segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Resenha — A vida breve dos cães

FREDERICK, Elton. A vida breve dos cães. Goiânia: Mondru, 2023.


Tomei um susto agora quando fui procurar a imagem da capa do livro no Google. É que não sabia que esse livro foi finalista do Prêmio Jabuti de 2024. Gente do céu, se esse livro é o finalista, não sei o que esperar da literatura brasileira. Ou, sendo mais brando, não sei o que esperar do Jabuti, talvez. Enfim, a resenha.

O livro conta a história de Isaque, Cecília e Isabel, nessa ordem e de forma alternada. Eles vivem numa sociedade onde foi passada a Solução 79, onde sacrificam mulheres de 79 anos e usam seu sangue como cura para crianças que sofrem de alguma doença não especificada. O livro narra o dia em que Isaque tem que levar Isabel para a eutanásia forçada e o dilema sofrido por ele e Cecília. 

A premissa é interessante, mas, pelo amor de Deus, o livro é muito chato de ler. É um vai e volta desnecessário, a narrativa não é linear e além disso ainda muda de personagem com frequência. Tenho que gastar mais tempo tentando identificar o quem e quando do que me concentrando no quê da história (que foi o que eu realmente me propus a ler). 

Só depois que fica claro quem é quem, mas até lá já começamos a olhar o livro com o canto dos olhos. Até porque, embora a narrativa fique um pouco mais organizada, nem por isso se torna menos chata. Os personagens então nem se fala. É triste de ler. É que eles simplesmente não têm progressão: é a feminista sempre revoltada, o introvertido banana e a idosa fundamentalista. São pintados dessa forma e temos que aturar isso até o fim. 

Não bastasse isso, o que mata mesmo é a narrativa chata. Cheia de detalhes e causos que contribuem muito pouco pra história. O autor não cumpre sua parte no acordo e fica levando a gente pra caminhos obscuros sem propósito. Me parece que o autor quer criar uma atmosfera, um ethos próprio. É o tipo de livro que está mais interessado em filosofar e criar ambientes de impressão do que de fato fazer o que um bom livro deve fazer: contar uma história

Esse é o tipo de livro que dá raiva de ler, porque a gente sente que só perdeu tempo. Pronto, taí. É o tipo de livro que professores obrigam alunos a ler e depois eles pensam: "Se leitura é isso, nunca mais eu quero ler na minha vida".

Pra se ter uma ideia, a história começa a ficar interessante na página 239, quando já se passou mais de 80% do livro — e se parar pra pensar, é exatamente nesse ponto que a história finalmente avança. Mas ainda assim esse ímpeto dura pouco tempo, porque logo o livro cai no marasmo de novo. Imagine aguentar 239 páginas de setup pra depois ainda não ser recompensado. 

Eu entendo o que o autor quis fazer, não é uma ideia errada; mas é que a execução foi péssima. Pra fazer bom uso da narrativa alternada, o autor precisa avançar a trama ao mesmo tempo em que usa as narrativas em tempos diferentes pra complementar o que acontece no presente. Tudo precisa contribuir para a história diretamente, não dá pra só ficar contando causos e pensar que isso preenche bem o espaço.

Pra não dizer que o livro não acertou em nada, acho que a temática, na medida do possível, foi bem representada. O livro tem um forte apelo à exaustão que muitas mulheres sofrem na sociedade atual. E ele é muito certeiro em mostrar a causa disso: a passividade masculina. Quando o homem não é o cabeça, a mulher perde a cabeça.

Mas é isso. Esse é o tipo de livro que me faz querer desistir de literatura contemporânea. Ainda bem que li outros esse ano que salvaram. É a vida.

domingo, 30 de novembro de 2025

Resenha — Knifepoint

ROBERTSON, Edward W. Kinfepoint. Kindle Edition. 2013.


O terceiro livro da série Breakers (primeiro livro aqui, segundo livro aqui) que consegui de graça na Amazon USA. O primeiro livro me pegou de jeito, o segundo achei ok. Nesse aqui, acho que o autor conseguiu recuperar o que tinha deixado de lado no segundo. À resenha.
"You are a very hard girl, Raina. Don't think that makes you the strongest." (p. 1104)
O livro narra o retorno de um personagem do primeiro livro, Walt, em sua jornada desde o México até o retorno à Califórnia, onde ele vai tentar eliminar o que restou dos aliens, a convite de um grupo de sobreviventes. Paralelo a ele, temos a história de Raina, uma garota que sobreviveu ao vírus sozinha e teve que ver seus pais adotivos levados por um grupo de sobreviventes com tendências imperialistas.

Como sempre, as duas narrativas se encontram no final (embora nesse aqui de modo mais discreto) e é bem satisfatório ver que o autor amarra as pontas soltas tanto quanto possível. Tem algumas forçadas na trama, mas não há dúvidas: o miserável é um excelente escritor. Talvez não seja uma literatura que vai mudar vidas, mas é uma leitura satisfatória, bem escrita, e que nos diverte.
It was marvelous, in its way, that it was easier to fight the aliens than to try to understand another human. (p. 1114)
Não tenho muito a dizer porque, em grande parte, o livro se assemelha aos outros dois da série, e imagino que os próximos também irão (a série tem oito livros!). Talvez valha mencionar que foi a primeira vez que o autor abordou alguma questão espiritual como parte do tema do livro (basta dizer que a Raina tinha seu próprio modo espiritual de ver o mundo). No mais, é sobrevivência, ver que os seres humanos são piores que os aliens, argumentos de que o ser humano está destruindo a Terra, etc, etc.

Infelizmente o defeito do livro permanece o mesmo. É que ainda neste livro percebemos a dificuldade do autor de fazer boas descrições no fim do livro. Acaba ficando latente demais. Tudo vira uma confusão, nunca dá pra entender direito o que está acontecendo, parece que o autor se perde nos labirintos que ele mesmo cria. 

Não obstante, o livro se paga. É bom de ler, meio cansativo em alguns momentos, mas ainda assim ficamos satisfeitos quando vemos a história se desenrolar. Gosto de livros que dão vontade de ler. Certeza que ainda vou ler esse autor no futuro. Até lá.

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Pergunta honesta: tem alguém aqui mesmo?


Esse será um post bem diferente.

Tenho esse blog há 7 anos e nunca me propus a nada demais com ele. Surgiu simplesmente porque eu queria ter um lugar centralizado onde guardaria todos os meus textos publicados (já faz um tempo que esqueci de fazer isso), mas que acabou se tornando um diário de leitura pra todos os efeitos.

Aqui eu simplesmente anoto o que achei dos livros que li. Não é uma leitura profissional, não é uma leitura especializada. É tão somente uma leitura honesta. Escrevo para mim, pro Gabriel do futuro vir aqui e lembrar "Ah, foi isso mesmo! Foi isso que achei desse livro". Se posto o link das publicações no Facebook e nos status do WhatsApp, é só porque se tornou padrão compartilhar as coisas que escrevo.

Tendo dito isso, desconfio que o Google está me enganando, e por isso fiz esse post. É que, por curiosidade, depois de muito tempo sem fazer isso, resolvi clicar na aba "Estatísticas" do blog. E os números que apareceram simplesmente não fazem o menor sentido pra mim. Veja você mesmo (favor clicar na imagem, coloquei o maior que pude):


Esse é o registro da quantidade de visitas que o blog teve. 
0 seguidores: faz todo o sentido pra mim.
306 postagens: ok, eu escrevo um bocado de coisa. Em média uns 40 posts por ano.
43 comentários: ok, volta e meia aparece alguém. 
Agora... 47k visitas nesse tempo todo?? 533 esse mês? 2017 (Duas mil e dezessete) no último mês?! 

