sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Resenha — Se o medo tivesse um som

SANTOS, Rodrigo. Se o medo tivesse um som. Rio de Janeiro: Mórula, 2020.


Da categoria "livros grátis que encontrei na Amazon e resolvi dar uma chance", eis que me deparo com esta curta obra de um autor brasileiro. Confesso que até achei bonzinho!

A história trata de um delegado em São Fidélis, no interior do Rio de Janeiro, que se depara com uma série de crimes bizarros na pequena cidade. Com a ajuda de amigos e um misterioso pesquisador que aparece por lá, ele precisa desvendar quem ou o que está por trás do assassinatos macabros.

Achei o começo interessante. O autor traz uma cena familiar, razoavelmente intimista. Teria como polir um pouco ainda, mas funciona bem. O uso do "ghost" no personagem também é um bom atrativo (recurso narrativo em que o autor demonstra que o personagem tem um problema do passado que ainda o atormenta, mas não diz exatamente o que é).

Enquanto lia, pelo jeito como a história se desenvolve, fiquei tentado a classificar esse livro não como um romance, mas como um conto longo. É estranho falar isso pra um livro de 54 páginas, mas a trama é bem centrada, são poucos personagens, o texto é razoavelmente conciso... E qual não foi a minha surpresa ao ver o livro no site da editora e, ora ora, ele é classificado exatamente como um conto. Pelo menos meu olhar de escritor ainda presta pra alguma coisa.

No fundo, é uma historinha boa. Dá pra perceber que o autor não tem uma voz sólida ainda, algumas falas são meio sem nexo, algumas resoluções da trama são forçadas, os personagens precisariam de mais espaço pra se desenvolver, etc. Talvez um leitor desavisado se pegue decepcionado em ver que a história se resolve muito fácil.

Pra mim, creio que ela funciona. A partir do momento que entendi se tratar de um conto, acho que dá pra justificar as escolhas. Enxergo o livreto como um degrau em uma escada. Estaria disposto a ler outras obras do autor, acho que valeria a pena dar uma chance. 

Resenha — O último adeus de Sherlock Holmes

CONAN DOYLE, Arthur. O último adeus de Sherlock Holmes. Sâo Paulo: Melhoramentos, 2001.


Voltando às origens aqui. Lembro que eu tinha cerca de 11 anos, pegava minha bicicleta (ou a pé mesmo) e ia pra biblioteca pública de Roraima. Ali descobri o mundo da leitura. Lembro de uma vez que li 30 livros em um único mês. Foi ali que descobri este personagem que me inspiraria pelo resto da vida: Sherlock Holmes.

Neste livro, assim como todos os outros de Sherlock, temos uma antologia de contos narrados por Watson, com pequenas histórias que contam um pouco do personagem, da sua personalidade e, claro, dos causos criminais impossíveis de decifrar, a não ser que você tenha a mente brilhante de Sherlock.
Uma das fraquezas mais evidentes do meu amigo era a impaciência com inteligências menores que a sua. (p. 41)
Honestamente, não há muito o que se falar aqui. A escrita de Conan Doyle é simplesmente boa demais. Não tem como. A gente fica vidrado, querendo ver o que vai acontecer. Sherlock é um personagem muito interessante, e ainda soma-se a ele o mistério próprio das tramas policiais... uf! Que belezura, meu povo.

Aliás, devo dizer que consegui deduzir vários dos mistérios. Não sei se é porque fiquei melhor nisso, ou, como falou minha esposa, eu gosto tanto do personagem que guardei as memórias no subscosciente e agora estou aqui me iludindo achando que sou o novo Sherlock. Talvez, talvez.
Precisamos lembrar do velho axioma, segundo o qual quando tudo o mais falha, o que quer que sobre, por mais improvável, deve ser a verdade. (p. 49)
Neste "último adeus" de Sherlock Holmes, a história mais interessante deve ser a última, em que vemos Sherlock envolvido em fatos da 1ª Guerra Mundial. De qualquer forma, é uma leitura que vale a pena, porque é tudo muito bem escrito.

Por fim, devo destacar que essa foi uma leitura especial pra mim. Foi a primeira vez que percebi que estava lendo pela última vez um livro. Eu não sabia, mas, para mim, este era de fato o último adeus deste Sherlock Holmes:


segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Resenha — Corredor do tempo

LOMAR, Adriana Vieira. Corredor do tempo. São Paulo: Patuá, 2023.


