segunda-feira, 26 de maio de 2025

Resenha — O clube de xadrez da morte

DONOGHUE, John. O clube de xadrez da morte. Rio de Janeiro: Rocco, 2021.


Esta foi uma daquelas gratas surpresas que acontecem quando pegamos um livro ao acaso e nos deparamos com uma boa história. Ainda melhor quando percebemos que o autor sabe o que está fazendo, sabe conduzir as cenas, sabe narrar de modo adequado, enfim. Vamos à resenha.

Trata-se de uma história fictícia, mas ambientada na Segunda Guerra Mundial. Acompanhamos a saga de Emil Clemént, um judeu francês preso em Auschwitz. Lá, seu talento com o xadrez vai garantir a sua vida e pode até salvar outros judeus da câmara de gás. Tudo isso enquanto lida com a dinâmica terrível do campo de concentração, onde prisioneiros maltratam outros prisioneiros e líderes nazistas mantém controle ferrenho sobre tudo que acontece.
A estrutura do livro tinha tudo pra dar errado, por isso me surpreendeu bastante que tenha dado certo. O autor opta por fazer uma narrativa alternada. Ao mesmo tempo em que relata os acontecimentos dentro do campo de concentração, também faz os personagens se encontrarem 20 anos depois para lidarem com os fantasmas do passado e seus próprios relacionamentos.

Esse é o tipo de estrutura que tem tudo pra ficar caótica ou clichê, mas preciso reconhecer que os cortes de cena são bem montados. Não parece que estamos acompanhando uma história e de repente vem um flashback; parece que estamos acompanhando a mesma história acontecendo em vários tempos simultaneamente.
Os outros prisioneiros começam a respirar de novo. Eles não se importam com quem o destino escolheu para morrer nesse dia, desde que não tenham sido eles. Não é porquetenham o coração frio por natureza. É simplesmente assim que as coisas são em Auschwitz. (p. 56)
O livro é evidentemente uma ficção histórica, mas nem por isso é menos real. A verdade é simplesmente que a guerra é um grande absurdo e a crueldade humana consegue ser ainda pior. A história, ainda que fictícia, retrata a realidade de Auschwitz — uma realidade absurda.

Também penso que boa parte do que torna essa história tão real são os personagens e as relações humanas presentes em toda a história. O livro não é sobre xadrez, sobre Auschwitz, nem mesmo sobre nazismo. O livro é sobre ser humano em tempos difíceis — sejam eles de guerra ou de paz. Sim, porque o livro nos convida a pensar se é possível ser humano em tempos de paz também, ainda mais uma paz marcada pelas atrocidades da guerra.
Mas o Häftling [prisioneiro] número 163291 fez pé firme.
— Sempre se tem uma escolha, Herr Hauptsturmführer [Senhor Capitão], caso se esteja disposto a aceitar as consequências. (p. 142)
Enfim, me deu pena quando o livro terminou, porque eu queria mais. Li até a última página, incluindo glossário, agradecimentos e comentário histórico, e ainda achei pouco. Como falei, foi um daqueles livros que me surpreendeeu muito e deu pena quando terminou. Livro bem escrito, emocionante, ressoante (que faz pensar)... nem parece literatura contemporânea.

Por mais livros que nos surpreendam.

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Resenha — Mind Machines

ZALES, Dimas. Mind Machines: Human++ (Book 1). New York: Mozaika, 2016.


Fico extremamente triste quando vejo um livro que tem potencial para ser bom, mas que é desperdiçado por insistir em obedecer a fórmulas do mercado do que é uma boa história. Infelizmente, a fórmula é falida e seu livro se torna apenas mais um entre muitos. Bom, vamos à resenha.

Neste livro de ficção científica, acompanhamos a história de Mike Cohen, um filho de imigrantes russos que mora nos EUA. Mike é multimilionário e investe parte de sua fortuna numa nova tecnologia chamada "Brainocytes", robôs nanotecnológicos que são injetados na corrente sanguínea de uma pessoa e vão para o cérebro, onde aprimoram os neurônios e a pessoa. Ele faz isso porque sua mãe tem Alzheimers e ele vê nisso uma chance de salvá-la.

Essa premissa me fez botar bastante fé na história, me pareceu que seria sobre família. Ele tem um parzinho romântico (Ada) que é uma cientista no projeto, um outro amigo russo rico (Mitya), e um primo considerado perigoso por seu passado criminoso (Joe). Porém isso não durou.