Não, calma lá. Aí não pode ser. A única explicação é que o Google tá me enganando. Mas o lance é que os outros gráficos parecem concordar com essa estatística. Olha esse, por exemplo:


Tá certo que visitas ao blog não são o mesmo que abrir um post, muito menos o mesmo que ler um post. Eu entendo isso. Mas, ainda assim... como é que mais de DUAS MIL pessoas passaram por aqui no último mês? É o tipo de coisa que não faz sentido pra mim. Esse blog não é nada, eu não sou ninguém. Mês passado eu só fiz dois posts, e ambos de livros que nem são conhecidos! Essa estatística só pode estar errada. 

Bom, fiquei claramente encucado com isso e resolvi fazer esse post pra tentar averiguar o que está acontecendo. Pensei em pedir pras pessoas comentarem, mas a verdade é que é meio chato de comentar no Blogger. Pensei em pedir para me mandarem mensagem no privado, mas isso também é muito trabalho na sociedade moderna e apressada de hoje. Então resolvi fazer o seguinte:

Por favor, clique no botão que está no fim desse post. Não é nada mais que um contador, é só pra eu ter uma noção real do que está acontecendo. E, sim, entendo que isso não será um teste real, porque talvez alguém tenha chegado no meu blog pra ver outro post, não esse que eu coloquei aqui. Mas isso foi a melhor solução que encontrei. Eu só fiquei curioso, é isso.

A pergunta é, de fato, bem honesta: tem alguém aqui mesmo?

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Resenha — Alice no País das Maravilhas

CARROLL, Lewis. Alice no País das Maravilhas. Arara Azul. Ebook. 2002.


Resolvi retornar aos clássicos e ler essa obra que é tão conhecida. Eu só não esperava descobrir que esse livro é uma absoluta loucura! Acho que nunca tinha lido um livro tão nonsense na minha vida — e olha que já li e sou fã de Guia do Mochileiro das Galáxias. À resenha.

A história já é bem conhecida. Trata-se de uma garotinha inglesa que, num dia a passear no campo com sua irmã, vê um estranho Coelho Branco correndo e entrando numa toca. Ela o segue e se vê num lugar totalmente misterioso, onde as leis da física não fazem sentido, e onde as pessoas fazem menos sentido ainda. Lá ela encontra o Gato, a Lagarta, o Chapeleiro Maluco, o Rei e a Rainha de Copas, a Falsa Tartaruga, o Grifo, Bill (o Lagarto) e vários outros personagens doidos.

Acho que nunca vi um texto que representasse tão bem o ponto de vista de uma criança. Embora tenha chamado isso de nonsense (o que, de fato é), talvez pudesse chamar de fantasia pura, onde as coisas não fazem sentido mas seguem uma estranha lógica interna, coisa que só criança tem.

Só pra dar um exemplo: em uma cena, Alice entra numa casa onde encontra a Duquesa. Esta tem um bebê nos seus braços, enquanto sua cozinheira está virando o zezeu na cozinha pra dar conta de tudo. Alice vê aquela bagunça e contempla a Duquesa cantando uma música para o bebê no braço. Mas então a Duquesa se cansa e arremessa o bebê no colo de Alice, se retirando da cena. Quando ela se retira, a cozinheira joga uma frigideira com óleo fervente na direção dela, mas erra. Alice então segura o bebê, mas percebe que ele virou um porco. Então ela solta o porco na floresta. 

O livro é cheio de loucura. Não tem outra explicação. Tudo é muito absurdo e maluco, as coisas que parecem fazer sentido, simplesmente não fazem. E isso fica ainda mais claro nos diálogos, que são um primor! O diálogo com o Chapeleiro Maluco é interessante, mas nem se compara aos diálogos com a Lagarta e o Gato. 
Ela esticou-se na ponta dos dedos e olho sobre a margem do cogumelo, seus olhos imediatamente avistaram uma enorme lagarta azul, sentada no topo da planta, com os braços cruzados calmamente fumando um narguilé, não dando bola nem para ela nem para mais nada. (p. 40)
É inevitável que façamos comparações com o filme da Disney que carrega o mesmo nome. Enquanto o filme omite algumas partes, é ao mesmo tempo surpreendentemente fiel. Na verdade, fiquei surpreso que a Disney conseguiu fazer um filme razoavelmente coerente a partir desse livro! A história é loucura total! Realmente o autor conta as coisas do ponto de vista de uma criança de um modo que não tinha visto ainda.

Já perto do fim do livro, Alice presencia um julgamento em que o Valete é acusado pela Rainha de Copas e o Rei preside o tribunal. O júri está todo reunido, e começam a chamar as testemunhas. Alice sugere que se chame a Duquesa, porém ela estava presa. Alice ficou curiosa para saber o que havia acontecido. O Coelho Branco explicou:
"Ela deu um murro nos ouvidos da Rainha...", o Coelho começou a contar. Alice disparou -a rir. "Oh, psiu!", o Coelho murmurou em um tom assustado. [...]" (p. 78-79)
De pontos negativos, ressalto que o livro tem muita música no meio (pequenas poesias infantis). Me pergunto se isso era característica de livro da época, porque lembro de ter visto isso na Sociedade do Anel e detestei (Tom Bombadil chato pra caramba), assim como detestei agora porque quebra todo o ritmo da narrativa. Tudo bem, entendo que é de outra época e escrito pra leitores de outro contexto — mas ainda assim me incomoda.

Além disso, é interessante ver como muitos dos personagens são orgulhosos. Estão sempre prontos a mostrar como são inteligentes ou espertos e como os outros são burros ou merecedores de chacota. Acho preocupante isso, mas entendo que é da natureza humana. Crianças também podem ser egoístas e más.

Enfim, o livro é sensacional. Adorei a leitura e valeu a pena. Como disse, parece que estava lendo um Guia do Mochileiro das Galáxias, mas do século XIX. Aliás, as aventuras de Alice conseguem ser ainda mais nonsense do que as de Arthur Dent. Acho que quem melhor resumiu tudo foi o Gato, e finalizo com as palavras dele:
"Mas eu não quero ficar entre gente maluca", Alice retrucou.
"Oh, você não tem saída", disse o Gato, "nós somos todos malucos aqui. Eu sou louco. Você é louca." (p. 59-60)

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Crônicas do cotidiano — XX

AEROPORTOS - III

Dessa vez não é tanto sobre aeroportos, mas sobre as coisas que as viagens em aeroporto nos proporcionam. É que pousei em Chicago e tive a oportunidade de ver a cidade pela janela. Uma reflexão se formou na minha cabeça.


Tenho um fascínio por pessoas e relações humanas. Acho muito interessante pensar na complexidade da vida e como cada vida é uma miríade de possibilidades, sonhos, vontades. 

Lembro que foi no começo da adolescência, quando pegava ônibus para visitar a Biblioteca pública de Roraima. Eu estava cansado, tive que andar bastante, estava quente, mas pelo menos eu estava indo pra um lugar com ar-condicionado. E de repente eu olhei para o ônibus lotado e tive a súbita realização de que todos ali tinham uma vida tão complexa quanto a minha. A senhora gorda do meu lado estaria indo pra onde? Aquele jovem com a bola, vai jogar em que praça? Aquele homem olhando pela janela com ar cansado, no que estaria pensando?

Desde então, não tive escolha senão contemplar as pessoas como muito mais que simples seres humanos, mas como verdadeiras vidas. Engraçado que foi justamente nessa época que se intensificou minha paixão por Érico Veríssimo, o autor que melhor capturou a essência da vida brasileira nos seus livros.

Tudo isso pra dizer que foi ali, olhando pela janela avião e contemplando a imensidão da cidade de Chicago, que tive novamente a mesma realização. Olha o tamanho desse assentamento humano. Centenas, milhares de pessoas. Quando na história teria se pensado em metrópoles tão grandes e complexas?

