DA VEZ QUE FIZ TESTE PARA AUTISMO, MAS O RESULTADO DEU OUTRA COISA
Tudo começou porque minha esposa adora ver as blogueiras do Instagram. E aí vem o algoritmo e o céu é o limite. Moda, dicas de culinária fitness, móveis, pintura, saúde mental. Neste último tópico, aparece de tudo um pouco também: ansiedade, depressão, TDAH, outros transtornos neurodivergentes como autismo...
"Ei, espera aí..." ela pensa, enquanto assiste a um reel no Insta sobre autismo. "Meu marido tem várias dessas características! Ele não tem um bom trato social, anda na ponta dos pés em casa, tem uns comportamentos meio estranhos..."
Pronto. Depois disso, ela se convenceu de que eu era autista. Bastava eu fazer alguma coisa estranha em casa, ou falar alguma das minhas maluquices, lá vinha ela: "Autista!" ou então "Se bem que tu tem autismo, né?". Ela não falava para ofender, era só uma brincadeira. Mas eu estava convencido de que ela estava errada. "Eu não tenho autismo!", dizia. "Ah, tá", ela respondia, irônica.
Isso durou até o dia em que eu enchi o saco e me toquei que eu pago plano de saúde (e caro!). Pesquisei o que precisava e descobri uma excelente clínica aqui que se especializou em diagnósticos do espectro autista. Consegui um encaminhamento médico e fui bater lá na porta da neuropsicóloga. Agora a gente vai ver.
#Das consultas
Cheguei lá e já fui dizendo: "Doutora, eu estou aqui porque minha esposa acha que eu sou autista, e eu quero provar pra ela que eu não sou!". Ela sorriu e me fez várias perguntas. Sobre minha infância, se eu tinha dificuldades na escola, nas amizades, no trabalho... E a tudo eu respondia: "Pelo contrário". Sempre tive facilidade na escola, creio que faço amigos com facilidade, e de modo geral julgo ser eficiente no que me proponho a fazer, especialmente em relação às artes.
— Hum... interessante — ela diz, enquanto escreve algo na prancheta. — Gabriel, você já ouviu falar de Altas Habilidades ou Superdotação?
— Ah... já...
— Tudo bem. Nas próximas consultas vamos iniciar uns testes pra ver o que está acontecendo.
Durante o próximo mês e um pouco, voltei ao consultório várias vezes e fiz uma bateria de testes. Tinha de tudo um pouco. Tinha um que eram uns cubinhos e tinha que montar, outro era uma sequência de letras e números que tinha que decorar e repetir separadamente, e ainda alguns testes de personalidade. Uma desgraça. Eu chegava às 17h no consultório, depois de um dia inteiro de trabalho (em inglês!) e ainda tinha que fazer testes e testes.
Eis alguns dos testes que fiz: A) WASI - Escala Wechsler Abreviada de Inteligência para Adultos; B) WAIS-III - Escala de Inteligência Wechsler para Adultos; C) FDT - Teste dos cinco Dígitos; D) BDA- Bateria Diferencial de Atenção; E) SRS-2 – Escala de Responsividade Social adulto (autorrelato e heterorrelato); F) Teste Quociente Autism-Spectrum (AQ) Adultos; G) Escala de Avaliação de Ansiedade de Hamilton; H) Escala de Hamilton para Avaliação de Depressão; I) BFP – Bateria Fatorial da Personalidade; J) Inventário de Altas Habilidades e Superdotação para Adultos (Iahsa). Lista retirada direto do laudo que recebi.
#Do resultado
Deu que eu sou retardado, mas ao contrário.
Primeiro que não deu autismo. Tive o privilégio de ser atendido por uma excelente profissional. Nas palavras dela "um único sintoma não é suficiente pra fechar um diagnóstico". Sei que é óbvio, mas hoje vivemos uma febre de laudos, de profissionais que nem se dão ao trabalho de fazer uma investigação adequada. Dr. Gabrielle Brito foi bem enfática em dizer isso — até porque, o resultado não é só pela observação, mas corroborado por todos os testes que fiz.
Autistas têm dificuldade em ler situações sociais de modo geral. Embora meu filtro social possa ser um pouco falho, não é suficiente pra explicar, especialmente porque tenho facilidade com relações sociais de modo geral. Mas se não é autismo, como explicar as características no mínimo peculiares que apresento?
É que, sim, sou neurodivergente. Meu cérebro interpreta a realidade de uma forma específica. Uma dessas formas é a hipersensibilidade. Eu ando na ponta dos pés porque o contato com o chão gelado me incomoda. Eu uso os dentes pra puxar a comida do garfo porque não gosto do toque do talher nos meus lábios. Costumo fazer e sentir coisas com intensidade, porque é assim que meu cérebro é.