Preciso confessar que vejo que há certa maturidade na escrita do autor. Não foi à toa que os primeiros 55% do livro foram bem agradáveis de se ler. O cara realmente sabe escrever, não só os diálogos, a narrativa, mas até as elocubrações filosóficas sobre o uso de tecnologia e seus impactos na sociedade me fizeram pensar que este seria um bom livro de ficção científica, daqueles que fazem a gente pensar.

Porém, como disse no primeiro parágrafo, logo o livro caiu nos clichês. A mãe do personagem principal é raptada e de repente não estamos mais lendo um livro sobre família, virou uma história de ação estilo 007, onde agora personagens com cyber-poderes vão até a Rússia para invadir uma instalação militar e salvar a mãe do protagonista. 

Cara, deu pena ver isso acontecer. O livro perdeu toda a razão de ser, virou só mais um clichê porque (presumo eu) o autor pensou que talvez isso pudesse virar filme. É a única explicação que consigo pensar. Desperdiçou todo o potencial de explorar os limites da humanidade, de ver até onde a tecnologia pode realmente ajudar, de questionar o que torna o humano, humano.

Além disso (ou talvez, por causa disso) logo os personagens ficam em segundo plano, e só o que importa é a ação propriamente dita. Os personagens não evoluem, permanecem o mesmo do começo. Não há nenhum claro problema a ser consertado neles, o arco é apenas uma série de eventos (deveras, até interessantes em certa medida), mas que são apenas eventos.

Segue-se que só nos interessamos nos eventos, não nas pessoas, elas se tornam bem esquecíveis. O personagem principal apenas ganha mais poder por conta da experiência que viveu, mas psicológica ou moralmente não muda nada. Ou seja, fez toda a jornada do herói só pra voltar pra casa o mesmo que começou. Em outras palavras, fez a jornada por nada.

Enfim, é a tristeza de ver clichês e mais clichês. Daí a minha grande dificuldade em ler literatura contemporânea. Pra mim ela é toda igual. Quero estar errado, mas esse livro não está ajudando. Infelizmente não ficará na minha estante — mesmo sendo ebook.

sábado, 26 de abril de 2025

Leitura não concluída — Little Women

ALCOTT, Louisa May. Little Women. Amazon Classics, Kindle Edition, 2017


Outra leitura que não deu pra aguentar. Fui até 25% e percebi que já não estava mais valendo a pena. Little Women é simplesmente um livro chato. Pra todos os efeitos, é praticamente um livro sem enredo definido. O ritmo é lento, mas o pior mesmo são as descrições intermináveis de eventos tão simplórios. Me parece uma Jane Austen — aquela escrita vitoriana, que quer contar tudo nos mínimos detalhes (mas que não fazem diferença nenhuma pra história).

Não posso negar que as personagens são interessantes, que a autora é capaz de mostrar a beleza da vida simples e comum (com vários momentos emocionantes até) — mas tudo isso fica eclipsado pela falta de uma linha que carregue o enredo pra frente. A autora precisa que o leitor simplesmente "queira" conhecer as personagens pra que a leitura siga adiante. O livo, na verdade, parece mais uma série de pequenos contos sobre as personagens do que um romance. 

Nestes termos, talvez essa seja mesmo a proposta do livro e por isso não aguentei terminar — porém convenhamos que 46 capítulos de lenga-lenga é difícil de engolir, especialmente quando muitos dos dramas são meio "frufrus", macios, há uma boa dose de proselitismo no livro (o que, inclusive, me faz pensar que este é um livro infantil, na verdade).

Isso tudo torna a leitura bem entendiante. Mesmo com personagens bem trabalhados, é difícil ficar preso a um livro que não conta uma história. Parece mais que estou vendo uma série de pinturas em cenas do que uma narrativa coesa. 

Entendo que o livro tem uma importância acadêmica e social, não tiro a validade disso. Porém, como leitura por prazer (que é o que faço), está longe de ser uma boa opção. Não deu nem pra terminar.

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Resenha — Contos amargos

MORALES, Alessandra; MACHADO, Allana; CATÃO, Bruno; MENDONÇA, Paulo Vitor Mendonça. Contos amargos. Indaiatuba: Pen Dragon, 2016. Ebook.


Nossa, quanta decepção. Isso aqui era pra ser uma antologia de contos amargos, tristes, chocantes, dramáticos. A ideia é interessante, ainda mais pra mim que sou um escritor hiperrealista e ama retratar a sociedade e as pessoas tais como elas são. Mas esse livro não passou nem perto de ser bom.