Via os carrinhos pequenos nas ruas, as casinhas que pareciam até de brinquedo, e não consegui evitar o pensamento, a curiosidade de conhecer as vidas que estavam dentro daquelas casas. Que dramas não se desenvolveriam naqueles espaços? Sorrisos e choros. Orgulhos e decepções. Naquela casa mora um idoso doente e solitário? Uma família com pais e filhos? O homem naquele carro está indo pra casa, pro banco? 

Tantas possibilidades e, ao mesmo tempo, todas elas reais. Pessoas que vivem, que enfrentam problemas, dúvidas,  pequenas e grandes alegrias. E pensar que era um país diferente, com pessoas diferentes, vidas diferentes. Mas, ainda assim, iguais. 

Quando penso nisso consigo entender um pouco por que Cristo morreu por e escolheu salvar pessoas. Trabalhar com gente é ruim, tem gente que a gente nem suporta. Mas, ao mesmo tempo, é bom. Seria isso um reflexo, ainda que deformado, do Deus relacional?

Acho que o problema de hoje em dia é a vontade ferrenha de apontar para as diferenças, quando na verdade somos muito mais parecidos do que somos diferentes. Precisamos todos da mesma coisa, tanto faz o lugar, o idioma, a condição financeira. 

Enfim.


terça-feira, 4 de novembro de 2025

Crônicas do cotidiano — XIX

PALAVRAS

Recentemente descobri uma nova expressão que caiu no meu gosto. Sou desses, me enamoro de expressões, canso delas, e logo as troco por outras que trazem de volta a novidade do primeiro amor, só pra depois me ver cansado delas e buscar novas. Um péssimo exemplo.

Gosto da versatilidade de "piriri". É um jeito fácil de falar sobre algo ruim, mas sem dar todo aquele peso. "Vish, ela vai já ter um piriri" é o tipo de coisa que a gente ouve, fica de olho na dita cuja, mas sabe que não vai ser aquele Deus-nos-acuda. Ou ainda "Isso vai dar um piriri depois" é como quem avisa que algo ruim pode acontecer, mas dá a opção da pessoa tentar e lidar com as próprias escolhas depois.

Mas "piriri" está saindo para dar lugar à maravilhosa "pipipi, popopo" (a última parte lê-se "pó-pó-pó").

Ouvi a expressão quando uma colega no grupo de escritores de Roraima disse que foi a um lugar tentar convencer as pessoas no comando a autorizar autores locais a venderem seus livros por lá. "Aí, vocês sabem como é, né? Falei com ela sobre a importância da literatura local, pipipi popopo, e deu certo."

Quando li aquilo fui tomado de um fascínio que não soube explicar. A expressão não é uma onomatopeia, ela não representa um som em si -- mas, ao mesmo tempo, sim. Trata-se da lenga-lenga tradicional do que já se sabe que vai ser dito e da reação que vai causar em quem ouviu. Sabe, pipipi popopo.

A expressão tem um carinho inerente a ela ao mesmo tempo que não cumpre função nenhuma na prática. Ela só preenche um espaço com um gesto linguístico cuja nuance é tão suave que só o português brasileiro pra ter uma coisa dessas. Se tirar da frase, o sentido continua totalmente o mesmo, mas quando acrescenta, traz um sabor totalmente diferente. Uma expressão que tem cara de Brasil.

Quando era mais novo adorava a palavra "maracutaia". Usava em qualquer ocasião. Supresa? "Gente, que maracutaia!". Dúvida? "Que maracutaia é essa?". Alegria? "E aí? Só na maracutaia?". Era outra palavra bem própria do brasileiro. 

Na minha época de representante discente na universidade, fazia questão de falar essa e outras expressões nas reuniões, ainda mais quando os professores mais sisudos compareciam. Eventualmente utilizava a variação "marmota", só pra variar um pouco.

Mas maracutaia caiu no meu desuso, passou-se o tempo dela. Deu piriri. Mas, sabe como é, né? Trata-se de um ciclo, da ânsia da novidade e do tédio de tê-la. Uma hora ou outra vou querer outra expressão, porque me canso dessas que já conheço. É aquilo, né? A gente nunca tá satisfeito com o que tem, pipipi popopo.



domingo, 2 de novembro de 2025

Crônicas do cotidiano — XVIII

AEROPORTOS - II

O aeroporto de Chicago me surpreendeu negativamente nessa visita. Mas, honestamente, não foi culpa dele, mas da United Airlines.

Esses aeroportos mais ao norte, pelo menos na minha experiência têm os melhores Port of Entry para os EUA. Digo isso porque os aeroportos mais próximos do Brasil (Orlando, Fort Lauderdale) ou mais conhecidos (Los Angeles, Nova York) geralmente têm um trânsito de estrangeiros muito intenso. Já chegamos a gastar uma hora inteira na fila da segurança em Orlando. 

Mas Chicago ou Minneapolis, por exemplo, raramente são destinos turísticos mais procurados. Como resultado, as filas são bem menores e os agentes de imigração são mais solícitos (pelo menos na maioria, quando está tudo lotado não dá pra contar com isso), o ambiente de modo geral é mais leve e agradável. 

Sem falar que tanto Chicago quanto Minneapolis têm aeroportos fantásticos e completos. Chicago tem metrô que passa dentro do aeroporto, é só pegar e dá pra visitar a cidade quando a escala for longa. Minneapolis é muito bonito e equipado, um verdadeiro shopping. Acho que Minneapolis ganha de Chicago só porque este último me parece ter um trânsito maior de aeronaves. Como resultado, é comum o avião pousar mas ainda ficar uns 15-20min taxiando antes de conseguir de fato desembarcar os passageiros.

Já escrevi sobre Chicago e Minneapolis antes e minhas impressões sobre as cidades (nesse post aqui), então vou só lembrar que tenho uma quedinha por Chicago porque ela é meio bagunçada. Ou seja, me lembra o Brasil.

Meu único desagrado nessa viagem foi que a United primeiro me colocou no portão B-12. Caminhei até ele, me estabeleci por perto e... vish... mudaram para o E-14. Ok, 15 minutos de caminhada, vamos para ele. Cheguei, estabeleci-me... acho que não tinha dado 20min que eu havia chegado... vai pro C-30, 20min de caminhada. Olha, foi de lascar. Pra quem á viajando desde a 1 da manhã, a última coisa que eu queria era fazer cardio em aeroporto.

Só vou perdoar porque cada caminhada dessa foi um passeio. Teve dinossauro, enfeites bonitos no teto, e até um corredor comprido meio psicodélico. Apesar da chateação, a peste do aeroporto é tão bonito que acabei passando pano. 

Enfim, finalmente estou no portão certo, a tia está anunciando que vai começar o embarque. Graças a Deus.




sábado, 1 de novembro de 2025

Crônicas do cotidiano — XVII

AEROPORTOS - I

Depois de uma noite de sono muito mal dormida, mas estando estranhamente descansado e disposto, resolvi que seria interessante registrar algumas impressões das muitas viagens em que me meto. Aeroportos me são cansativos, então por que não falar deles.

Primeiro, é que muito me causa espécie (velho Ministro Barroso) como um embarque internacional pode ser tão ruim num aeroporto. Naturalmente me refiro a Manaus. 

É um espanto da natureza que na segurança haja apenas UM guichê para receber todos os 300 passageiros que vão embarcar. É evidente que vai se formar uma fila monstra e as pessoas vão ficar impacientes (ainda tem o lance também de que o brasileiro de modo geral não conhece as regras de viagens internacionais -- o que atrasa ainda mais o meio de de campo). 

Além disso, queria entender por que se faz tanto concurso público pra Polícia Federal e quando chego lá só tem UM guichê na imigração aberto. Verdade seja dita, havia cinco guichês, mas só um funcionando. Faz uns três anos que passo por esse embarque internacional umas duas a três vezes por ano e nunca tem mais que um guichê. Novamente, é evidente que vai se formar uma fila monstra e atrasar o embarque de todo mundo. 