Então, né. Estou tentando me familiarizar com o que há de mais recente na literatura brasileira contemporânea. Um leitor atento vai ver que estou lendo muitos livros da Patuá, que é uma editora que despontou nos últimos anos e tem revelado muitos talentos. Não sei dizer muito bem se é o caso desse livro.

O livro se diz uma "novela", mas me parece mais uma breve antologia de pequenos contos em torno de uma menina e sua infância no apartamento 306, no Rio de Janeiro. São várias historietas de uma garotinha e seu lidar com fantasmas, familiares, irmãos e irmãs mais velhos, sempre acompanhada do seu palhaço de pelúcia, o Tico. 

O livro chama a atenção graças à narrativa da autora, que traz realmente a perspectiva de uma criança. As imagens são misturadas, eventos são um pouco confusos, e coisas que são importantes para adultos não fazem a menor diferença pra uma criança (como o fato de um homem ter cometido suicídio no quarto onde hoje a menina dorme). 

Há um aspecto lúdico muito evidente no jeito como a autora conta. Algo de meio turvo num mundo de adultos que fingem saber o que estão fazendo. Honestamente, apesar das dificuldades, foi isso que me fez ler o livro até o fim. 
As estações galoparam. O corredor continua no mesmo lugar: entre os quartos, o banheiro e a sala. O apartamento 306 ainda tem vista para tantos outros apartamentos, mas em nenhum deles há a teia de memórias de uma senhora cabeçuda. Continuo sonhando e tudo parece real. (p. 69)
Porém, embora eu tenha colocado bastante fé no começo, de repente o livro se tornou meio genérico. A voz ainda é algo bem único, de fato, mas só isso não basta, o conteúdo também precisa fazer valer. 

Ficou um pouco difícil estabelecer uma conexão com os personagens, especialmente quando a gente nem entende direito onde estamos. Ora me parece que a história se passa na Inglaterra, ora a autora me diz que é no Rio. Há uma desconexão tão grande entre alguns capítulos que fiquei me perguntando se não se trata de uma família britânica morando no Rio.

Além disso, embora em muitos momentos a narrativa seja quase "fofinha", em outros a autora parece que quer pesar a mão só pra mostrar que pode, uns palavreado nada a ver e que não contribuem em nada. Pra mim, isso só diminui a unidade e coesão do livro como um todo. 

Enfim, não é um livro que vai mudar a vida de ninguém, mas eu diria que pro fim ele se salva, tornando a leitura mais interessante de novo. Dei 3/5 estrelas na Amazon. No fim das contas, achei ok. É isso.

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Resenha — Nem sinal de asas

DANTÉS, Marcela. Nem sinal de asas. São Paulo: Editora Patuá, 2020.


Que alívio, que alívio. Quando parece que tudo está perdido me deparo com uma belezura dessas. É difícil dizer que esse livro é um bálsamo, porque de bálsamo ele não tem nada; mas é. Porque é um sinal de que a boa literatura brasileira ainda está viva.
Toda resistência tem um limite, o seu era estar em carne viva. Ardiam camadas profundas dentro da pele. Ela era uma criança miúda e mesmo sem saber queria conhecer a sua força e até onde ela ia. (p. 32-33)
O livro conta a história de Anja (sim, é esse nome mesmo). Tímida, negra com manchas na pele, cresceu num prédio que um dia já fora um hotel de luxo. Ali teve amigos, dissabores, traumas, e sua mãe, Dulce. Aos poucos, as pessoas foram indo, foram indo, e ela foi ficando. De repente já não fazia mais falta pra ninguém. E então encontram-na morta, mumificada. Havia morrido há anos e ninguém tinha notado. 

Tudo nesse livro é impactante. A voz da autora é simplesmente sensacional. É que a autora tem voz. Ela fala como ela é, não como outro. Há certa honestidade em ler seu relato. Uma mistura de lirismo com prosa em alguns momentos, mas prosa, história, narrativa. Combinação muito interessante.
Os pés pra cima do carpete áspero e azul e o resto do corpo em cima dos pés. (p. 13)
A narrativa é um primor. A autora sabe honrar a inteligência do leitor. Ela expõe os fatos de modo não-linear e deixa pra gente juntar as peças. Às vezes nem sabemos em que tempo estamos ao certo; mas em lugar de confundir o leitor, a autora nos traz curiosidade.