Os contos na sua marioria começam bem, mas parece que têm medo de se levar a sério — sendo que visam tratar de temáticas sérias. Cria-se uma desconexão e o leitor fica meio que a ver navios no fim. De modo geral, são todos mal escritos. Me soam como algo a ser esperado de adolescentes que participaram de um workshop de literatura. Ou seja, têm ali algum potencial, mas claramente não é bom ainda, tem que trabalhar muita coisa. 

Li o livro até o fim na esperança de encontrar nele alguma coisa que servisse. O título do livro é contos amargos, mas amargo mesmo é o tempo que a gente perde lendo essas histórias. A cada novo capítulo eu me obrigo a dar uma chance, uma oportunidade de ler uma história bem escrita. E o duro é que, como falei, muitas começam bem... mas só começam. Isso torna ainda mais amargo chegar no final e perceber que a história e o meu tempo foram perdidos.

Acho que o que mais me apavora é ver que esse livro foi escrito a quatro mãos (oito, no caso). Me assusta que os autores tenham escrito esses textos, enviado uns aos outros e no fim tivessem achado bom. Não é possível uma coisa dessa. 

Pra mim que eles ficaram naquele constrangimento típico do brasileiro que sabe que a coisa não está boa, mas não tem coragem de falar, pra não ofender a outra pessoa. Se foi isso, optaram por ofender o leitor em lugar do autor — ou pior, e mais horrível: eles realmente achavam que os contos eram bons.

Esse livro só confirma tudo que já vi da editora Pendragon: qualquer um que pagar pra publicar consegue publicar qualquer bosta. Seria melhor a editora ter se chamado de gráfica logo porque ficava menos feio. TODOS os títulos que já peguei da Pendragon são péssimos e perda de tempo. Talvez não seja de surpreender que a "editora" fechou as portas no começo desse ano. É função de bons editores evitar que porcarias como essas cheguem ao público.

Enfim, o livro foi uma perda de tempo e fiz questão de deletá-lo permanentemente da minha biblioteca de livros digitais. É o timpo de coisa que nem vale a pena. Fica aí o aviso sincero.

terça-feira, 22 de abril de 2025

Leitura não concluída — Agent Zero

MARS, Jack. Agent Zero. 2019. Ebook. Acho que é autopublicado. 


Graças a Deus isso foi de graça na Amazon. 

Assim, é bem escrito, dá pra ver que o autor tem certa maturidade, mas não tenho muito mais a dizer além disso. Não aguentei terminar. Li 25% do livro (até a página 103!) e já foi forçando ali no final. 

O problema todo do livro é que ele é SUPER CLICHÊ. É um professor universitário de História (sempre é alguém assim, né?) que é raptado e descobre que tem um chip de supressão de memória instalado no cérebro. Ele não é Professor Lawson, ele é na verdade... Keen Steele, Agent Zero! Wow, scadush, boom!

Cara, é clichê atrás de clichê. O pior mesmo é ver o personagem principal fazendo tudo "sem saber" como fez. Tiram o chip da cabeça dele, imediatamente ele sabe lutar, desarma os bandidos, mata 4 e consegue fugir. Sabe falar inglês, francês, alemão e arranha no russo. É simplesmente clichê demais. As cenas são as mesmas: ele fazendo graça de bonzão, Europa super conectada, ele sabe fugir, sabe onde está, sabe o que tem que fazer. Ele sabe tudo!

O livro não é nada nada original. Eu teria ficado muito mais curioso se em lugar de já saber de tudo, ele decidisse que não quer ser esse agente secreto, que gostava mais da vida anterior. Ou então que, mesmo depois de ter o chip tirado, ele continuasse sem lembrar de nada, e ainda assim tivesse que sobreviver e dar um jeito de salvar a família. Essas premissas em si já seriam muito mais interessantes!

Em vez disso somos forçados a ler goela abaixo uma história que já vimos acontecer várias e várias vezes. Digo mais, se fosse pra ver esses clichês, era melhor assistir algum filme de Missão Impossível. 

Realmente não deu. Stephen King ensina que todo escritor deve ler muito, visto que a leitura é o combustível criativo da escrita. Porém, ele mesmo argumenta que não se deve ler qualquer coisa. Nosso tempo na Terra é limitado, você não pode ler tudo. O conselho dele então: leia o que é bom.