Fico me questionando se isso é um reflexo de Manaus ou do Brasil de modo geral. O descaso assusta um pouco, especialmente quando percebemos que o povo se acostuma com ele. É meio absurdo, mas o que para uns é um espanto da natureza, para outros é só mais um dia no aeroporto.

Em suma, cheguei no Aeroporto à uma da manhã e quando fui embarcar já estava na última chamada — às 3h da manhã. Eu hein, meu povo. Já não bastasse esse horário maldito de voo, ainda se tem que lidar com a incompetência generalizada. 

É triste, é triste.

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Resenha — Livro sem nome

PASSOS, Paulo Henrique. Livro sem nome. São Paulo: Patuá, 2023.


Da categoria "livros que decepcionam" e "Meu Deus, por que eu gastei dinheiro com isso", somado a "Poxa, o começo foi até bom" e "Engraçado que colocaram só o começo como amostra grátis". Enfim, a resenha. 

O livro conta a história de Layla, se é que podemos dizer que conta a história. Primeiro preciso reconhecer que o autor faz um excelente uso da técnica de revelar o personagem sem precisar sequer usá-lo. No começo, somos apresentados à Layla sem nunca ouvi-la falar ou agir, simplesmente vemos como as pessoas ao seu redor falam ou reagem a ela. Isso foi muito bem feito e foi o que capturou minha atenção. Porém, logo a gente vê que tem algo errado. 

No afã pós-modernista, onde não se conta uma história, mas insere-se o leitor numa "experiência", o livro vai perdendo a mão. Layla resolve parar de falar (porque sim), depois de ouvir, de ver, até ficar incomunicável e no fim do livro resolver falar. Tudo isso porque sim. Não tem nenhuma explicação maior, não tem mal uma exploração bem feita.

São vários os problemas do livro. Primeiro que vai ficando cada vez mais místico e sem sentido. De repente já não tem mais narrativa, é puro lirismo em prosa sem nem fingir. No fim tenta consertar, mas já é muito tarde.

Assim, eu até entendo que a ideia do autor era usar a estrutura do livro e fazer a história perder cada vez mais a sanidade porque é uma meta representação da personagem apresentada na primeira parte. O problema é que isso é uma quebra de contrato com o leitor. Não há transição, não dá nem tempo da gente se importar direito com a personagem, mal somos apresentados a ela. No fim, quando o livro volta ao contrato inicial, já nos sentimos traídos e que perdemos nosso tempo.

Justamente por causa dessa falta de trabalho com a personagem, o livro sofre com coerência também (coesão? Ou verossimilhança? Não sei ao certo a palavra). É que a personagem Layla, a muda por escolha, é tratada como se fosse uma espécie de grande guru no fim das contas. Como se o seu silêncio voluntário por toda a vida tivesse trazido a ela uma iluminação especial ("ela ouve o silêncio", coisa do tipo) e depois que ela resolveu falar, tudo que dizia era ouro.

Se o autor pelo menos nos convencesse de que há algo espetacular no que ela fala, algo no mínimo curioso, quem sabe poderíamos dar o braço a torcer e ignorar a loucura momentânea que o livro nos jogou. Mas nem isso. Somos forçados a acreditar que os personagens estavam maravilhados com o que Layla dizia, que jornalistas e milhares de pessoas ficaram atentas para ouvi-la falar.

No fim das contas, pareceu que eu tava lendo um livro escrito pelo Menino do Acre. E mal escrito ainda.

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Resenha — Meltdown

ROBERTSON, Edward W. Meltdown. Kindle Edition. 2013.


Achei que começou muito bem, mas depois ficou cansativo. Essa é uma continuação da série "Breakers" que já resenhei antes, então não vou explicar a premissa, mas vou direto ao ponto do que achei.

Como falei, o começo foi ótimo. O autor entendeu uma coisa muito valiosa: não é preciso reinventar a roda quando se vai escrever uma sequência. Se a primeira fórmula funcionou e é sólida, não há problema algum em usá-la de novo. Dito e feito, a estrutura imita o primeiro livro e dá gosto de ler igualzinho o outro.

Creio que na primeira parte do livro o autor trata a morte de um certo ente querido de modo muito superficial. A vida dos personagens continua como se nada tivesse acontecido. Vejo isso como uma falha grave de verossimilhança. Se tem uma coisa que pode mudar as pessoas, é a morte. Em outro ponto, o autor traz no personagem principal um defeito difícil de narrar: inércia. Ele tem dificuldade de agir, medo, preguiça. Em tese, esse problema é grande demais para usar em uma narrativa, porque impede a história de ir adiante. Mas devo dizer que o autor fez muito bem, forçando o personagem a agir, indo contra sua própria natureza

Ressalto que, mais uma vez, o autor acerta na transição da normalidade para o caos. Em muitas histórias de fim do mundo, tudo é muito abrupto, quase forçado; mas aqui soa muito natural (o que é ainda mais assustador). 

Quanto ao enredo, a princípio não estava muito animado em ver que a história vai só contar o mesmo do primeiro livro, mas sob outra ótica. Gosto de ter novos personagens, mas preferiria vê-los em novos eventos. Mas conforme fui lendo, mudei de ideia. A narrativa do cara é simplesmente boa demais. E o fato de que eu já sei o que vai acontecer (em certa medida), na verdade me traz uma nova camada narrativa: é que eu estou um passo à frente dos personagens, e fico curioso pra saber o que eles vão fazer frente aos acontecimentos.

A princípio, o autor mantém os acertos, mas também os erros do primeiro livro. Narração e diálogos excelentes, mas descrição complicada e confusa em alguns momentos (e momentos que julgo serem mais cruciais ainda por cima).

E pra mim foi no enredo que surgiram os problemas, porque eu acho que o autor mudou as regras do jogo do meio pro fim do livro. Se ele ia contar a mesma história do primeiro livro, beleza, eu compro a parada. Mas de repente ele continua a história sem considerar bem os eventos do primeiro livro, aí me perdeu.

Me perdeu porque mudou todo o teor da história. De repente não são mais humanos vs aliens, mas humanos vs humanos. Aquela velha ladainha de que os humanos são tão ruins que além do perigo externo, precisam lutar entre si. A premissa é ainda interessantezinha até, mas me perdeu. Não queria ler uma história de sobrevivência dessas, quando o próprio autor me propõe uma coisa diferente no começo.

Enfim, dei graças a Deus quando terminou. Deixaram um gancho no epílogo, trazendo de volta um personagem do primeiro livro, mas, honestamente, por enquanto não quero nem saber. Quem sabe no futuro eu termine essa trilogia. Por enquanto, fica lá na estante do Kindle mesmo e olhe lá.


Leituras concluídas — não-ficção

Não vou fazer resenha, só deixar marcados aqui uns livros que li nas últimas semanas, pela ordem.


TRIPP, Paul. Vocação perigosa. São Paulo: Cultura Cristã, 2014.


LOPES, Augustus Nicodemus; LOPES, Minka Schalkwijk. A Bíblia e sua família. São Paulo: Cultura Cristã, 2011.


ELLEN, Nicolas. Autoestima, autoimagem, amor-próprio: como substituir biblicamente a autoadoração pela autoavaliação. São Paulo: NUTRA Publicações, 2013.


WILSON, Douglas. Alegria no limite das forças: a inescrutável sabedoria de Eclesiastes. Brasília: Monergismo, 2015.


POWLISON, David. Vencendo a ansiedade: alívio para pessoas preocupadas. São José dos Campos: Fiel, 2021.