No começo me perguntei se era proposital e depois cheguei à conclusão de que era sim. Há certa maestria nas frases curtas, nas sentenças com pontos finais seguidos, nas quebras de parágrafo que imprimem um ritmo bem próprio à narrativa. Se a personagem principal sente dor e faz coisas devagar, a narrativa sabe espelhar isso. O livro é um absurdo de bem estruturado.
Cuidar de idosos é conhecer o horror. É se despedir, dia após dia, da imagem romântica do velho sorridente na capa de um folheto de um lugar que só faz cuidar de idosos. (p. 71)
Tudo nesse livro é um doce meio amargo que é gostoso, mas ao mesmo tempo ruim. Os capítulos são duros e perfurantes, mas são tão macios e fluidos que a gente nem percebe. É quase impossível ler um capítulo e aquilo não ficar um gosto na boca, sabe? É meio que sem escolha que a gente fecha o livro porque aquilo fica ressoando ressoando na nossa cabeça. 

A gente torce por Anja, mas desde o começo a autora já diz que não vai dar certo, que não há por que ter esperança, é uma tragédia anunciada já no primeiro capítulo. Mas é tudo tão bem colocado que não temos escolha senão sentir simpatia pela personagem e ficarmos tristes quando as coisas dão errado.
E depois desceu de novo porque tinha que tomar as providências que se tomam quando morre alguém. Morria-lhe Dulce. (p. 100-101)
Um livro de meras 128 páginas que é capaz de ser tão marcante. Quando termina, não dá vontade de continuar, porque é triste, triste. Mas, ao mesmo tempo, é tão bom que a gente fica até a última palavra, lendo tudo, acompanhando tudo. Me diga se essa não é a sina da vida brasileira? 

Depois de ler e pesquisar na internet, percebi que não foi à toa que o livro foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura em 2021, na categoria Melhor Romance de Estreia, e do Prêmio Jabuti, na categoria Melhor Romance Literário. Faz absolutamente todo sentido. 

Que satisfação, aspira, que satisfação. Dá até vontade de ler mais literatura brasileira. Meus agradecimentos à autora. 

terça-feira, 22 de julho de 2025

Resenha — (In)fungível

MARTORELLI, Renato. (In)fungível. Patuá: 2022. Ebook.


Eu quero muito, muito dar uma chance à literatura brasileira contemporânea; mas ela não colabora. É triste dizer isso, ainda mais porque creio que esse livro tinha muito potencial. Bom, vamos à resenha.

O livro traz a história de dois personagens: Joseilton, um pobre esquizofrênico que mora na pobreza de São Paulo, e Brian Lyndon Johnson, um jovem britânico, rico e bipolar. A narrativa trata dos dois separadamente e elas se tocam brevemente no final. 

Aqui já começo a falar o que o livro tem de bom: o começo me fascinou muito. O jeito que o autor narra a vida de Joseilton é muito bom. Acho que é simplesmente porque o autor me parece honesto. Soa como se, ao contar uma história, ele simplesmente contasse uma história. Ainda se percebe um pouco de firula, mas dá pra relevar. Rapidamente eu já estava envolvido, não nego — até porque sou muito fã de drama urbano. 

Aliás, de modo geral, a capacidade de narração do autor é invejável. Cobre um tempo grande com poucas palavras e sem perder o leitor. Tem algo muito humano no que o autor traz. A lenta transição da doença de Joseilton é muito bem montada, tem um toque de frescor. Algumas circunstâncias são meio caricatas. Novamente, não é bem polido, mas é bom. 

Porém, o que o livro tem de bom acaba aí. No começo, achei que o personagem principal sofre do problema de ser muito passivo. O autor é tão suave com ele que o rapaz parece não ter traços firmes de personalidade. Algumas mudanças bruscas de comportamento, por exemplo, sem nenhum setup prévio, tornam o personagem menos crível. Mas isso era apenas a ponta do iceberg.

Enquanto o autor é ótimo em narração, é triste ler seus diálogos. Mas assim, triste mesmo. Mesmo. De dar raiva e pena ao mesmo tempo. Não parece duas pessoas conversando, mas dois bonecos sem vida humana. Se isso já era evidente na narrativa mal polida, nos diálogos é que se escancarou de vez. 

O autor testa a nossa paciência desnecessariamente. Enquanto na narrativa inicial temos algo de visceral e humano, na parte em que o personagem Brian é o principal, tudo soa artificial. Os personagens parecem os mesmos, são superficiais, a narrativa ainda é razoável, mas é o tipo de coisa que não compensa. 