Aprendendo com o mestre. 
Leitura sequer concluída.

domingo, 20 de abril de 2025

Resenha — O cortiço

AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. Brasília: Edições Câmara, 2018. Ebook.


A coisa começou bem quando percebi que esse foi um livro que consegui de graça na Amazon. Confesso que tenho achado bem interessante a leitura no Kindle. Nunca fui contra os ebooks. Embora prefira os físicos, livros virtuais são tão bons quanto seus antepassados quando acertam na escrita. Ou seja, uma história boa será sempre uma boa história, tanto faz o suporte em que se encontre. Enfim, vamos à resenha.
E ali, naquela estreita salinha, sossegada e humilde, gozavam os dois, ao lado um do outro, a paz feliz dos simples, o voluptuoso prazer do descanso após um dia inteiro de canseiras ao sol. (p. 75)
Bom, trata-se de um clássico escrito em 1890. Há resenhas, resenhas, estudos e estudos sobre esse livro, por isso me detenho em dar minhas impressões apenas. A história é conhecida de João Romão, que criou seu cortiço ao lado do terreno da sua venda, com ajuda da escrava Bertoleza. Não tardou, o cortiço passou a ser seu próprio microcosmos, trazendo personagens com seus próprios dramas como Pombinha, Jerônimo, Bruxa, Machona, Rita Baiana, entre outros. E, do outro lado, ainda apareceu o Miranda, representante da "boa" sociedade da época. 

Confesso que talvez eu esteja tão acostumado com a higienização da literatura, que confesso que não esperava encontrar em "O Cortiço" uma temática tão sexualizada. O sexo (seja na fornicação, no adultério, ou no comércio) é um tema que está sempre em voga, nas mais diferentes esferas da sociedade do livro. Não é à toa que este sempre foi um assunto muito presente na música ou literatura.

Chamou-me a atenção também perceber que O cortiço é um romance de narrativa multifocal, coisa que não vi acontecer com frequência em livros mais antigos. Se hoje estamos acostumados com Game of Thrones ou livros de fantasia que lidam com vários personagens ao mesmo tempo, creio que Aluísio estava à frente do seu tempo ao explorar esse tipo de narrativa.

Mas, honestamente, foi o conceito humano que mais me chamou a atenção em O cortiço. Aluísio me soa exageradamente como um Érico Veríssimo. Ou, devo dizer, Érico soa como um Aluísio: extremamente humano, com uma capacidade descritiva bem própria, de quem fala tudo da pessoa mesmo falando pouco. Como Érico é a minha referência, posso dizer que Aluísio me soa como se Érico fosse das antigas. A narrativa é interessante, e os fatos chamam a atenção, mas são os personagens com sua humanidade que nos cativam.

É muito interessante. Parece que estou lendo vários episódios da Grande Família mas com tudo acontecendo no século XIX. É deveras a balbúrdia da sociedade brasileira na sua maior nitidez. É tão claro que a história se passa em 1890, mas eu enxergo nela o Brasil de hoje. É vizinho se xingando, é parente se invejando, é homem fugindo com mulher, é mulher traindo com outro homem, é gente fazendo falcatrua e no fim do dia sentando à roda de samba pra beber com os amigos.

Aliás, nesse quesito, Aluísio Azevedo é capaz de escalar a tensão da cena do jeito que só quem já viu uma desavença brasileira se desenrolando pode compreender. É absurdo atrás de absurdo, eita atrás de vish, Brasil atrás de Brasil.

Enfim, esse livro me surpreendeu muito porque me assusta em ver que desde 1890 o Brasil já era Brasil. Um cenário quase desalentador. Mas, como bom brasileiro, não tenho outra opção senão sorrir e balançar a cabeça, num meneio de só quem sabe o que é o Brasil pode entender. Finalizo com essa citaçao de Aluísio Azevedo que nos descreve tão bem:
Uma algazarra medonha, em que ninguém se entendia! (p. 53)

domingo, 13 de abril de 2025

Leitura concluída — Mistborn trilogy


Estou aqui me perguntando se li alguma série de fantasia melhor que essa. Nárnia me vêm à cabeça, e, quando muito, alguns livros soltos (Trílio Dourado, por exemplo). Mas honestamente acho que nunca li uma série tão madura e tão bem escrita como essa. Não tive escolha senão ler de ponta a ponta. É um exagero de bem escrito e planejado.