________________. Falando a verdade em amor. São Paulo: Cultura Cristã, 2011.


Breve comentário:
  • Bom: "Vocação Perigosa" do Paul Tripp
  • Ok/conteúdo básico se já tem alguma leitura:o do Nicodemus, os dois do Powlison e o sobre autoestima (este último quase bom)
  • Ruim: o do Wilson sobre Eclesiastes

terça-feira, 23 de setembro de 2025

Crônicas que eu não deveria publicar — 5

AMIGOS SE VÃO E AMIZADES DESAPARECEM — EU NÃO SABIA

Eu tinha um grupo de amigos que cultivei desde o Ensino Fundamental, gente com quem eu me encontrava todo dia, com quem eu compartilhava uma boa parte da minha vida. A escola passou, mas seguimos com nossa amizade. Tínhamos um grupo de WhatsApp onde nos falávamos todos os dias, compartilhávamos memes, discutíamos assuntos do dia a dia. Devagar isso acabou, e eu percebi só quando já era bem tarde.

Todo mundo diz que isso acontece, que as pessoas mudam, e que eu mudo também. Mas a verdade é que eu não vi isso acontecer. De repente era só eu mandando mensagem no grupo, de repente era só eu puxando os mesmos assuntos, enviando os mesmos memes... e ninguém respondia.

Nas raras vezes que nos encontrávamos presencialmente, percebia que os outros amigos não estavam tão distantes quanto eu. É que eles ainda se encontravam, ainda trocavam mensagens, desenvolveram outros círculos onde ainda estavam juntos, ou simplesmente conversavam entre si. Estranho pensar assim, mas a verdade é que fui devagar sendo deixado de lado. Não de propósito, claro. É que eles mudaram, mas mudaram juntos — e eu continuei o mesmo.

Nas fotos das redes sociais, eles aparecem juntos. Acho que minha presença talvez nunca tenha feito muita diferença na vida deles, acho que eu precisava deles mais do que eles precisavam de mim. E talvez tenha sido um erro meu dedicar tanto tempo e energia a essas amizades (embora parte de mim não acredite nisso, não creio que eu tenha feito nada de errado). 

De repente ficou muito evidente que eu estava a todo custo tentando manter vivo um círculo de amizades que já tinha seguido em frente. Eu fiquei pra trás, vendo-os no espelho retrovisor do carro à frente. Fiquei correndo atrás do carro de um jeito que ficou até feio, tentando forçar encontros onde ninguém aparecia, puxar conversa com quem não responde, enviar memes aos quais ninguém reage. Eles não fazem questão de mim, não posso querer que eles façam.

Acho que não tenho direito de culpar meus amigos por terem seguido em frente. Acho que não é com eles que estou chateado, mas comigo mesmo em não perceber, em acreditar cegamente que amizade é algo que você luta pra manter, que você cultiva. A intensidade é característica das Altas Habilidades, não posso exigir que os outros façam o que eu faço ou sejam como eu sou. Talvez, para alguns, o destino seja realmente ficar só. 

Bom, mas agora é seguir em frente, eu penso. Em vez de dar murro em ponta de faca, vou precisar cultivar novas amizades, encontrar outras pessoas com quem eu possa compartilhar minha vida. É triste ver amizades de 15 anos sumirem? Sim, é. Mas aparentemente amigos se vão e amizades desaparecem — eu só não sabia.



sábado, 6 de setembro de 2025

Crônicas que eu não deveria publicar — 4

DA VEZ QUE FIZ TESTE PARA AUTISMO, MAS O RESULTADO DEU OUTRA COISA

Tudo começou porque minha esposa adora ver as blogueiras do Instagram. E aí vem o algoritmo e o céu é o limite. Moda, dicas de culinária fitness, móveis, pintura, saúde mental. Neste último tópico, aparece de tudo um pouco também: ansiedade, depressão, TDAH, outros transtornos neurodivergentes como autismo... 


"Ei, espera aí..." ela pensa, enquanto assiste a um reel no Insta sobre autismo. "Meu marido tem várias dessas características! Ele não tem um bom trato social, anda na ponta dos pés em casa, tem uns comportamentos meio estranhos..."

Pronto. Depois disso, ela se convenceu de que eu era autista. Bastava eu fazer alguma coisa estranha em casa, ou falar alguma das minhas maluquices, lá vinha ela: "Autista!" ou então "Se bem que tu tem autismo, né?". Ela não falava para ofender, era só uma brincadeira. Mas eu estava convencido de que ela estava errada. "Eu não tenho autismo!", dizia. "Ah, tá", ela respondia, irônica.

Isso durou até o dia em que eu enchi o saco e me toquei que eu pago plano de saúde (e caro!). Pesquisei o que precisava e descobri uma excelente clínica aqui que se especializou em diagnósticos do espectro autista. Consegui um encaminhamento médico e fui bater lá na porta da neuropsicóloga. Agora a gente vai ver.


#Das consultas

Cheguei lá e já fui dizendo: "Doutora, eu estou aqui porque minha esposa acha que eu sou autista, e eu quero provar pra ela que eu não sou!". Ela sorriu e me fez várias perguntas. Sobre minha infância, se eu tinha dificuldades na escola, nas amizades, no trabalho... E a tudo eu respondia: "Pelo contrário". Sempre tive facilidade na escola, creio que faço amigos com facilidade, e de modo geral julgo ser eficiente no que me proponho a fazer, especialmente em relação às artes.

— Hum... interessante — ela diz, enquanto escreve algo na prancheta. — Gabriel, você já ouviu falar de Altas Habilidades ou Superdotação? 
— Ah... já... 
— Tudo bem. Nas próximas consultas vamos iniciar uns testes pra ver o que está acontecendo.

Durante o próximo mês e um pouco, voltei ao consultório várias vezes e fiz uma bateria de testes. Tinha de tudo um pouco. Tinha um que eram uns cubinhos e tinha que montar, outro era uma sequência de letras e números que tinha que decorar e repetir separadamente, e ainda alguns testes de personalidade. Uma desgraça. Eu chegava às 17h no consultório, depois de um dia inteiro de trabalho (em inglês!) e ainda tinha que fazer testes e testes.

Eis alguns dos testes que fiz: A) WASI - Escala Wechsler Abreviada de Inteligência para Adultos; B) WAIS-III - Escala de Inteligência Wechsler para Adultos; C) FDT - Teste dos cinco Dígitos; D) BDA- Bateria Diferencial de Atenção; E) SRS-2 – Escala de Responsividade Social adulto (autorrelato e heterorrelato); F) Teste Quociente Autism-Spectrum (AQ) Adultos; G) Escala de Avaliação de Ansiedade de Hamilton; H) Escala de Hamilton para Avaliação de Depressão; I) BFP – Bateria Fatorial da Personalidade; J) Inventário de Altas Habilidades e Superdotação para Adultos (Iahsa). Lista retirada direto do laudo que recebi.  



#Do resultado

Deu que eu sou retardado, mas ao contrário.

Primeiro que não deu autismo. Tive o privilégio de ser atendido por uma excelente profissional. Nas palavras dela "um único sintoma não é suficiente pra fechar um diagnóstico". Sei que é óbvio, mas hoje vivemos uma febre de laudos, de profissionais que nem se dão ao trabalho de fazer uma investigação adequada. Dr. Gabrielle Brito foi bem enfática em dizer isso — até porque, o resultado não é só pela observação, mas corroborado por todos os testes que fiz.

Autistas têm dificuldade em ler situações sociais de modo geral. Embora meu filtro social possa ser um pouco falho, não é suficiente pra explicar, especialmente porque tenho facilidade com relações sociais de modo geral. Mas se não é autismo, como explicar as características no mínimo peculiares que apresento?

É que, sim, sou neurodivergente. Meu cérebro interpreta a realidade de uma forma específica. Uma dessas formas é a hipersensibilidade. Eu ando na ponta dos pés porque o contato com o chão gelado me incomoda. Eu uso os dentes pra puxar a comida do garfo porque não gosto do toque do talher nos meus lábios. Costumo fazer e sentir coisas com intensidade, porque é assim que meu cérebro é.

