segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Resenha — A camareira

PROSE, Nita. A camareira. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2022.


Comprei esse livro porque de repente me vi sem nada pra ler. Encontrava-me num estranho interregno em que não queria ler nada grande demais, nem algo pequeno demais. Uma leitura básica qualquer seria perfeita. E foi navegando na Amazon que encontrei esse livro por um preço razoável. Então vamos à resenha.

A camareira, como o nome sugere, conta a história de uma camareira de um grande e luxuoso hotel. Esta personagem, que tem mania de limpeza e dificuldade no traço social (parece uma forma de autismo, inclusive), certo dia encontra um grande empresário morto no seu quarto de hotel. Então ela se vê no meio de uma trama que envolve negócios escusos, gente perigosa, e suspeitas que recaem sobre ela.

Tratei o livro, a princípio, como uma mera leitura de entretenimento, aqueles livros básicos que se tornam bestsellers só porque usam todos os clichês. E, honestamente, o livro meio que é isso mesmo. Mas não posso negar que encontrei, algumas reflexões sutis e profundas em alguns momentos — ainda que não seja nada que saia demais do lugar-comum.
[...] a sujeira tem mania de se esconder embaixo das coisas, de se enfiar nos espaços. (p. 68)
O gênero do livro me parece meio confuso. Começamos acompanhando a história da camareira, do seu trabalho, seus medos e esperanças. Me pareceu que seria um drama contemporâneo. Mas das duas uma: ou a autora se perdeu, ou ela resolveu capturar o público usando de alguns clichês do gênero heist pra intensificar a trama. Honestamente não creio que isso é um problema tão grande assim, mas meio que rompe o contrato com o leitor e a gente se sente meio tapeado.

A tradução também me pareceu questionável em alguns momentos. Não li o original em inglês, mas em alguns momentos a leitura me pareceu pouco fluída ou entroncada mesmo. Ora a tradutora é bem informal, ora encontramos "ela retorquiu". Dá pra ler bem, é até tranquilo, mas volta e meia a gente dá uma pausa e tem que reler pra ver se entendeu mesmo, o que prejudica o fluxo da leitura.

Sobre os personagens e a trama em si, não achei nada do outro mundo. É bom o suficiente pra captar a nossa atenção, segue aquela regra básica de livros de entretenimento, os arcos são bem claros. Não sei até que ponto houve de fato consistência com a personagem principal, que oscilava entre alguns extremos que não faziam sentido com o que fora apresentado até então.

No fim das contas, é um livro médio, básico, mas que cumpre o seu papel. Diria que o livro, em sua totalidade, é honesto com o leitor ao proporcionar entretenimento e nos fazer mergulhar o suficiente na história para querer saber o que vai acontecer. 

É um livro que vai mudar a vida de alguém? Provavelmente não. Mas pra quem quer passar o tempo com uma leitura de boas, vale a pena. 

terça-feira, 5 de novembro de 2024

Crônicas que eu não deveria publicar — 3

Algumas coisas me dão pena. Conquanto eu entenda que o princípio da autodeterminação dos povos é essencial para uma vida em sociedade, isso não diminui em mim o sentimento de pena por ver pessoas vivendo uma vida que, a meu ver, é tão penosa.

Lembro da primeira vez que, depois de passar meses em Brasília por conta de uma viagem a serviço, voltei para Boa Vista. Era um voo da madrugada e foi um baque quando saí do aeroporto e recebi aquela lufada de vento quente de 30ºC às 2 da manhã. Tomei um susto ao perceber que aquela era a realidade da cidade, do povo que vive ali. Meu primeiro pensamento foi: "Meu Deus... como é que tem gente que se submete a isso?"

Sentimento parecido tenho agora que passei dois dias em Manaus. Me dá muita pena ver um povo que se acostumou à bagunça e à sujeira. Até mesmo nos lugares mais arrumados fica bem clara a falta de atenção com os detalhes, a falta de esmero e cuidado. É que eles já não enxergam mais.

É um povo que se acostumou ao caos do trânsito, por exemplo. Ser civil no trânsito é motivo para irritação dos motoristas. O certo é você tomar proveito, passar na frente, fechar o outro carro, dificultar para o pedestre. Os outros que esperem, nunca eu.