O primeiro livro é impecável, fisga a gente e não deixa escolha. O fim do segundo me deixou um pouco chateado, pareceu forçado. E o fim do terceiro... bem, não sei como me sentir ainda. Certamente resolveu as pontas soltas e também trouxe reviravoltas literalmente até o último capítulo. Talvez a temática tenha me atrapalhado um pouco. Mas que é bem escrito isso é. Outro nível de escrita.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Resenha — The War of the Worlds

WELLS, H. G. The war of the worlds. Amazon Classics, Kindle Edition, 2017.


Ok, vamos lá acabar logo com esse sofrimento. Descobri que, infelizmente, não gosto de H. G. Wells — na verdade, eu já sabia, mas tentei me enganar e dizer que na época eu não sabia apreciá-lo. Desculpem-me, deve ser uma questão de (mau) gosto. Pelo menos o livro foi de graça. Vamos à resenha.

The war of the worlds ou "Guerra dos Mundos", em português, é um clássico da ficção científica. Acompanhamos a história de um narrador sem nome, na Inglaterra do fim do século XIX, que se vê no meio de uma invasão alienígena oriunda de Marte. Os marcianos vêm à Terra para colonizá-la e transformar o lugar em seu novo planeta, exterminando qualquer um que ouse se opor a eles.
"Why are these things permitted? [...] What are these Martians?"
"What are we?" I answered, clearing my throat. (p. 45)
Meu grande problema com o livro não é por falta de qualidade ou erro do autor, mas é simplesmente porque o livro foi escrito em outra época. Estamos falando de um mundo que não é agitado como o nosso, não é intenso como o nosso, logo é evidente que os livros daquela época terão um ritmo diferente dos de hoje. 

Minha impressão, portanto, é que o livro é lento. Poxa, estamos falando de uma invasão alienígena! Será que as coisas são tão parcimoniosas mesmo como o autor narra? Será que precisa mesmo descrever cada pequena cidade ou estrada por onde o narrador passa na sua fuga? Não seria mais interessante falar como ele está se sentindo e como essa ou aquela estrada impactam diretamente na sua própria história?

Como falei, o livro é reflexo de seu tempo, por isso, no estilo dos clássicos de ficção científica daquela época, em alguns momentos o livro parece mais uma enciclopédia do que uma história em si. Aliás, o livro tem uma pegada bem naturalista extrema, que considera o ser humano como cérebro apenas e todo o resto como acessórios. 

Entendo que os temas do livro são bem interessantes. O autor estava bem à frente do seu tempo em imaginar as grandes máquinas alienígenas, a capacidade de comunicação sem palavras, e até mesmo os argumentos de que os marcianos eram mais desenvolvidos justamente por não fazerem uso de coisas que nós humanos fazemos, mas que seriam superficiais.

Na história, percebi que o autor constantemente ressalta a ignorância das pessoas de um perigo iminente. Creio que isso é central para ele e é até um tema bem importante de ressaltar. Mas, ah mano, um monte de gente morre pra um raio mortal dos aliens e fica por isso mesmo? Tipo, a vida segue normal na cidade vizinha? Ninguém sentiu falta dos entes queridos e foi averiguar? É muita apelação. Mesmo numa era em que não havia comunicação instantânea, ainda haveria comunicação.

A narrativa em si é muito rasa, é só o protagonista andando de um lado para outro e fugindo. Eu diria que há apenas um único momento em que se revela a personalidade do narrador e seu modo de encarar o mundo — refiro-me à cena em que ele está escondido na casa com o pároco. As descrições me soam muito supérfluas e os diálogos são escassos (embora razoavelmente relevantes quando acontecem).

Do meu ponto de vista, a história finalmente fica interessante quando chegamos na marca de 84% do livro, mas aí já é tarde pra mim. E, honestamente, o final é decepcionante. O protagonista não tem relevância nenhuma na história, não passa de um espectador com quem mal temos empatia. Fica difícil defender. 

Bom, enquanto não nego que Wells tinha uma imaginação muito à frente do seu tempo, sendo capaz de prever coisas que a humanidade nem sonharia mas que hoje são quase "naturais" para nós, infelizmente não consigo dizer que curto a narrativa dele. Perdoem-me a franqueza, mas preferi ver o filme.

domingo, 12 de janeiro de 2025

Resenha — Mountain of lies

EVANS, Jayne. Mountain of lies. Kindle Edition. 2016.