Como já dei a entender, o resultado deu que tenho Altas Habilidades/Superdotação (o termo técnico é esse mesmo AH/SD). No caso, são Altas Habilidades Cognitivas e Criativas, Motivação e Determinação, bem como Habilidades Sociais e de Liderança. Cada pessoa com Altas Habilidades tem sua combinação de áreas, nem todo mundo é igual nesse sentido.

Não chego a ser um gênio. Detesto números que nos definem, mas um gênio tem um QI de 160 pra cima. O meu QI geral é de 127, enquanto meu QI verbal é de 138. A escala de QI engana um pouco, porque ela não é linear como intuitivamente se pensaria. Por exemplo, a média da população geral é de 100, então um QI de 127 ou 138 não parece muito distante da média. 

Mas aí quando você descobre que um chimpanzé tem um QI de 70, a coisa ganha outra proporção. A distância de um QI de 70 pra 100 é um abismo! Na hora eu não tive noção dessa diferença, por isso não acreditei quando a médica disse que um QI de 138 é maior que 99% da população na minha idade. Eu jurava que ela estava exagerando, mas aparentemente, neste quesito, esse QI é "extraordinário".


Aparentemente, minha velocidade de processamento, atenção geral, leitura e contagem também estão nessa categoria de 90 a 99% acima das pessoas na mesma faixa etária, bem como memória operacional e semântica. A única categoria em que estou na média geral da população é habilidade visuoconstrutiva (ou seja, sou ruim em coisas visuais, mas isso não é segredo pra ninguém).


#Tá, mas e daí?

Naturalmente, esta é a pergunta que se segue. Meus anos de formação já se foram. Eu já sou quem eu sou. Que diferença pode fazer esse diagnóstico?

A primeira coisa é que me ajuda a abraçar quem eu sou. Sim, eu sou meio louco, porque 99% das pessoas pensam diferente de mim. Isso não é um problema, como sempre pensei, é simplesmente quem eu fui feito para ser. Se minha força reside na criatividade, nas habilidades cognitivas relacionadas à linguagem, então é hora de fazer uso disso com toda a minha força. Esse é quem Deus me fez para ser.

Segundo, preciso entender minhas limitações e trabalhar nelas. Porque a velocidade de raciocínio é mais rápida que a maioria das pessoas, tendo a tratá-las com impaciência, como se elas tivessem a obrigação de ter chegado à mesma conclusão que eu, na mesma hora que eu. Acontece que sou neurodivergente, meu cérebro processa a realidade de modo diferente. Preciso aprender a respeitar o tempo dos outros, lembrando que o valor de um ser humano não está ligado à inteligência ou à velocidade cognitiva dele. O ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus, e merece respeito como tal. 

Terceiro, preciso estar ciente de todas as defesas psicológicas erradas que construí durante a vida. Como sempre fui diferente, passei a depender menos dos outros e cada vez mais de mim mesmo, criando a ilusão de que eu era autossuficiente. Acontece que ninguém é, e não fomos criados para ser. Além disso, minha busca por "iguais" ou "pares" sempre me deixou frustrado. Eu nunca encontrei ninguém igual a mim. Isso é pedir muito? Aparentemente, é sim. Tem 1% de chance de eu conseguir isso. Em vez de me render à solidão, tenho que aprender a amar e viver bem com as pessoas que estão ao meu redor, mesmo se elas forem muito diferentes de mim, começar a entender que as coisas não são só "sobre mim". 

Por fim, penso que o diagnóstico me abre os olhos para que eu possa ajudar outros. Quem sabe quantos outros com Altas Habilidades estão escondidos por aí? São de 3-5% da população, mas estão aí. Mesmo eu não tendo esse diagnóstico nos anos de formação, consigo ver que Deus ainda me permitiu fazer muita coisa. O diagnóstico não define, mas ajuda. Imagine o potencial que uma criança com Altas Habilidades pode ter. 


Categorizei esse texto como uma "crônica que eu não deveria publicar" porque entendo que a linha entre a arrogância e a autoconfiança é muito tênue. Não quero flertar com essa linha. Consigo ver que na minha infância e adolescência eu era extremamente arrogante e soberbo. Sob essa perspectiva, não foram tempos bons, e eu não quero voltar a eles. Esse diagnóstico é para me ajudar a ser uma bênção e ajudar outras pessoas, é isso. Que não passe disso. 

Deus, me ajuda a ser quem o Senhor me criou para ser: imagem de Cristo para brilhar a tua luz na vida de outras pessoas por meio de quem eu sou. Da criatividade, da loucura, da beleza da Tua glória refletida em mim. Soli Deo Gloria.

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Crônicas do cotidiano — XVI

DESVIO DE SEPTO

Dessa vez coisa mais simples. Apaguei tão forte que não lembro de quase nada, só me contaram as histórias depois. Eu acordando grogue e perguntando da enfermeira:

— Onde eu tô?
— Na sala de espera.
— Teve alguma intercorrência?
— Não, tudo normal.
— Meu nariz ainda tá bom?

Ela ri. Me puxam na maca por corredores que eu não consigo discernir, são só luzes e paredes brancas. Me colocam no elevador, minha esposa nos acompanha. Disseram que eu fiquei perguntando toda hora "como posso ajudar? Tem alguma recomendação?"

Chego no quarto e eles posicionam a maca do lado da cama. Não consigo entender bem, mas estão tentando me carregar. Ouço vozes.

— Assim não vai dar, tem que vir pelo outro lado, ele é muito pesado.
— Ei... — respondi, ainda grogue. — Estão me chamando de gordo!

Eles riem, me colocam em outra posição. Meio louco como estou, consigo sentir quatro pessoas agarrando lençol debaixo de mim e contando "1, 2, 3!". Eles me levantam e me arrastam para a cama, tudo de uma vez só. Eu disse:

— Eita, vocês são fortes!

Todos eles riem.

No mais, nada demais. Recuperação simples, um pós-operatório surpreendemente sem dor, só o desconforto do congestionamento nasal. Fica aqui meu agradecimento ao Dr Antenor Rodrigues e ao pessoal do Hospital Família Lotty Íris pelo atendimento ímpar! Da tia da limpeza, às enfermeiras, às nutricionistas, às psicólogas e assistentes sociais, ao pessoal da administração, todos extremamente solícitos, educados e procurando facilitar a nossa vida. Nos viam como pessoas antes de pacientes, muito obrigado mesmo.


segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Resenha — Breakers

ROBERTSON, Edward W. Breakers. Kindle Edition. 2013.


Mais um da categoria "achei de graça na Amazon" que se tornou um verdadeiro achado! Uma leitura que me segurou do começo ao fim, personagens muito interessantes, um enredo bem realista para o que se propõe. Enfim, vamos à resenha.

A história é a seguinte: era um dia normal. Em Nova York, Walt se perguntava se a namorada o deixaria de fato ou não; na Califórnia, Raymond e Mia se viravam nos 30 pra tentar pagar as contas e sobreviver em meio às dificuldades da vida. Até que um dia um vírus mortal mata quase toda a humanidade. E então os responsáveis aparecem para terminar a matança.

Trata-se, portanto, de um livro pós-apocalíptico em que a humanidade precisa sobreviver, lutando não apenas contra a natureza, mas contra a própria habilidade inata do ser humano de fazer o mal.
He didn't know when the last semblance of law had left the city, but he guessed it had been right around the same time they started stuffing the subway tunnels full of corpses. (p. 111)
No começo não botei muita fé na escolha narrativa de dois núcleos. Ou seja, em um capítulo acompanhamos a história de Walt em Nova York; no outro, a de Ray e Mia. Achei que isso se tornaria cansativo, mas foi o contrário: ficamos sempre alertas, porque o autor sabe deixar a gente com uma pulga atrás da orelha toda vez que um capítulo termina.