No começo me deu raiva, mas agora me dá pena. Porque a impressão que tenho é essa, que o povo se acostumou e já nem enxerga mais. A má vontade em ser atendido é outro ponto que ressalta isso. Já se acostumaram, não fazem nem questão de tentar fazer melhor. E os clientes já se acostumaram a brigar e reclamar. Já é parte da cultura local.

Minha mãe ama Manaus. Foi a cidade em que ela nasceu e cresceu, é um lugar cheio de nostalgia. Não importa quantos fatos nós apresentemos a ela, simplesmente prefere ignorar e se apegar às memórias e impressões que tem do passado. No passado isso me irritava, hoje me dá pena. 

Minha mãe tem todo o direito de gostar desse lugar. Gostar de verdade, sabe? Tem todo direito de ignorar a realidade e ser feliz com as boas coisas que ela encontra. Mas me dá pena. Porque no fundo, eu estou vendo ela viver uma vida penosa, dura. Ela enfrenta as dificuldades da cidade, e enfrenta bem, isso é louvável. Mas me dá pena saber que, ao fazer isso, ela está se gastando, se consumindo, e isso diminui o tempo que eu vou ter com ela.

Me dá pena em saber que, mesmo tendo a opção de ir para o que é bom, ela também já se acostumou com isso. E não só se acostumou, como até prefere. É triste, é triste. Mas é o que temos. 

Espero que eu também não me acostume com as coisas ruins, mas que sempre busque o que é melhor. É claro que não sei o que é melhor, acho que ninguém de fato sabe. Só não quero correr o risco de me acostumar com o que é ruim. Deus, me ajuda.

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Resenha — Blanco nocturno

PIGLIA, Ricardo. Blanco nocturno. Caracas: Monte Ávila Editora, 2011.


Comprei este livro há mais de 10 anos, na finada livraria de Santa Elena de Uairén, na Venezuela. Na época, custou-me 10 mil Bolívares (o que, na época, era o equivalente a 1 Real). Li o livro, mas não lembrava mais de quase nada e nem de ter entendido direito (na época meu espanhol não era muito bom). Por isso decidi revisitar a obra. Vamos à resenha.

O livro conta a história de um assassinato que ocorreu numa pequena cidade dos pampas Argentinos. Ali o portoriquenho americano Tony Durán morre, em meio a uma disputa familiar, dólares não declarados, e uma fábrica nos arredores da cidade. Acompanhamos a narrativa primeiro por meio do detetive Croce, e depois pelos olhos do jornalista Renzi, ambos acompanhados pelas gêmeas Belladona e o fiscal Cueto.
La perdición y el mal alegran la vida, pero lentamente llegan los conflictos. (p. 25)
A princípio o ritmo da narrativa me causou certo impacto. É como se fosse uma narrativa policial, mas sem pressa, sem ação, mas ainda com aquela pulga atrás da orelha, tentando descobrir como o crime aconteceu. Porém o autor dá um tiro no pé ao decidir trocar o personagem principal por outro no meio da trama, dando uma quebra terrível pro leitor.

Aliás, o livro todo tem essa morosidade. A impressão que tenho é que o autor não queria de fato escrever uma crônica policial. Ele queria fazer um ensaio sobre os pampas argentinos, sobre as paisagens, a população, a vida do campo e os dramas familiares dos grandes latifundiários. Porém, como isso não vende, ele colocou uma roupagem de trama policial pra enganar os bestas.

Esse é o grande problema do livro, ele quer ser filosófico, profundo, revelador da realidade argentina, mas sem dar o mesmo peso para a trama, justamente para o que leva o leitor a ler o livro. Isso me levou a achar o autor pretensioso, querendo ser o inteligentão, cheio de referências a outros autores e a clássicos. Soa mais como ensaio de um jornalista do que como um livro de ficção.
[...] vendió sus acciones a los inversionistas y nosotros perdimos el controle de la empresa. Lo hizo de buena fe, que es como se justifican todos los delitos. (p. 232)
No fim das contas, é preciso reconhecer que o autor tem certa qualidade na sua escrita. Mas as frases confusas, os personagens sem relevância nenhuma para a trama e, pior, o final sem resolução do crime só "porque sim" são de matar. Não é uma obra que pretendo reler, não creio que vale a pena.

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Resenha — Dinheiro

ARANTES, Márcia. Dinheiro. Edição Kindle, 2024.