Ok, não sei nem por onde começar. Via de regra eu evito ler autores contemporâneos porque, me desculpem, muita coisa que tem por aí é simplesmente ruim. Se é verdade que democractizou-se o acesso ao mercado literário, também é verdade que com essa democracia veio uma enxurrada de autores medíocres, que publicaram só pra dizer que publicaram mas não têm qualidade nenhuma. Estou muito feliz em dizer que este não é o caso deste livro.

A história desse livro é um romance policial se é que tal gênero existe. A autora conseguiu mesclar muito bem uma história romântica entre Mia e Hudson, ao mesmo tempo que insere nisso um bocado do suspense e adrenalina que vemos em histórias policiais, como traficantes, ameaças de morte e serial killers. 

Eu ainda não tinha visto algo do tipo e achei uma sacada interessantíssima. Tanto é que mesmo eu não curtindo histórias românticas, li o livro do começo ao fim, sempre muito ligado na história, querendo saber o que ia acontecer e torcendo pelo casal ao mesmo tempo.

Aliás, a autora é bem inteligente em construir a narrativa romântica. Como leitores, queremos que eles fiquem juntos, mas a autora constantemente os empurra em direções opostas, o que deixa a gente com uma agonia danada pra ver o que vai acontecer. Honestamente, é uma aula de como escrever histórias românticas, utilizando cada ato do livo de maneira deliberada a intensificar o conflito e aumentar a satisfação pela sua resolução.

Cheguei a estudar como escrever histórias românticas. Não lembro bem os detalhes, mas lembro que cada cena do livro deve sempre ser utilizada de forma a intensificar a história do casal; além disso, no primeiro ato, o casal ignora o amor; no segundo, eles dão uma chance para o amor; no terceiro, eles lutam pelo amor. A autora seguiu a cartilha à risca e o fez de forma tão elegante que não tenho como não tirar o chapéu para ela.

Aliás toda a escrita da autora demonstra um nível de maturidade que poucos autores têm. Surpreende-me ver que este foi o primeiro livro da autora, me pergunto se ela já não publicou por aí com algum pseudônimo. Veja só, por exemplo, a frase de abertura do livro:
The only reason she wouldn't win this year's Darwin Award was because they'd never find her body. (p. 4)
As descrições são elegantes, inseridas dentro de falas ou narrações, quase despercebidas. A autora é eficiente em usar outros elementos do texto pra aumentar a sua densidade. Além disso, fica evidente que ela sabe escrever para as massas, onde até as cenas quentes são bem trabalhadas na medida que atinja o grande público sem serem tão explícitas.

E a história em si é muito boa também. A autora soube construir bem os personagens, a gente fica de fato intrigado com o passado sombrio deles (excelente uso da técnica de "ghost") e ao mesmo tempo torcendo que eles abram mão das suas próprias máscaras para que fiquem um com o outro.

Engraçado que a gente torce por um final, tem quase certeza que ele vai acontecer, e quando acontece ainda assim nos emocionamos. Ou o livro é muito bem narrado, ou, assim como Érico Veríssimo dizia, sou uma vaca sentimental. Ou ambos.

Enfim, não tenho mais o que dizer do livro senão afirmar que é uma excelente leitura. Eu já quero até ler os outros livros da autora. Não é sempre que encontro algo tão bom na literatura contemporânea. Espero que a autora continue a escrever livros tão bons quanto esse.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Resenha — Max and the multiverse

WHEELER, Zachry. Max and the multiverse: book one. Mayhematic Press. Amazon KDP, 2017.


Ok, então né. Esse aqui entra pra categoria de "ainda bem que foi de graça". Encontrei este ebook em promoção na Amazon e achei a premissa interessante. Max é um jovem terráqueo que, toda vez que dorme, acorda em uma nova realidade do multiverso. Simples assim. Achei a premissa boa, vi que o livro tinha mais de 1300 avaliações na Amazon, com 4,1/5 estrelas. Ah, vamos ver, né? Hunf.
"I'm a cat, not your therapist." (p. 83)
Max and the multiverse propõe ser uma comédia sci-fi. Ele nos apresenta a história de Max, um garoto que, sem saber, acaba viajando pelo multiverso, indo parar numa Terra onde os dinossauros ainda existiam, ou em uma onde se fala igual o Yoda, ou mesmo em uma onde a viagem intergalática é possível. E nessa última, ele acaba levando seu gato Ross com ele e se encontrando com Zoey e Perra, duas aventureiras espaciais que têm uma carga perigosa que pode destruir o universo.