Pensando nos três pilares da escrita, tais como delineados por Stephen King, como já adiantei, penso que a narrativa é muito boa, embora eu creia que ele tenha falhado algumas vezes na questão da verossimilhança de alguns personagens. De qualquer forma, o autor sabe segurar nossa atenção, a leitura é bem fluida e os fatos narrados são interessantes, dá vontade de saber o que pode vir a acontecer depois. Inclusive, de certa forma, eu diria que o livro é até bem realista. 
All the dozens of sci-fi books and movies he'd absorbed over the years [...] and the best he could do was rip off one of the most widely-mocked solutions in the history of the apocalypse. (p. 305)
O segundo pilar, descrição, creio que é o ponto mais fraco do autor, em certa medida. Se por um lado ele faz excelente uso dos sentidos para nos fazer entrar na pele dos personagens; por outro, suas descrições de objetos e lugares deixam bastante a desejar. Num livro de ficção, se a descrição dessas coisas não for bem feita, o leitor fica perdido (coisa que aconteceu comigo, pelo menos na parte final). 

Em contraste, o autor se destaca no terceiro pilar, diálogo. São exímios, os personagens realmente soam como pessoas reais. Em certo ponto da história, uma pessoa foi resgatada e reclamou com seu resgatador: "Can't you steal a car?" (p. 232). O absurdo dessa pergunta na situação em que eles estavam é realmente uma bela demonstração da verossimilhança (ainda mais porque são estadunidenses). 

Quanto aos temas, creio que o autor é muito bom em ressaltar a resiliência humana, a vontade instintiva das pessoas de sobreviver, de explorar, de conhecer... e de ser feliz. Achei muito interessante ver como, mesmo diante do fim do mundo, as pessoas têm esperança e buscam aquilo que as ajuda a de fato viver. 
That was what life was about. Building times so good they felt like forever. (p. 278)
Enfim, mal consegui acreditar que encontrei esse livro de graça. E não só isso. Este é apenas o livro 1 de uma trilogia. Via de regra, não gosto de trilogias. Todo mundo quer ser o próximo Tolkien, e, claro, praticamente ninguém é. Desta vez, porém, preciso dar uma chance. É que eu preciso saber o que vai acontecer. Que livro!

domingo, 10 de agosto de 2025

Resenha — Entre lembrar e esquecer

PAZ, Mauro. Entre lembrar e esquecer. São Paulo: Patuá, 2017.


Caramba, estamos com uma enxurrada de livros bons nestes últimos tempos. Graças a Deus, estava precisando mesmo disso. Esse foi um livro que tinha uma amostra disponível na Amazon. Eu literalmente li a primeira página e nem continuei com a amostra: já comprei o livro, sabia que a leitura valeria a pena. 

É que o autor tem um jeito muito próprio de contar a história. É moderno sem ser moderninho. Faz uso dos elementos porque eles fazem sentido, não simplesmente porque quer usá-los. Olha só como começa o livro:
Depois de mudar para São Paulo, sempre que o telefone vibrava e na tela surgia o número de casa de minha mãe, eu esperava uma notícia de morte. Numa tarde de setembro a notícia chegou. (p. 5)
Em um único parágrafo o autor me traz que hove uma mudança para outro lugar, que o personagem principal tem proximidade ou carinho pela mãe (se ele tem, por que mudou?), e que houve uma morte. Foi isso que eu li e pensei: "É, não tem jeito, vou ter que comprar esse livro".

A história então é sobre um jornalista do Rio Grande do Sul que foi morar em São Paulo. Um dia ele recebe uma ligação de que seu sobrinho havia morrido e agora ele precisa voltar para Porto Alegre, onde vai ter que lidar não apenas com o luto da família, mas com as próprias relações familiares e os dramas que o fizeram um dia ir embora daquele lugar. 

O autor segue ao pé da letra um conselho que já vi em vários livros técnicas de escrita: não tenha pena do seu personagem, faça ele passar por tudo e um pouco mais. Olha, o autor seguiu o conselho à risca. De fato o personagem vai de mal a pior, e a gente torcendo por ele a todo momento. 
Mataram meu menino e, de repente, o colo ficou vazio. Parece que foi ontem. (p. 49)
O narrador faz uso excelente de uma narrativa não-linear. Acompanhamos a história presente, mas os mergulhos no passado não são sentidos como flashback, mas como pedaços de um quebra-cabeça que ajuda a construir o presente. Em suma, do jeito que uma boa narrativa não-linear deve ser. Aliás, a escrita é tão fluida que o autor só vai falar o nome do personagem principal na segunda metade do livro... e eu nem tinha percebido isso.

Ainda sobre estrutura, o autor é deveras esperto. Os capítulos curtinhos, alguns com poucos parágrafos, deixam a gente com a sensação de quero-mais toda hora e dão sensação de que conquistamos ou completamos uma pequena etapa. Ah, é só mais um pouquinho. E a curiosidade batendo, e a gente querendo saber, e vamo ler só mais um vai. 

Desde o começo fica evidente que o tema do livro é o luto. E que abordagem magistral do autor. Parece que estamos ao mesmo tempo longe e perto da cena. É uma sensação de desconexão presente, algo que quem já sentiu o luto sabe. 
Contra a morte não existe justiça ou vingança. A morte é a lei [...] (p. 5)
Se a morte é a lei, a invenção da arma de fogo foi uma emenda escrita pelo homem. (p. 67) 
A morte citada no começo do livro é do sobrinho do personagem: um menino negro que foi a uma festa num condomínio de elite em Porto Alegre e apareceu morto no dia seguinte. Ninguém viu, ninguém sabe. Polícia arquivou o caso como acidente e nem investigou. Boa parte do livro é o conflito que gira em torno de querer saber o que aconteceu de fato com o rapaz naquela noite. 

Daí é natural entender que outro grande tema do livro é o racismo. Creio que o autor soube tratar o tema sem proselitismo exagerado. Em alguns momentos, gostaria que ele tivesse me mostrado mais, em vez de só falar, deixar eu mesmo ter vivido ou sentido na pele um pouco do que o personagem passou, em vez de só apontar de longe. Mas confesso que, olhando pra trás, vejo que isso é mais preciosismo da minha parte. Não tem como negar que o autor soube abordar muito bem o tema. 
Entre a namorada branca e a família negra, mil e seiscentos quilômetros. Uma distância tão confortável quanto frágil. (p. 27)
E já que estou falando tanto de temas, lembro de ter lido em "O segredo do best-seller", que os bons livros tem um tema que compõe 30% do seu enredo, ficando os outros 70% divididos em outros 2 ou 3. Esse livro faz isso muito bem. Central é o luto. Acessórios são o racismo e os relacionamentos familiares (pais e filhos, irmãos, e até a paternidade em si), sendo que todos eles dialogam e reforçam o tema principal.

Talvez o mais triste de toda essa história, foi saber que o autor se inspirou em uma história real. Na noite de sábado, 27/04/2013, Eduardo Vinícius Fösch dos Santos, 17 anos, se despediu da família para ir a uma festa em um condomínio de luxo da zona Sul de Porto Alegre, na qual era o único convidado negro. Ele nunca mais voltou. Cinco horas depois do final da festa, gravemente ferido, foi levado ao HPS, onde morreu nove dias depois. Investigado como morte acidental pelo Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca), o caso sofreu duas tentativas de arquivamento, mas, por pressão da família, foi reaberto com dois indiciamentos e uma conclusão do Ministério Público: Eduardo foi assassinado. Notícia completa aqui.

