segunda-feira, 22 de junho de 2020

Resenha - Os espiões

VERÍSSIMO, Luis Fernando. Os espiões. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.

"Formei-me em Letras e na bebida procuro esquecer." (p. 7)
Assim começa a narrativa deste romance escrito pelo filho do mestre Érico Veríssimo (sinto muito, Luis Fernando, para mim ainda permanece a sombra do pai). Nesta leitura absolutamente descontraída, Veríssimo filho vai contar a história de um escritor frustrado que trabalha numa editora e certo dia recebe um envelope misterioso da jovem Ariadne. Com o desenrolar da trama, o narrador e sua trupe (Dubin, professor Fortuna, Fúlvio Edmar e outros adendos) deslocam-se até a cidade de Frondosa para tentar descobrir a verdade por trás de toda a história.

Interessante ver como o tempo passa, não é? Este livro foi escrito em 2009 e eu vejo trechos dele que, com certeza, hoje seriam alvo de um mi-mi-mi coletivizado caso fossem divulgados abertamente em redes sociais. Dá até saudade em ver uma época em que todo mundo sabia diferenciar bem a realidade da ficção.

Imitando o melhor dos gregos, o livro tem cara de farsa o tempo todo, até que no final percebemos se tratar de uma tragédia. O final consegue ser bem eletrizante, mesmo para um livro que não propôs ação em nenhum momento, apenas enigmas e labirintos ariádnicos. Neste quesito, o enredo é bem construído, porque converge com força no final.

Não gostei do livro antes por conta da verossimilhança do enredo e de novo não gosto pelo mesmo motivo. Tudo bem que é uma farsa, mas quando a gente chega no fim percebe o absurdo da história. Talvez se o livro tivesse mais ares infanto-juvenis fosse possível dar mais crédito. Mas desde o começo a coisa não me convencia e quando chegou no final só piorou.

Mas é inegável que o  autor tem um jeito para o absurdo. É muito interessante (e isso é algo que eu noto desde a época que lia seus contos e crônicas) como ele consegue encaixar o absurdo nas situações mais diversas e, não raro, até nos fazer concordar com ele. Some-se isto ao seu jeito descontraído e tem-se trechos como este:
"[...] Incapaz de distinguir o canto rascante das cigarras do hmmmmmm de satisfação do seu cérebro, ouviu a Paula cochichar no seu ouvido que estava disposta a quebrar o juramento.
— E isso — acrescentou Dubin — que estou lavando minhas cuecas na pia do hotel." (p. 80)
A ironia e o jeito mordaz do autor em alguns momentos é também marca do seu estilo. Quem já leu alguma coisa de Luis Fernando Veríssimo (no meu caso me saltam à mente Comédias para se ler na escola e Ed Mort e outras histórias), sabe que o autor utiliza muito bem seus personagens para soltar umas pitadas ácidas no texto. Saca só:
"O professor Fortuna diz que em vez de endeusar escritores deveríamos louvar os milhões que resistem e não escrevem, e cuja grande contribuição à literatura universal são as folhas que deixam em branco." (p. 123)
Só agora percebo como a família Veríssimo acabou entrando na minha história. Enquanto abertamente Érico, o pai, entrou em minha vida desde a infância; também sem perceber eu li bastante Luis Fernando Veríssimo na adolescência e percebo como parte do seu estilo me influenciou.

No caso desse livro e várias outras crônicas e contos que ele escreve uma característica que sempre me chamou atenção foi a sua irreverência, o jeito despojado de falar e informal. Isso hoje é algo que eu tento caracterizar na minha própria literatura, com um estilo que seja acessível e ao mesmo tempo bem construído. 

Digo isto porque acredito piamente que a arte não pode, não deve ser para poucos. Ela precisa revelar o máximo possível ao maior público possível, com a maior qualidade atingível. Essa expansão da arte (no caso, da literatura) para um grande público é com certeza uma das coisas que admiro na obra do Veríssimo filho. E a família continua marcando minha história.

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