark viaja nas muitas tentativas de se tornar parte do círculo maior do grupo de pesquisa. Nestes tempos sozinha, descobre que ela tem uma função muito maior do que imaginava para os acontecimentos que viriam a acontecer. E, num paralelo, acaba aderindo a uma organização cujo objetivo é exatamente oposto à organização de Mark. É isso.

Em todos os outros livros eu reclamei da descrição prolixa do autor. Mas esse aqui, de longe, é onde ele mais usa a descrição com potencialidade. Excelentes imersões, transmissão perfeita de estado de espírito, além das escapadas para o lirismo em prosa que funcionam muito bem. 

Eu achei que ao falar de uma distopia não caberia esse tipo de abordagem, uma vez que eu estava acostumado com a frieza distópica de Orwell, por exemplo. Mas Lewis tem uma sacada genial ao inserir na distopia não apenas o caráter objetivo da humanidade, mas também o subjetivo (ou, pra ser mais exato, o espiritual).

E, neste tópico, mais uma vez a intersecção entre fantasia e ficção científica é bri-lhante. A explicação dos "macróbios" foi uma sacada de gênio, que serviu com perfeição não só pra estabelecer verossimilhança, como até para a densidade da trama.

Nas outras resenhas eu sempre tive algo a comentar sobre a tradução e nem sempre era algo bom. Mas, este livro aqui deu um show. Não sei se o tradutor estava mais inspirado ou se o texto era mais tranquilo que os outros. Mas o que eu tiro o chapéu foi a capacidade de adaptar significados e o uso de expressões como "pra boi dormir" e "churumela". Além disso, achei sensacional a redação de diálogos verossímeis com uso de "tá", por exemplo.

Agora, meus amigos, nem tudo na vida são flores. Sim, eis a terrível verdade da vida. Este livro não está livre dos seus problemas e, infelizmente, o fato de eles terem se concentrado no final do livro abalou um bocado a experiência pra mim. Veja bem o parágrafo abaixo, que eu redigi logo após ler um trecho no último 1/4 do livro:
Como assim manoooooo??? Justamente numa das partes mais esperadas do livro, o autor resume a ação toda em uma linha??? Naaaaoo! Ele descreve a chegada de Vitrilbia, Perelandra, Lurga, Malancandra e Glund-Oyarsa, mas não descreve a ação deles??? Ah manoooo! (vejam que eu já estava desvairado)
No final vários personagens sofrem uns surtos de mudança de personalidade que deixam claro que o autor estava com pressa de terminar a história. Um Mark que foi a vida inteira medroso, do nada se torna firme e decidido; um Ambrosius que era quase prepotente e incapaz de se relacionar com os da era atual, de repente consegue se disfarçar e ir pro olho do furacão! Ah, cara...

Além disso, as últimas páginas forçam uma temática que não foi bem trabalhada no decorrer do livro – embora tenha sido citada. Sinceramente, por mais que Jane e Mark fossem os protagonistas desde o começo, já nos últimos 2/3 do livro, ouso dizer, ficaram bem esquecidos e apagados. Por isso, no final nós queríamos ter ouvido falar de outro personagem, um que, pelo menos pra mim, era bem mais significante.

O que eu imaginei que seria o confronto final, a grande batalha aguardada desde que ficou claro o conflito, provou, na verdade, ser uma vitória sem luta, bem anticlimático. Ah, e foi impressão minha ou houve algo de patriótico? Ele tenta se desvencilhar disso, mas a história é muito vinculada ao folclore histórico britânico.

Tá certo que talvez isso tenha sido uma questão de expectativa. Mas expectativa que o próprio autor criou! Eu não conhecia aspectos da obra fora dela, então todas as minhas experiências foram pautadas pelas propostas que o autor inseriu no texto. A culpa no final, não é só minha.

Apesar de tudo isso, e voltando àquelas últimas páginas do livro, eu sei que há certa sabedoria do autor neste sentido. As escolhas dele dão ar de completude à saga sem dizer tudo certinho. Ou seja, aumenta o que Stephen King chama de "reverberação" do texto. O que aconteceu com o diretor? Como foi a experiência? Admito que isso é salutar na literatura – embora no momento esteja com ódio de Lewis por ter silenciado isso (risos).

Preciso admitir, à guisa de conclusão, que o livro me emocionou no final. O que acontece é que depois de acompanhar toda essa saga, ninguém quer se despedir. A gente não só se acostuma com a presença dos personagens como até quer desenvolver essa relação. Mas como podemos nos relacionar se nos afastamos deles? Ah, aí a tristeza invade o coração. 

Sinceramente não fossem esses defeitos no final (são defeitos sim, vai), este teria sido fácil fácil o meu livro favorito da trilogia. Ainda não estou bem certo que não é. Perelandra também teve seus deslizes e não consigo avaliar com clareza qual dos dois é melhor (embora penda bastante para o segundo).

A simples verdade é que Lewis foi um grande mestre da literatura. Não creio que já tenha lido algo que se compare. É um nível de ficção cristã que – tenho certeza – todo escritor cristão desejaria alcançar na sua geração. Sim, eu incluso. Alguns autores nos marcam. Ah, como eu gostaria de ter a habilidade que Lewis tem com as palavras. 

Senhor, me capacita, para que eu possa te servir com a plenitude das minhas forças. Para que como teu servo Lewis, as palavras deste escritor ao acaso possam ser úteis. Não preciso de amplitude, preciso da graça que o Senhor derramou, na certeza de que o caminho que o Senhor escolher será o melhor. Só não permita, meu Deus, que isto seja para mim; mas para Ti somente. A Ti toda a glória para sempre e sempre. 

Urendi Maleldil!

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