Não bastasse a artificialidade dos personagens, o autor ainda consegue piorar a situação inserindo vários diálogos que não levam a absolutamente lugar nenhum. Os personagens do nada começam a discutir temas profundos, o que deixa evidente que o autor só queria filosofar e encontrar uma plateia pra seu blablablá. O autor usa isso como um recurso narrativo barato e é de tão mau gosto que salta aos olhos do leitor. 

Ainda no quesito personagens, parece que o autor só sabe escrever dois tipos de personagem: o indignado e o manda-chuva. O indignado se exaspera com tudo, fala palavrão, é um descontrolado que quer ter razão. O manda-chuva, por outro lado, é o que sempre fala calmo, que está por cima da carne seca. Todos, TODOS os personagens do livro preenchem esses dois papeis uma hora ou outra. 

Os personagens não são personagens, são marionetes que se encaixam nesses papeis. Não têm personalidade, não tem vontade, não dá vontade de ler. Na verdade, o autor, sem saber, se descreveu na seguinte citação:
[...] as suas letras denotam sentimentos forçados e desejos afetados, sem qualquer naturalidade e conexão com o público em geral. (p. 101)
Sabe, é triste. De verdade, dá pena. No começo do livro o autor traz uma abordagem única e fascinante: um personagem principal esquizofrênico. Aí quando retornamos a esse personagem esse traço é simplesmente ignorado (*emoji de palhaço*). Pior: até agora estou tentando descobrir qual foi  o propósito narrativo em inserir um segundo personagem principal da Inglaterra numa história que já estava tão boa com um personagem brasileiro.

De novo, não posso negar que o autor tem estamina. O cara tem fôlego pra escrever. Honestamente, é de impressionar que a pessoa aguente escrever 312 páginas disso e lidar com esses personagens por tanto tempo. Enfim. Foi bom enquanto durou, pena que durou pouco. Do meio do livro pro fim, o autor me fez (novamente) desgostar da literatura contemporânea.

sexta-feira, 18 de julho de 2025

Resenha — O vale dos mortos

OLIVEIRA, Rodrigo de. O vale dos mortos. São Paulo: Faro Editorial, 2014.


Novamente um livro que me foi doado. Geralmente não doamos coisas ótimas, talvez coisas boas. Por isso minha expectativa não estava tão alta sobre o livro, ainda mais por se tratar de um autor contemporâneo. Olha, que grata surpresa!

A história tem uma premissa atraente. Por milênios, houve um planeta oculto no Sistema Solar chamado Absinto. Ele passa perto da Terra e veem-se centenas, milhares de pequenos pontos brancos saindo da Terra em direção a ele: são as almas de dois terços da população mundial. Sem alma, os corpos dos que se foram se transformam em zumbis, e o último terço restante da humanidade agora tem que tentar sobreviver. 

A história se passa no Brasil (não surpreende, o autor é brasileiro), mais especificamente em São José dos Campos. Ivan e Estela estão no shopping com seus dois filhos quando o cataclisma acontece e eles se veem cercados de zumbis. Eles então precisam dar um jeito de sobreviver, ter acesso a comida, água, armamento, e tentar formar uma comunidade de sobreviventes para resistir neste novo mundo.

De acordo com Stephen King, os três pilares da escrita são narração, descrição, e diálogo. Os três são importantes, embora nem sempre absolutamente necessários. Este livro tem boa narração e razoável descrição, só peca nos diálogos

Infelizmente os personagens agem como pessoas reais, mas não falam como tais. São frases bem artificiais, com poucas exceções. Na maior parte das vezes, parece que o autor quer fazer os personagens soarem de um modo específico, em vez de simplesmente deixar eles falarem. Do meu humilde ponto de vista, esta é a marca de um autor iniciante. Não me surpreende que este seja o primeiro livro do autor (pelo menos acho que é). Mas, se isso é o que o autor faz de pior, mal posso esperar pra ver outras das suas obras!

Enquanto achei os diálogos bem ruinzinhos, não posso dizer o mesmo da narrativa e da trama. O autor consegue fazer exatamente aquilo que eu busco quando leio: ser transportado para outro mundo. De repente eu não estou mais sentado numa cadeira lendo o livro, eu estou lá em São José dos Campos, desesperado junto com os personagens, tentando entender como vamos fazer pra sair vivos dessa. 

