sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Resenha – O Silmarillion

TOLKIEN, J. R. R. O Silmarillion. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.
[No começo] "Havia Eru, o Único, que em arda é chamado de Ilúvatar." (p. 9)
Isso que eu chamo de livro pra terminar 2021. Não apenas uma, mas quatro obras diferentes de Tolkien reunidas post-mortem neste livro organizado pelo seu filho Christopher Tolkien. São quatro grandes "baladas" ao estilo medieval, ou "poemas épicos", cheios de feitos grandiosos e aventuras de tempos antigos, narrados num estilo que lembra demais o Gênesis da Bíblia.

Sinceramente não tenho muito a dizer sobre o livro, senão que é fascinante. A capacidade do autor de criar algo dessa magnitude... uau! Não é só a origem de uma cidade, de um país, ou de um mundo; mas de um universo inteiro e com direito a detalhes sociais, políticos e culturais cuja influência é sentida em todo o desencadear da história. Ou seja, não fala só por falar.

Enquanto em Senhor dos Anéis eu achei o autor exageradamente prolixo (na moral, não me faz toda essa diferença saber qual é a cor exata do verde da grama!), já aqui eu achei que os detalhes servem muito bem ao propósito de nos imergir. 

Talvez isso tenha se dado pelo fato de que não há muitas cenas pra gente se cansar, o livro é quase todo narrações de narrações – e, o mais surpreendente: funciona! Como escritor, eu ainda não havia visto algo assim. Há pouquíssimos diálogos se pegarmos a obra proporcionalmente, e as cenas também muitas vezes se resumem a poucos parágrafos, deixando lugar especialmente para descrições e narrações.

Sobre a história em si, bem, por onde começar? Pela Música dos Ainur, cuja melodia foi iniciada pelo próprio Ilúvatar, tendo fim a criação de Arda e tudo o que existe? Pelas batalhas que ocorreram entre os Ainur e Melkor (um Ainur "caído") por causa da criação de Ilúvatar? Pela expulsão de Melkor para Arda, onde, na Terra-Média, ele passa a tramar pela destruição de tudo que é belo e foi criado por Ilúvatar, ocasião onde ele passa a se chamar Morgoth? Ou citamos os Filhos de Ilúvatar (os Primogênitos, ou Elfos, e Aqueles que vieram depois, os Humanos) e lembramos que eles são muito diferentes entre si, recebendo nomes conforme sua posição geográfica ou destinos? Ou quem sabe falar do servo mais fiel de Morgoth, Sauron, que permaneceu na Terra-Média depois que seu senhor foi derrotado?

Eu sinceramente não saberia por onde começar.
"Contudo, aqueles foram dias amargos, e ódio gera ódio." (p. 350)
Eu acho que apesar de estas serem histórias de criação, belezas e grandes feitos, na verdade elas são, no fundo, histórias de guerra (e não são assim todas as histórias dos homens?). Quando não há batalhas, a paz dura por um tempo e logo já estão se preparando para o próximo conflito, seja ele contra Morgoth, Sauron, ou até mesmo entre os povos: elfos contra elfos, humanos contra humanos, ou uma mistura disso com anões, orcs, dragões, etc.

Importante destacar que, como num bom livro de história, Tolkien não resume demais as batalhas e nos faz constantemente lembrar que a guerra não é bonita. Pelo contrário, é algo para se ter horror, porque dela só vem tristeza e destruição:
"E os orcs os decapitaram e empilharam suas cabeças como um monte de ouro à luz do pôr-do-sol." (p. 247)
As últimas páginas do livro sejam talvez as que mais interessem aos leitores, uma vez que é aquela mais diretamente ligada aos acontecimentos do Senhor dos Anéis. Ao abordar a cidade de Númenor e os dúnedain (humanos que foram escolhidos para morar na terra de Númenor e lá adquiriram grande sabedoria, riqueza e poder), ele traz revelações importantes não só sobre os antepassados de Aragorn, mas também como funcionavam as maquinações e maldades de Sauron.
"Essas palavras o próprio Rei pronunciou, mas elas haviam sido maquinadas por Sauron." (p. 355)
Neste assunto, também é interessante a menção à chegada dos istári (ou Magos) e o nosso favorito Mithrandir (como é conhecido no idioma élfico) ou, vulgo, Gandalf (como é conhecido entre os humanos). Já depois da aparente morte de Sauron após a queda de Númenor, é Gandalf que conversa com o elfo-rei Elrond e diz que:
"[...] quando os Sábios tropeçam, a ajuda costuma vir das mãos dos fracos." (p. 368)
Por fim, o livro termina com um senhor apêndice e glossário sobre os mais diversos termos no idioma élfico e até mesmo um guia de pronúncia de diversas palavras. Não dá pra negar que Tolkien era realmente um monstro da literatura, capaz de criar todo um idioma que soa tão bem e é tão completo. Só pra dar um exemplo, qual é a palavra para se referir a quando o Sol cintila na água da lagoa? Tolkien responde:
"[...] ele a chamava de Faelivrin, que significa o cintilar do Sol nas lagoas de Ivrin." (p. 268)
Bom, só dá pra dizer que o livro é realmente muito bom. É daqueles pra ser lido com calma, na certeza de que se está lendo algo muito bom. Não precisa rechear o livro de altas emoções em cenas épicas e mirabolantes. Não. 

Basta contar uma boa história.

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