Estava decidido a não ler esse livro, porque já tinha lido outras coisas da Márcia e nunca fez muito o meu estilo. Comprei para apoiar uma colega escritora. Mas aí terminei um livro, tinha nada pra fazer, abri o app do Kindle e dei uma colher de chá. Li como quem não espera nada. E me peguei lendo, lendo, lendo. Colher de chá virou colher de sopa, de repente era colher de servir. Vamos à resenha.

O livro conta a história de vários personagens que se encontram por acaso na cidade de Affonso Camargo, no interior do Paraná. Ali o corretor de imóveis Marcelo, o coach Lamartine, e os próprios habitantes da cidade terão que enfrentar uns aos outros e seus desejos ocultos por poder, dinheiro e vingança.
"Rico e pobre. Bom e mau. Puta e santa. Aqui, a gente não é nada." (posição 873)
De modo geral, a narrativa é fluida, a escrita da autora é simples e mordaz ao mesmo tempo, dura até. A narrativa é "multi plot", ou seja, tem vários personagens principais e acompanhamos a história pelos olhos deles de modo alternado. Também achei a introdução de personagens bem natural. 

As transições são bem feitas, a gente pula de um pro outro sem sentir tanto o peso desse salto. A autora deixa a gente constantemente curioso, ela sabe terminar as seções de modo que não fica aquele clichê do "oh, o que será que vai acontecer?", mas, ao mesmo tempo, a gente fica sim querendo saber o que vai acontecer.

Aliás, a narrativa tem o toque da autora. É inquietante, sempre parece que tem algo de errado no ar. O texto é exageradamente autêntico, soa único, soa como a autora (mesmo que eu não a conheça direito). Acho que foi isso que me fisgou tanto e me prendeu no livro, ver que era alguém real, humano, contando uma história. 

Isso fica nítido quando vemos as descrições, por exemplo, que me parecem desnecessárias, e até acho que muitas são supérfluas, mas não sei explicar por que elas me fascinam tanto. Me pego não só lendo, mas saboreando mesmo várias delas, me deixando levar e entrar na história.
Ele quis abrir, e como quis, para encarar os olhos amarelos do maior e mais perigoso arquétipo de poder, a águia que tanto pode levar uma nação ao status de maior do mundo quanto derrubar um homem fraco para baixo do poço mais fundo. (posição 1484)
Alguns erros de digitação passaram batido, mas é normal — e não me refiro aos erros propositais mencionados em trocas de mensagens de texto pelo celular (isso, na verdade, eu achei muito bom). Além disso, a meu ver, as notas de rodapé não acrescentam em nada. Algumas vezes até tiram a graça porque em vez de deixar o leitor deduzir sozinho, vai lá e expõe de mão beijada. Nenhuma das notas de rodapé explicou algo que já não pudesse ser inferido pelo texto — e até quando não dá pra inferir, a contribuição não é necessária porque o leitor não precisava saber daquilo pra entender o que está acontecendo na cena.

O livro é divido em três partes. Devorei a primeira parte, achei muito bem escrito e maravilhoso... até que cheguei na segunda e terceira partes. Aí começaram os problemas.

Primeiro, achei um tiro no pé trazer personagem novo logo no começo da segunda parte. É desgastante ter que se familiarizar de novo com alguém, isso foi um banho de água fria no ritmo do livro, que em vez de se intensificar, desacelerou demais, pra depois turbinar demais na terceira parte. 

A partir da segunda parte, há uma série de eventos forçados, que não têm construção natural ou qualquer indicativo, fica parecendo que foi só por fazer. Aí coisas que eram pra ter vindo pro leitor como um choque, soam como forçada de barra do roteiro. 

Achei grave também as súbitas mudanças psicológicas pelas quais as personagens passam. Do nada metade das pessoas vê o homicídio ou a conspiração como solução razoável para seus problemas. E pior que nem faz tanto sentido, tudo pode ser resolvido de outras formas, embora o roteiro tente mostrar que só tem uma. 

Os personagens que foram tão bem construídos e cativantes na primeira parte, com todas as suas contradições e absurdos, vão gradualmente tornando-se mais e mais caricaturas de si. A coisa se torna tão absurda que o vilão da história no final se torna vítima e a gente quase fica torcendo pra que ele consiga se safar.

Não tenho como negar que na terceira parte a autora soube trazer uma narrativa acelerada, até bem construída. O problema é que isso só intensificou os problemas que já estavam acontecendo na segunda parte, tornando os personagens ainda mais caricatos e os eventos ainda mais forçados. De repente todo mundo tem corda, faca, sabe amordaçar e amarrar o outro, com força e instinto pra matar. Impressionante.