Olha, sendo bem honesto, o autor não é ruim, mas se veem traços fortes de amadorismo (como frases ou trechos muito explicativos). Além disso, ele abertamente tenta imitar Douglas Adams. Mas só tenta mesmo. Honestamente não considero isso um pecado, creio que é natural e até bom que autores copiem seus mestres no que eles fazem de bom — mas, meu filho, já que você está colando, pelo menos tire 10 na prova. E nem isso.

O autor paga mico, achando que está sendo o espertalhão quando na verdade a gente já entendeu o que ia acontecer desde a primeira linha. Ele se leva muito a sério e com isso perde a chance de ser, de fato, esperto. Ele não entende que ser randômico não significa fazer a coisa de qualquer jeito. O brilhantismo de Adams está justamente na loucura "ordenada", ou no mínimo lógica.

Ah, e se se essa é a ideia de roteiro do autor, nossa, então estou muito bem. O primeiro ato da história contribuiu para quase nada. A impressão que tiver é que o livro fora escrito por um adolescente. Cenas bem sem noção, que tentam ser engraçadas mas conseguem apenas ser o clichê do clichê.

O livro é um festival de "tell" em lugar de "show". Um exagero de cenas explicativas gratuitas. Além disso, o autor é claramente muito bom em world e lore-building, mas não em character-building. Tanto é que aquele que deveria ser o personagem principal, Max, não passa de um coadjuvante de terceira categoria. Quando a história finalmente pega no tranco no começo do Ato 2, a gente mal lembra que ele ainda está lá.

Enfim, ainda bem que foi de graça. Me assusta como esse livro teve uma recepção boa e ainda ganhou medalha de ouro em alguma premiação aí. Olha, vou te contar, é cada um que me aparece, viu?

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Resenha – Shibumi

TREVANIAH. Shibumi. São Paulo: Círculo do Livro, 1984.


Olha, não sei o que 2025 me reserva, mas em termos de leitura, se começou assim, já começou com o pé direito. E que pé direito. Comprei o livro num sebo em Brasília, melhor 17 reais já gastos. Devorei as 400 páginas em poucos dias, mal vi o tempo passar. Se no começo o livro me pareceu um clichezão, em pouquíssimo tempo ele me conquistou de modo que eu não conseguia mais escapar. Adianto-me, porém.

Embora no começo não fique claro, Shibumi é a história de Nikolai Hel, um rapaz de ascendência irlandesa e russa, que cresce no Japão da Segunda Guerra Mundial. Culturalmente um japonês, Hel cresce sem nacionalidade e se torna o mais importante assassino internacional de sua época. 

No livro, o autor foi muito inteligente em mostrar a sua história por meio de outros personagens, tanto é que um bom pedaço da primeira parte do livro é narrada do ponto de vista do vilão, que apresenta ao leitor quem é Nikolai Hel e qual a sua importância para a "Matriz", um conglomerado de empresas petrolíferas que exerce poder político e econômico sobre os outros países, tudo com vista a seus propósitos nefastos do lucro. Quando os caminhos da Matriz e de Hel se encontram, por causa de um atentado mal-sucedido que a Matriz encarregou a CIA de fazer, uma relação de vingança e ao mesmo tempo de dependência se sucede.

A narração é muito boa, embora em alguns momentos peque pelo estilo "best-seller" de escrita, aquele quase mecânico que se vê em muitas obras nas listas do The New York Times. Mas as cenas são muito boas. Aliás, não consigo deixar de ver algumas semelhanças com o Conde de Monte Cristo em alguns aspectos. Ambos têm um personagem fascinante que se capacita de tal forma que ficamos na ponta dos pés pra ver o que ele vai fazer quando finalmente puder agir.
Não caia no erro do artesão que se vangloria de possuir vinte anos de experiência na profissão quando, na realidade, só tem um ano... multiplicado por vinte. (p. 112)
Os personagens são fascinantes. Hel em si é quase um super-herói, dotado da capacidade de falar fluentemente japonês, alemão, russo, chinês, inglês e mandarim; além de ter uma espécie de sexto sentido que o permite identificar a localização de pessoas e objetos, sentido esse derivado da sua capacidade mística de meditação e autoconhecimento. 

