terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Crônicas que eu não deveria publicar — 2

Do caboco.

O caboco não é o caboclo, que você aprendeu na escola. O caboco é um outro tipo, que não tem a ver com raça, tem mais a ver com comportamento. O caboco em si é um estudo sociológico e antropológico completo, uma espécie que faz parte da fauna do Brasil. 

Pensando assim, podemos começar com a geografia e a localização do caboco. O caboco é um ser que está na América Latina de modo geral. No Brasil, ele é encontrado em qualquer lugar, embora sua presença esteja mais forte nas regiões Norte e Nordeste, além de espalhado pelos interiores desse Brazilzão.

O caboco é por natureza desconfiado e auto-inferiorizado. O caboco não se sente à vontade nos círculos mais altos da sociedade ou, por contraste e exagero, sente-se à vontade demais nestes círculos, deixando bem claro que não pertence a eles. O caboco, no fundo, tem ojeriza ao ridículo — situação na qual, não importa o quanto se esforce, ele sempre se vê.

O caboco quando fica em uma fila (e ele fica muito em filas) não se distrai com um livro, com um celular, com as notícias na TV. O caboco gosta de olhar as outras pessoas. Ele fica olhando, julgando, morrendo de medo de ser comparado a outrem e, ao mesmo tempo, comparando-se. O caboco tem olhos rápidos. Se ele percebe que alguém o viu olhando, tenta disfarçar e fingir.

O caboco tem medo de conversar. Ele prefere fingir que não viu, prefere fazer gestos com a cabeça, prefere até mesmo ignorar, a correr o risco de passar vergonha quando fala. Porque, novamente, o caboco não sabe falar — ou pelo menos acha que não sabe.

O caboco, no fundo, tem medo. E, na maioria das vezes, ele expressa seu medo por meio da raiva. Não que ele seja violento; mas seus modos transparecem sua agressividade. O caboco é a garçonete que detesta atender as pessoas, que nem encara as pessoas na mesa, que faz de mau grado porque, no fundo, ela nem queria interagir com aquelas pessoas. E isso não tem a ver com o cansaço do dia de trabalho — ela teria esse comportamento em qualquer outra situação: é a caboquice.

A caboquice então se manifesta nessas coisas. O caboco só se sente à vontade quando está com outros cabocos. E ainda criticam uns os outros quando um deles faz caboquice. 

Aliado à desconfiança natural, o caboco tem por certo que ele é impotente. O caboco se submete às mais diversas situações porque ele não sabe falar, então quem fala, bom... esse deve saber o que está falando. O caboco não sabe se comportar em diversas situações sociais, então, bem... aquele que sabe deve saber mais que ele. 

O caboco quando se vê numa situação de desvantagem, em vez de buscar a vantagem, resume tudo numa reclamação, solta impropérios de indignação, e volta pra casa com a certeza de que fez absolutamente tudo que podia fazer, porque, sabe como é né, as coisas são assim mesmo, vai fazer o quê?

Às vezes, quando em manada, o caboco solta a voz. O problema é que caboco com voz alta afasta outros cabocos. Então basta um começar a se evadir do local, de repente quem falou se vê sozinho e, novamente, diante do sentimento de impotência que lhe é natural.

A dieta do caboco é, na maioria das vezes, o que ele consegue ter. Mas, se em alguma situação ele tem acesso a comida diferente da sua, logo critica, pois aquilo não é comida de verdade. E não me refiro a pratos finos e exóticos. Até mesmo a culinária caboca de outra região pode causar no caboco um sentimento de estranhamento.

Enfim, o caboco é uma espécime tão natural do Brasil, que não está limitado a um recorte geográfico ou social (embora, como já argumentei, alguns recortes o tornem mais evidente). O caboco é parte da alma do Brasil, da América Latina.

E, neste ponto, talvez você se pergunte: mas de onde vem isso? Foram séculos de colonização? Mas então porque isso se manifesta em uns e outros não? Por que isso é tão natural para algumas pessoas e outras não conseguem sequer entender a razão desse tipo de ser? Afinal, o que fez do caboco um caboco?

Aí já são perguntas para os universitários. Antropólogos e sociólogos, se algum de vocês desenvolver uma pesquisa falando sobre isso, por favor entrem em contato, quero ler uma boa explicação sobre esse fenômeno. Mas por favor não me liguem, nem olhem diretamente pra mim, se possível nem falem comigo que fico nervoso. 

Desculpem, é minha alma de caboco.



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