Entendo a escolha da autora com os eventos da terceira parte; mas, pra mim, só teria justificativa se acontecesse no começo do livro e guiasse a trama. Não ajuda a resolver a história, só insere mais confusão. Além disso, quebra um pouco o contrato com o leitor, que do nada se vê imerso num outro tipo de gênero que o livro não se propôs nadinha até então. É interessante sim a mistura de distopia com apocalipse zumbi, até curti... mas não teve nada no decorrer do livro que apontasse pra isso.

Tanto é que as reflexões temáticas da terceira parte são até muito boas, mas desconexas do cerne da história, que saiu da ganância para a vingança, e depois largou toda a construção narrativa que fez e ficou só com um fiozinho da meada pra chegar no final. A terceira parte finge que o livro inteiro foi sobre dinheiro, quando a maior parte das motivações e tramoias foi baseada em vingança. E aí o tema é jogado pelos ares e o livro termina do jeito que dá.
A multidão voa para o dinheiro como águias atrás de sua carninha. (posição 2581)
Qual é a minha conclusão então. Creio que autora fez um excelente trabaho na construção simbólica do livro. As constantes analogias óbvias e implícitas sobre a águia e a galinha, coragem e covardia, dinheiro e poder, até mesmo o detalhe gráfico de usar a imagem de uma galinha nas transições de cena. Faz muito tempo que não vejo algo tão bem trabalhado assim, é nítido como a escritora ganhou maturidade com sua própria forma de escrever. É de ler e ficar com inveja de uma escrita tão poderosa. 

É justamente por causa disso que os problemas que apontei me doeram tanto, achei uma grande, grande pena (ba-dum-tss). Se tivesse mantido a mão sobre o roteiro e os personagens que teve na primeira parte, esse livro teria sido uma obra-prima, e olha que falo isso de um gênero que eu nem curto direito. Se considerar essas questões, creio que a autora se tornaria referência no seu gênero literário.

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Resenha — Crime e castigo

DOISTOIEVSKI, Fiódor. Crime e castigo. São Paulo: Abril, 2010. (Clássicos Abril Coleções, v. 1 e 2). 


Voltei. Dois meses de desânimo e leitura errante. Mas aqui estou e finalizei a leitura desse clássico de Dostoiévski. Estranho, deve ter sido o primeiro livro que li dele na adolescência. Mais estranho ainda foi ele ter me fascinado à época, coisa que não conseguiu fazer de novo agora. Vamos à resenha.

Primeiro deixa eu falar dessa edição da Abril. Não é o único livro que tenho dessa coleção, mas todos eles têm um ponto em comum pra mim: odeio essa capa áspera. Entendo a ideia dos editores, mas pra mim realmente não colou. O texto é até disposto de maneira agradável, o papel é a bom e a fonte é adequada (ainda mais considerando que dividiram a obra em dois volumes), mas o toque da capa é bem incômodo.

Como o autor dispensa introduções e não nego que sou muito fã dele (já inclusive fiz resenha de outras obras dele como Uma criatura dócil, Noites brancas, Gente pobre, O ladrão honesto e outros contos, O idiota, Notas do subsolo e Os irmãos Karamazovi), vale a pena a gente ir direto pro texto e eu explicar porque essa é a obra dele que menos gostei, embora os críticos a considerem sua obra-prima.

Em Crime e castigo acompanhamos a história do estudante Raskólnikov, que abandonou a universidade por causa da sua situação financeira e de saúde. Vivendo num estado deplorável, ele achou uma solução para mudar sua vida: cometer um crime. O que ele não esperava, porém, era o peso que esse crime traria sobre seu espírito e como isso destruiria-o ainda mais.
Mais tarde compreendi, Sônia, que esperarmos que todos se tornem inteligentes é arriscar-nos a perder muito tempo. Pude, depois, convencer-me de que tal momento jamais chegaria, de que os homens não podeiam mudar, não estando no poder de ninguém modificá-los. Seria inútil perda de tempo tentá-lo. Sim, tudo isso é verdade... É a lei humana... (p. 186)
A princípio, fiquei dividido com o ritmo do texto. Por um lado, noto que Dostoievski não se incomoda com frases longas. Talvez ele fosse um dos últimos espécimes de uma época em que frases curtas não eram necessárias para que livros fossem considerados bons e acessíveis ao público. 