Atualizações. 2024: a mãe morreu, sem ver a justiça ser feita (notícia competa aqui). 2025: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos, aceitou a denúncia contra o Brasil de violação de direitos humanos, tendo em vista que o caso começou em 2013 e hoje, doze anos depois, ainda permanece sem solução (relatório completo aqui). Pequeno spoiler de alguém formado em Relações Internacionais: não boto fé nenhuma de que a OEA possa fazer alguma coisa.
A narrativa mantém vivos personagens que nem existiram, como Quixote ou Brás Cubas, mas se tornaram mais concretos em nossas memórias do que milhões de pessoas que deram a vida para construir grandes cidades e quase nunca se colocam a narrar. (p. 69) 
Enfim, me peguei com pena de ler o livro. É que a leitura estava tão boa que eu não queria que acabasse. Foi aquelas leituras que doem, mas doem gostoso. Leituras que ficam ressoando na nossa cabeça mesmo depois que o livro já está fechado e guardado. Certamente fiquei curioso por ler outros livros do autor. Vi que ele lançou um em 2023, vai já vai entrar pra lista. Que leitura boa, meus caros.

sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Resenha — Se o medo tivesse um som

SANTOS, Rodrigo. Se o medo tivesse um som. Rio de Janeiro: Mórula, 2020.


Da categoria "livros grátis que encontrei na Amazon e resolvi dar uma chance", eis que me deparo com esta curta obra de um autor brasileiro. Confesso que até achei bonzinho!

A história trata de um delegado em São Fidélis, no interior do Rio de Janeiro, que se depara com uma série de crimes bizarros na pequena cidade. Com a ajuda de amigos e um misterioso pesquisador que aparece por lá, ele precisa desvendar quem ou o que está por trás do assassinatos macabros.

Achei o começo interessante. O autor traz uma cena familiar, razoavelmente intimista. Teria como polir um pouco ainda, mas funciona bem. O uso do "ghost" no personagem também é um bom atrativo (recurso narrativo em que o autor demonstra que o personagem tem um problema do passado que ainda o atormenta, mas não diz exatamente o que é).

Enquanto lia, pelo jeito como a história se desenvolve, fiquei tentado a classificar esse livro não como um romance, mas como um conto longo. É estranho falar isso pra um livro de 54 páginas, mas a trama é bem centrada, são poucos personagens, o texto é razoavelmente conciso... E qual não foi a minha surpresa ao ver o livro no site da editora e, ora ora, ele é classificado exatamente como um conto. Pelo menos meu olhar de escritor ainda presta pra alguma coisa.

No fundo, é uma historinha boa. Dá pra perceber que o autor não tem uma voz sólida ainda, algumas falas são meio sem nexo, algumas resoluções da trama são forçadas, os personagens precisariam de mais espaço pra se desenvolver, etc. Talvez um leitor desavisado se pegue decepcionado em ver que a história se resolve muito fácil.

Pra mim, creio que ela funciona. A partir do momento que entendi se tratar de um conto, acho que dá pra justificar as escolhas. Enxergo o livreto como um degrau em uma escada. Estaria disposto a ler outras obras do autor, acho que valeria a pena dar uma chance. 

Resenha — O último adeus de Sherlock Holmes

CONAN DOYLE, Arthur. O último adeus de Sherlock Holmes. Sâo Paulo: Melhoramentos, 2001.


Voltando às origens aqui. Lembro que eu tinha cerca de 11 anos, pegava minha bicicleta (ou a pé mesmo) e ia pra biblioteca pública de Roraima. Ali descobri o mundo da leitura. Lembro de uma vez que li 30 livros em um único mês. Foi ali que descobri este personagem que me inspiraria pelo resto da vida: Sherlock Holmes.

Neste livro, assim como todos os outros de Sherlock, temos uma antologia de contos narrados por Watson, com pequenas histórias que contam um pouco do personagem, da sua personalidade e, claro, dos causos criminais impossíveis de decifrar, a não ser que você tenha a mente brilhante de Sherlock.
Uma das fraquezas mais evidentes do meu amigo era a impaciência com inteligências menores que a sua. (p. 41)
Honestamente, não há muito o que se falar aqui. A escrita de Conan Doyle é simplesmente boa demais. Não tem como. A gente fica vidrado, querendo ver o que vai acontecer. Sherlock é um personagem muito interessante, e ainda soma-se a ele o mistério próprio das tramas policiais... uf! Que belezura, meu povo.

Aliás, devo dizer que consegui deduzir vários dos mistérios. Não sei se é porque fiquei melhor nisso, ou, como falou minha esposa, eu gosto tanto do personagem que guardei as memórias no subscosciente e agora estou aqui me iludindo achando que sou o novo Sherlock. Talvez, talvez.
Precisamos lembrar do velho axioma, segundo o qual quando tudo o mais falha, o que quer que sobre, por mais improvável, deve ser a verdade. (p. 49)
Neste "último adeus" de Sherlock Holmes, a história mais interessante deve ser a última, em que vemos Sherlock envolvido em fatos da 1ª Guerra Mundial. De qualquer forma, é uma leitura que vale a pena, porque é tudo muito bem escrito.

Por fim, devo destacar que essa foi uma leitura especial pra mim. Foi a primeira vez que percebi que estava lendo pela última vez um livro. Eu não sabia, mas, para mim, este era de fato o último adeus deste Sherlock Holmes:


segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Resenha — Corredor do tempo

LOMAR, Adriana Vieira. Corredor do tempo. São Paulo: Patuá, 2023.


Então, né. Estou tentando me familiarizar com o que há de mais recente na literatura brasileira contemporânea. Um leitor atento vai ver que estou lendo muitos livros da Patuá, que é uma editora que despontou nos últimos anos e tem revelado muitos talentos. Não sei dizer muito bem se é o caso desse livro.

O livro se diz uma "novela", mas me parece mais uma breve antologia de pequenos contos em torno de uma menina e sua infância no apartamento 306, no Rio de Janeiro. São várias historietas de uma garotinha e seu lidar com fantasmas, familiares, irmãos e irmãs mais velhos, sempre acompanhada do seu palhaço de pelúcia, o Tico. 

O livro chama a atenção graças à narrativa da autora, que traz realmente a perspectiva de uma criança. As imagens são misturadas, eventos são um pouco confusos, e coisas que são importantes para adultos não fazem a menor diferença pra uma criança (como o fato de um homem ter cometido suicídio no quarto onde hoje a menina dorme). 

Há um aspecto lúdico muito evidente no jeito como a autora conta. Algo de meio turvo num mundo de adultos que fingem saber o que estão fazendo. Honestamente, apesar das dificuldades, foi isso que me fez ler o livro até o fim. 
As estações galoparam. O corredor continua no mesmo lugar: entre os quartos, o banheiro e a sala. O apartamento 306 ainda tem vista para tantos outros apartamentos, mas em nenhum deles há a teia de memórias de uma senhora cabeçuda. Continuo sonhando e tudo parece real. (p. 69)
Porém, embora eu tenha colocado bastante fé no começo, de repente o livro se tornou meio genérico. A voz ainda é algo bem único, de fato, mas só isso não basta, o conteúdo também precisa fazer valer. 

Ficou um pouco difícil estabelecer uma conexão com os personagens, especialmente quando a gente nem entende direito onde estamos. Ora me parece que a história se passa na Inglaterra, ora a autora me diz que é no Rio. Há uma desconexão tão grande entre alguns capítulos que fiquei me perguntando se não se trata de uma família britânica morando no Rio.

Além disso, embora em muitos momentos a narrativa seja quase "fofinha", em outros a autora parece que quer pesar a mão só pra mostrar que pode, uns palavreado nada a ver e que não contribuem em nada. Pra mim, isso só diminui a unidade e coesão do livro como um todo. 

Enfim, não é um livro que vai mudar a vida de ninguém, mas eu diria que pro fim ele se salva, tornando a leitura mais interessante de novo. Dei 3/5 estrelas na Amazon. No fim das contas, achei ok. É isso.