Como já dei a entender, o resultado deu que tenho Altas Habilidades/Superdotação (o termo técnico é esse mesmo AH/SD). No caso, são Altas Habilidades Cognitivas e Criativas, Motivação e Determinação, bem como Habilidades Sociais e de Liderança. Cada pessoa com Altas Habilidades tem sua combinação de áreas, nem todo mundo é igual nesse sentido.
Não chego a ser um gênio. Detesto números que nos definem, mas um gênio tem um QI de 160 pra cima. O meu QI geral é de 127, enquanto meu QI verbal é de 138. A escala de QI engana um pouco, porque ela não é linear como intuitivamente se pensaria. Por exemplo, a média da população geral é de 100, então um QI de 127 ou 138 não parece muito distante da média.
Mas aí quando você descobre que um chimpanzé tem um QI de 70, a coisa ganha outra proporção. A distância de um QI de 70 pra 100 é um abismo! Na hora eu não tive noção dessa diferença, por isso não acreditei quando a médica disse que um QI de 138 é maior que 99% da população na minha idade. Eu jurava que ela estava exagerando, mas aparentemente, neste quesito, esse QI é "extraordinário".
Aparentemente, minha velocidade de processamento, atenção geral, leitura e contagem também estão nessa categoria de 90 a 99% acima das pessoas na mesma faixa etária, bem como memória operacional e semântica. A única categoria em que estou na média geral da população é habilidade visuoconstrutiva (ou seja, sou ruim em coisas visuais, mas isso não é segredo pra ninguém).
#Tá, mas e daí?
Naturalmente, esta é a pergunta que se segue. Meus anos de formação já se foram. Eu já sou quem eu sou. Que diferença pode fazer esse diagnóstico?
A primeira coisa é que me ajuda a abraçar quem eu sou. Sim, eu sou meio louco, porque 99% das pessoas pensam diferente de mim. Isso não é um problema, como sempre pensei, é simplesmente quem eu fui feito para ser. Se minha força reside na criatividade, nas habilidades cognitivas relacionadas à linguagem, então é hora de fazer uso disso com toda a minha força. Esse é quem Deus me fez para ser.
Segundo, preciso entender minhas limitações e trabalhar nelas. Porque a velocidade de raciocínio é mais rápida que a maioria das pessoas, tendo a tratá-las com impaciência, como se elas tivessem a obrigação de ter chegado à mesma conclusão que eu, na mesma hora que eu. Acontece que sou neurodivergente, meu cérebro processa a realidade de modo diferente. Preciso aprender a respeitar o tempo dos outros, lembrando que o valor de um ser humano não está ligado à inteligência ou à velocidade cognitiva dele. O ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus, e merece respeito como tal.
Terceiro, preciso estar ciente de todas as defesas psicológicas erradas que construí durante a vida. Como sempre fui diferente, passei a depender menos dos outros e cada vez mais de mim mesmo, criando a ilusão de que eu era autossuficiente. Acontece que ninguém é, e não fomos criados para ser. Além disso, minha busca por "iguais" ou "pares" sempre me deixou frustrado. Eu nunca encontrei ninguém igual a mim. Isso é pedir muito? Aparentemente, é sim. Tem 1% de chance de eu conseguir isso. Em vez de me render à solidão, tenho que aprender a amar e viver bem com as pessoas que estão ao meu redor, mesmo se elas forem muito diferentes de mim, começar a entender que as coisas não são só "sobre mim".
Por fim, penso que o diagnóstico me abre os olhos para que eu possa ajudar outros. Quem sabe quantos outros com Altas Habilidades estão escondidos por aí? São de 3-5% da população, mas estão aí. Mesmo eu não tendo esse diagnóstico nos anos de formação, consigo ver que Deus ainda me permitiu fazer muita coisa. O diagnóstico não define, mas ajuda. Imagine o potencial que uma criança com Altas Habilidades pode ter.
Categorizei esse texto como uma "crônica que eu não deveria publicar" porque entendo que a linha entre a arrogância e a autoconfiança é muito tênue. Não quero flertar com essa linha. Consigo ver que na minha infância e adolescência eu era extremamente arrogante e soberbo. Sob essa perspectiva, não foram tempos bons, e eu não quero voltar a eles. Esse diagnóstico é para me ajudar a ser uma bênção e ajudar outras pessoas, é isso. Que não passe disso.
Deus, me ajuda a ser quem o Senhor me criou para ser: imagem de Cristo para brilhar a tua luz na vida de outras pessoas por meio de quem eu sou. Da criatividade, da loucura, da beleza da Tua glória refletida em mim. Soli Deo Gloria.
0 comentários:
Postar um comentário