A minha primeira impressão foi de que, uma vez que nos acostumamos com o ritmo de Crimo e castigo, a leitura fica bem mais agradável. A princípio achei-a lenta demais, porém creio que seja apenas reflexo de nossos tempos. Como disse, uma vez acostumado ao ritmo do autor, a história fica (à sua própria maneira) eletrizante.

Porém essa impressão não durou. Não só as frases longas e sem impacto direto na narrativa se tornaram mais comuns, como também o próprio enredo pareceu se perder. 

Na verdade, em alguns momentos me parece que Dostoievski esquece o fio condutor da história e traz várias cenas que me soam mais como "casos de família" do que narrativas que contribuem para o ponto central da história. Aliás, me parece que vários momentos intensos da história sequer se dão com o personagem principal. Certamente os verdadeiros críticos literários terão explicações para isso, mas eu, mero leitor, não fiquei convencido.

Quanto ao tema, bem, não é outro senão o tema central da obra de Dostoiévski: a condição humana. Na verdade, salvo engano Dostoievski era católico, mas me pergunto se ele não leu uma dose cavalar de Nietzsche antes de escrever Crime e castigo, porque em alguns momentos me parece que ele não só retrata a dureza da vida, mas a leva a extremos para reforçar seu ponto (refiro-me à história contada por Marmeládov no começo e todo o desenlace com sua família no decorrer do livro).

Enfim, não dá pra negar que esta é uma obra profunda, que Doistoiévski conseguiu retratar a alma, o espírito abalado de Raskólnikov de uma maneira sensacional. Tendo dito isso, porém, a leitura foi muito chata pra mim. Precisei fazer esforço em vários momentos. O final até anima, os últimos capítulos retomam a narrativa de um jeito interessante; mas pra mim não compensa o livro inteiro. Talvez fosse o caso do editor ter sugerido cortar algumas partes (eita que agora os críticos me crucificam).

Por enquanto, pretendo doar meu exemplar. Triste dizer isso, mas não creio que terei interesse em reler essa obra tão cedo e, quando/se tiver, vou comprar uma edição melhorzinha. Ainda gosto muito de Dostoiévski e ainda planejo ler sua obra completa. Por hora, porém, Crime e castigo não foi a melhor das leituras.

terça-feira, 30 de julho de 2024

Resenha — The Green Mile / (À espera de um milagre)

KING, Stephen. The Green Mile. New York: Pocket Books, 1999.


Vamos começar essa resenha logo falando a verdade: Stephen King é um safado. Não tem outro jeito de expressar. O cara faz a gente ficar tão envolvido com a história que já não temos escolha senão ler até o fim. Já não é uma questão de vontade, mas de necessidade

The Green Mile, conhecido no Brasil como "À espera de um milagre" é o livro que deu origem ao famoso filme de mesmo nome. Nem sabia que tinha livro, confesso. Foi só quando vi a capa que me interessei. Também nunca tinha assistido ao filme por inteiro, então deu pra curtir o livo tranquilo.

Aqui acompanhamos a história do policial penal (ou carceireiro) Paul Edgecombe, chefe do Bloco E da Penintenciária de Cold Mountain, e responsável pela execução de prisioneiros na cadeira elétrica. Aqui ele tem que lidar com prisioneiros, colega de trabalho incompetente que só está lá por contatos políticos, e ainda com suas próprias lutas pessoais.

É nesse context que ele conhece John Coffey, um homem negro condenado à cadeira elétrica por um crime terrível. Mas quanto mais tempo ele passa com Coffey e quanto mais coisas acontecem, mais ele questiona a si mesmo, no que acredita e defende. 

Confesso que o ritmo do livro me desanimou no começo. Não é que a história se passe num andamento lento, mas é que toda hora King narra dizendo "Olha e você nem imagina o que aconteceu depois" ou então "Eu achava que aquilo era o pior, mas depois foi pior ainda". E fica toda hora nisso de empurrando o leitor pra frente, sem de fato dar alguma boa sustância no meio tempo. 