Alguns personagens são bem caricatos, especialmente os vilões. Depois descobri que o autor era professor de cinema e teatro e acho que isso influenciou no jeito dele de criar algumas coisas, com cenas que parecem perfeitas para cortes de câmera e personagens que falam frases marcantes mas que, no fundo, não contribuem em nada a não ser para criar um estereótipo deles. 

Preciso citar aqui tanto o general Kishikawa quanto o professor do jogo "Go", Mestre Otake. Ambos muito bem trabalhados dentro da cultura japonesa, traduziram muito bem o estilo de vida e cultura daquele povo de um jeito fascinante. Merece também um destaque especial Beñat "Le Cagot", um revolucionário basco que, não consigo evitar, me lembra demais meu amigo Bruno. Tem outros que não citei, mas que um dia vou lembrar quando reler esse livro.

E já que me referi à cultura japonesa, não tem como não ficar impactado com a profundidade e simplicidade do "Shibumi", termo da filosofia japonesa que se torna a meta de vida de Hel. Nas palavras do próprio livro:
[...] shibumi tem a muito a ver com um acentuado refinamento sob uma aparência comum. É uma declaraço tão correta que não precisa ser ousada, tão mordaz que não precisa ser bonita, tão verdadeira que não precisa ser real. Shibumi é compreensão, muito mais do que conhecimento. Um silêncio eloquente. No comportamento, é modéstia sem prudência. Na arte, onde o espírito de shibumi assume a forma de sabi, é uma simplicidade elegante, uma brevidade articulada. Na filosofia, onde shibumi emerge como wabi, é uma tranquilidade espiritual que não é passiva; é o ser sem a angústia do vir a ser. (p. 81)
Talvez seja só eu, mas isso não é fascinante? Um estoicismo aplicado à vida que todo mundo poderia almejar? Não consigo deixar de pensar como esse livro ressoa. Faz tempo que um livro não me deixa pensativo depois que termino de lê-lo. Tanto a história como o conceito de "shibumi" são muito interessantes e muito bem trabalhados no livro.

Por outro lado, temo que o livro jamais sobrevivesse aos tempos atuais, onde não se pode falar nada. Tenho certeza que os leitores atuais achariam o autor racista, porque ele simplesmente não tem filtro nenhum e traz de forma explícita que pensa que árabes são menos capazes, que chineses e japoneses são "amarelos" ou ainda destacando personagens negros pelos seus fenótipos. O discurso e abordagem raciais são bem fortes e presentes por todo o livro.
[...] se desprezamos a beleza na nossa desesperada luta pela vida, então os bárbaros já terão vencido. (p. 100-101)
O livro é extremamento realista, não há dúvida. Se é caricato em alguns momentos, em outros é cirúrgico em mostrar o horror da humanidade. Toda vez que leio sobre a guerra fico movido por me deparar com a loucura da destruição humana. De gente que comemora a morte de outros, de pessoas procurando em pilhas de cadáveres os seus parentes. 

Na verdade, talvez eu deveria dizer que o autor é bem cínico em relação a governos de modo geral. Despreza-os todos, mas tem um desprezo especial pelos EUA, que considera extremamente materialista e cujo modo de pensar mercantilista um dia traria sua ruína. Os personagens deixam isso bem claro, embora a narrativa acabe sendo fatalista nesse ponto, abraçando o niilismo do inevitável. 
[...] uma das coisas mais difíceis para o homem egocêntrico enfrentar é o fato de ser ele um indivíduo insignificante em qualquer biografia que não seja dele. (p. 362)
Enfim, concluo com a inevitável afirmação de que esse livro é sensacional. Não é sem seus erros, mas eles de modo nenhum eclipsam tudo que o livro tem a oferecer. É uma leitura fluída, muito embora em alguns momentos a gente fique se perguntando por que diabos está lendo trinta páginas que descrevem tão somente a exploraçao de uma caverna por Hel e seu amigo Le Cagot. 

Minha única crítica verdadeira, talvez seja que o autor dedicou poucas páginas para descrever melhor a vingança de Hel e o final me pareceu um pouquinho corrido demais. Ora, já tínhamos investido tanto tempo com outros detalhes que não me importaria de ter visto com mais propriedade a última missão do personagem principal.

De qualquer forma, é um livro que vai ficar na estante e, com certeza, eu vou reler um dia, porque sei que no futuro vou querer viver essa aventura de novo. Eis por que eu leio. Ainda mais livros como esse, que mesmo depois de ler, ainda ressoam. Quero ouvir essa música de novo.