segunda-feira, 26 de maio de 2025

Resenha — O clube de xadrez da morte

DONOGHUE, John. O clube de xadrez da morte. Rio de Janeiro: Rocco, 2021.


Esta foi uma daquelas gratas surpresas que acontecem quando pegamos um livro ao acaso e nos deparamos com uma boa história. Ainda melhor quando percebemos que o autor sabe o que está fazendo, sabe conduzir as cenas, sabe narrar de modo adequado, enfim. Vamos à resenha.

Trata-se de uma história fictícia, mas ambientada na Segunda Guerra Mundial. Acompanhamos a saga de Emil Clemént, um judeu francês preso em Auschwitz. Lá, seu talento com o xadrez vai garantir a sua vida e pode até salvar outros judeus da câmara de gás. Tudo isso enquanto lida com a dinâmica terrível do campo de concentração, onde prisioneiros maltratam outros prisioneiros e líderes nazistas mantém controle ferrenho sobre tudo que acontece.
A estrutura do livro tinha tudo pra dar errado, por isso me surpreendeu bastante que tenha dado certo. O autor opta por fazer uma narrativa alternada. Ao mesmo tempo em que relata os acontecimentos dentro do campo de concentração, também faz os personagens se encontrarem 20 anos depois para lidarem com os fantasmas do passado e seus próprios relacionamentos.

Esse é o tipo de estrutura que tem tudo pra ficar caótica ou clichê, mas preciso reconhecer que os cortes de cena são bem montados. Não parece que estamos acompanhando uma história e de repente vem um flashback; parece que estamos acompanhando a mesma história acontecendo em vários tempos simultaneamente.
Os outros prisioneiros começam a respirar de novo. Eles não se importam com quem o destino escolheu para morrer nesse dia, desde que não tenham sido eles. Não é porquetenham o coração frio por natureza. É simplesmente assim que as coisas são em Auschwitz. (p. 56)
O livro é evidentemente uma ficção histórica, mas nem por isso é menos real. A verdade é simplesmente que a guerra é um grande absurdo e a crueldade humana consegue ser ainda pior. A história, ainda que fictícia, retrata a realidade de Auschwitz — uma realidade absurda.

Também penso que boa parte do que torna essa história tão real são os personagens e as relações humanas presentes em toda a história. O livro não é sobre xadrez, sobre Auschwitz, nem mesmo sobre nazismo. O livro é sobre ser humano em tempos difíceis — sejam eles de guerra ou de paz. Sim, porque o livro nos convida a pensar se é possível ser humano em tempos de paz também, ainda mais uma paz marcada pelas atrocidades da guerra.
Mas o Häftling [prisioneiro] número 163291 fez pé firme.
— Sempre se tem uma escolha, Herr Hauptsturmführer [Senhor Capitão], caso se esteja disposto a aceitar as consequências. (p. 142)
Enfim, me deu pena quando o livro terminou, porque eu queria mais. Li até a última página, incluindo glossário, agradecimentos e comentário histórico, e ainda achei pouco. Como falei, foi um daqueles livros que me surpreendeeu muito e deu pena quando terminou. Livro bem escrito, emocionante, ressoante (que faz pensar)... nem parece literatura contemporânea.

Por mais livros que nos surpreendam.

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Resenha — Mind Machines

ZALES, Dimas. Mind Machines: Human++ (Book 1). New York: Mozaika, 2016.


Fico extremamente triste quando vejo um livro que tem potencial para ser bom, mas que é desperdiçado por insistir em obedecer a fórmulas do mercado do que é uma boa história. Infelizmente, a fórmula é falida e seu livro se torna apenas mais um entre muitos. Bom, vamos à resenha.

Neste livro de ficção científica, acompanhamos a história de Mike Cohen, um filho de imigrantes russos que mora nos EUA. Mike é multimilionário e investe parte de sua fortuna numa nova tecnologia chamada "Brainocytes", robôs nanotecnológicos que são injetados na corrente sanguínea de uma pessoa e vão para o cérebro, onde aprimoram os neurônios e a pessoa. Ele faz isso porque sua mãe tem Alzheimers e ele vê nisso uma chance de salvá-la.

Essa premissa me fez botar bastante fé na história, me pareceu que seria sobre família. Ele tem um parzinho romântico (Ada) que é uma cientista no projeto, um outro amigo russo rico (Mitya), e um primo considerado perigoso por seu passado criminoso (Joe). Porém isso não durou.

Preciso confessar que vejo que há certa maturidade na escrita do autor. Não foi à toa que os primeiros 55% do livro foram bem agradáveis de se ler. O cara realmente sabe escrever, não só os diálogos, a narrativa, mas até as elocubrações filosóficas sobre o uso de tecnologia e seus impactos na sociedade me fizeram pensar que este seria um bom livro de ficção científica, daqueles que fazem a gente pensar.

Porém, como disse no primeiro parágrafo, logo o livro caiu nos clichês. A mãe do personagem principal é raptada e de repente não estamos mais lendo um livro sobre família, virou uma história de ação estilo 007, onde agora personagens com cyber-poderes vão até a Rússia para invadir uma instalação militar e salvar a mãe do protagonista. 

Cara, deu pena ver isso acontecer. O livro perdeu toda a razão de ser, virou só mais um clichê porque (presumo eu) o autor pensou que talvez isso pudesse virar filme. É a única explicação que consigo pensar. Desperdiçou todo o potencial de explorar os limites da humanidade, de ver até onde a tecnologia pode realmente ajudar, de questionar o que torna o humano, humano.

Além disso (ou talvez, por causa disso) logo os personagens ficam em segundo plano, e só o que importa é a ação propriamente dita. Os personagens não evoluem, permanecem o mesmo do começo. Não há nenhum claro problema a ser consertado neles, o arco é apenas uma série de eventos (deveras, até interessantes em certa medida), mas que são apenas eventos.

Segue-se que só nos interessamos nos eventos, não nas pessoas, elas se tornam bem esquecíveis. O personagem principal apenas ganha mais poder por conta da experiência que viveu, mas psicológica ou moralmente não muda nada. Ou seja, fez toda a jornada do herói só pra voltar pra casa o mesmo que começou. Em outras palavras, fez a jornada por nada.

Enfim, é a tristeza de ver clichês e mais clichês. Daí a minha grande dificuldade em ler literatura contemporânea. Pra mim ela é toda igual. Quero estar errado, mas esse livro não está ajudando. Infelizmente não ficará na minha estante — mesmo sendo ebook.