E aqui eu posso dizer que King é um safado mesmo. Ele enrola, enrola, enrola, até chegar na página 400 pra revelar tudo e aí PAM! Somos fisgados de um jeito terrível. Não queremos continuar, mas já não temos escolha. Me peguei lívido de horror com uma cena e ainda mais horrorizado em perceber que não conseguia parar de ler. 
A man's mouth gets him in more trouble than his peckers ever could, most of the time (p. 23-24)
Enfim, não me surpreende que este livo tenha sido tão bem aclamado pela crítica, muito menos que tenha se transformado em filme. É realmente muito bom. No fim da história, o pilantra faz com que a gente sinta que "valeu a pena" ter esperado e passado por tudo. Eu gosto muito disso em King: ele resolve as coisas, não deixa pontas soltas de mais. Dá uma satisfação em terminar qualquer obra dele.

No fim das contas, não sei dizer se esse livro fica na minha estante ou não. O começo é muito lento e o final talvez seja intenso demais pra mim. Estranho pensar que um autor de livros de terror se deu muito bem aqui com um livro de drama. E ainda me fez chorar. O safado.  

segunda-feira, 8 de julho de 2024

Resenha — Ultima: The Technocrat War I — Machinations

ANDREWS, Austen. Ultima: The Technocrat War, Book I of III, Machinations. New York: Pocket Books, 2001.


Comprei o livro deveras desconfiado, porque não é sempre que gosto de me aventurar em séries e tenho muito pé atrás com livros que já de cara se propõe a ser uma trilogia. Febres de trilogia, especialmente entre autores desconhecidos, é uma desgraça. Ainda bem que, pelo menos nesse caso, eu estava errado.

No primeiro livro desta série, somos apresentados a um mundo clássico da fantasia. Temos cavaleiros, uma raça humanóide com traços bárbaros, homens-felinos, e humanos. Temos reinos em guerra ou em tentativas de diplomacia; tramas políticas, espiões, artefatos, vilões, mocinhos que não sabemos se são vilões ou não, e, como não podia faltar, magia.

Acompanhamos a história do cavaleiro Sir Gabriel Montenegro, e sua jornada em busca da Virtude e do reestabelecimento do seu título de comandante. Paralelo e concorrente a isso, temos a guerra entre reinos, espiões enviados em missões secretas para sabotar uma tentativa de diplomacia, e personagens que têm segundas intenções com suas atitudes e palavras.

O autor segue a cartilha dos livros de fantasia, com ricas descrições de cenários e personagens. Pra mim até rica demais em alguns momentos, beirando o clichê; mas entendo que isso é parte das regras do jogo da fantasia e provavelmente algo que o público alvo espera de uma obra desse gênero

O enredo do livro foi uma boa surpresa. É uma história sólida, que carrega a gente até o fim, com boas reviravoltas. As cenas são interessantes e bem trabalhadas, mas em algumas ocasiões me pareceu que as arestas delas ficaram muito rudes, poderia ter polido mais algumas transições.

Na verdade, pra mim esse foi o único ponto negativo do livro. É que deveras em mais de uma ocasião as cenas transitam entre fatos de maneira tão desconexa que fica evidente que é forçada do enredo pra fazer a história progredir numa determinada direção. Me parece que o autor queria forçar a conexão entre dois pontos e não se deu ao trabalho de construir uma boa ligação entre eles.

Ao mesmo tempo em que admiro a capacidade do autor em tecer uma teia com várias tramas ao mesmo tempo, me pergunto se ele não exagerou em alguns momentos. Tenho a impressão de que quando estamos investidos em uma linha narrativa, ele coloca outra no caminho e isso mais atrapalha do que ajuda. Todavia, novamente, isso é bem clássico do gênero, então pode ser que a maior parte do público-alvo não se incomode com isso.
"'I ask for nothing,' said Montenegro. 'Rather the Virtues ask something of me. Let us serve Valor and Sacrifice. They are the footsteps of a warrior.'"
O livro é honesto com a gente. O autor diz desde o começo que é parte de uma trilogia, mas não corta a história bem no meio de uma grande revelação. Na verdade, ele prepara bem o terreno pra nos incentivar a continuar a leitura. Senti que houve mesmo honestidade intelectual com o leitor.

Eu teria algo a falar sobre o sistema de magia do livro, mas talvez isso seja algo a ser dito em outra resenha, quando tiver conhecido mais sobre a obra. Por enquanto, talvez basta dizer que estamos diante de um sistema de magia soft e que tenho a impressão de que a magia vai fazer ainda mais diferença nos próximos capítulos da trama.

Acho que só vou conseguir comprar os próximos exemplares em Janeiro/2025. Não obstante, não vou esquecer dessa série. Acho que tive a boa sorte de encontrar algo bom pra ler.