É muito interessante ver que o autor conta a história sem pressa. Dá um pouco de agonia, mas acho que isso serve à historia. Aliás, tem muitos momentos de tensão, e dá vontade de continuar lendo — a marca de um bom livro. 
O som da metralhadora encheu o ar, deixando o resto do mundo em silêncio, por instantes. A maioria deles ficou atônita por alguns segundos. Então aquele era o som da guerra? (p. 193)
Sinto no livro alguns traços de Júlio Verne e Arthur C. Clarke, com aquela ficção científica hard, que buscava, de fato, argumentos científicos para embasar sua ficção (ainda que as explicações científicas fossem, naturalmente, meio absurdas). Tem um quê de informativo em alguns momentos, trazendo fatos sobre o local ou o ambiente que, no fundo, não acrescentam muita coisa pra história. 

Aliás, o livro tem muitas pontas soltas ou cenas que pouco contribuem. No começo elas me incomodaram, mas pelo pouco que vi na internet, parece que o livro tem continuação. Presumo, então, que muitas dessas pontas são trabalhadas nos outros livros.

Em termos de enredo mesmo, se o livro tem um defeito pra mim, é que os zumbis pouco influenciam na história. Sei que é estranho dizer isso, mas depois do embate inicial, os zumbis são como uma coisa qualquer. Por exemplo, ninguém sequer é mordido por um zumbi e se transforma. Os caras vão lutar contra os bichos sem arma de fogo... e ganham, tranquilos. Se o livro é sobre zumbis, esperava que eles tivessem uma participação mais efetiva na história.

Mas dá pra perdoar porque o drama humano é realmente a alma da narrativa. Isso é bem comum em livros de sobrevivência: dizer que o problema não está na catástrofe que tem potencial pra destruir a humanidade, mas na própria humanidade. Creio que o autor faz isso bem em certa medida. Tenho a impressão que ele ficou com um pouco de receio de pesar a mão nesse assunto; mas penso que o que ele fez, fez razoavelmente bem. 

Enfim, pra mim esse tem clara de um romance de estreia e, como já pesquisei, o autor tem outros livros. Se o cara consegue fazer isso num romance de estreia, mal posso esperar pra ver o que mais ele preparou! É até difícil de acreditar, mas estou animado pra ler literatura brasileira contemporânea! É de tirar o chapéu pro autor. 

quinta-feira, 3 de julho de 2025

Resenha — Os demônios

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os demônios. São Paulo: Martin Claret, 2020.


A sorte é que arrependimento não mata. Estava todo orgulhoso com minha meta de ler a obra completa de Dostoiévski, mas já me arrependi. Nem tudo na vida são flores. Meu Deus, que livro chato.

É até difícil dizer do que se trata a história. São tantos núcleos, e vários deles com tantos assuntos desconexos que não sei por onde começar. Nas primeiras duzentas páginas a gente acha que a história é sobre um escritor falido e sua relação platônica com a mecena que o sustenta; depois parece que a história é sobre o filho da velha rica; depois a história vira sobre o filho do escritor falido. Aí no final já não sabemos mais de nada.

O livro tem muitos problemas. Tem descrições e narrações longas que não contribuem em NADA para a história; tem diálogos sem fim que não chegam a lugar nenhum; tem mais de 700 páginas que, se fôssemos honestos, poderiam ser resumidas em 200 e estaria de bom tamanho. Esse livro é a decadência de Dostoiévski. Parece até Jane Austen de tão chato.

Li até o fim porque todo mundo disse que no final ele ficava bom, que valia a pena aguentar a chatice. Não acreditem nisso, é mentira! O livro ganha fôlego na terceira parte (terceira!), mas logo se perde, o personagem que nós acompanhamos é colocado de escanteio, outros surgem e o livro trata como se a história toda fosse sobre eles. É uma encheção de linguiça que nunca vi igual.

Não tem como fazer bons debates sobre os temas trazidos (revoluções, sociedade, niilismo, ateísmo, etc), porque eles ficam afogados no mar de coisas supérfluas. Tem algumas frases legais, algumas reflexões bem nível Dostoiévski... mas não dá vontade de citar, não dá ânimo. A gente se sente traído, enganado por ter desperdiçado tanto tempo.

É o tipo de coisa que não vale a pena. Não perca seu tempo com esse livro, vá ler Irmãos Karamazóv ou alguma das noveletas menores. É muito mais proveito de Dostoiévski.