domingo, 12 de janeiro de 2025

Resenha — Mountain of lies

EVANS, Jayne. Mountain of lies. Kindle Edition. 2016.


Ok, não sei nem por onde começar. Via de regra eu evito ler autores contemporâneos porque, me desculpem, muita coisa que tem por aí é simplesmente ruim. Se é verdade que democractizou-se o acesso ao mercado literário, também é verdade que com essa democracia veio uma enxurrada de autores medíocres, que publicaram só pra dizer que publicaram mas não têm qualidade nenhuma. Estou muito feliz em dizer que este não é o caso deste livro.

A história desse livro é um romance policial se é que tal gênero existe. A autora conseguiu mesclar muito bem uma história romântica entre Mia e Hudson, ao mesmo tempo que insere nisso um bocado do suspense e adrenalina que vemos em histórias policiais, como traficantes, ameaças de morte e serial killers. 

Eu ainda não tinha visto algo do tipo e achei uma sacada interessantíssima. Tanto é que mesmo eu não curtindo histórias românticas, li o livro do começo ao fim, sempre muito ligado na história, querendo saber o que ia acontecer e torcendo pelo casal ao mesmo tempo.

Aliás, a autora é bem inteligente em construir a narrativa romântica. Como leitores, queremos que eles fiquem juntos, mas a autora constantemente os empurra em direções opostas, o que deixa a gente com uma agonia danada pra ver o que vai acontecer. Honestamente, é uma aula de como escrever histórias românticas, utilizando cada ato do livo de maneira deliberada a intensificar o conflito e aumentar a satisfação pela sua resolução.

Cheguei a estudar como escrever histórias românticas. Não lembro bem os detalhes, mas lembro que cada cena do livro deve sempre ser utilizada de forma a intensificar a história do casal; além disso, no primeiro ato, o casal ignora o amor; no segundo, eles dão uma chance para o amor; no terceiro, eles lutam pelo amor. A autora seguiu a cartilha à risca e o fez de forma tão elegante que não tenho como não tirar o chapéu para ela.

Aliás toda a escrita da autora demonstra um nível de maturidade que poucos autores têm. Surpreende-me ver que este foi o primeiro livro da autora, me pergunto se ela já não publicou por aí com algum pseudônimo. Veja só, por exemplo, a frase de abertura do livro:
The only reason she wouldn't win this year's Darwin Award was because they'd never find her body. (p. 4)
As descrições são elegantes, inseridas dentro de falas ou narrações, quase despercebidas. A autora é eficiente em usar outros elementos do texto pra aumentar a sua densidade. Além disso, fica evidente que ela sabe escrever para as massas, onde até as cenas quentes são bem trabalhadas na medida que atinja o grande público sem serem tão explícitas.

E a história em si é muito boa também. A autora soube construir bem os personagens, a gente fica de fato intrigado com o passado sombrio deles (excelente uso da técnica de "ghost") e ao mesmo tempo torcendo que eles abram mão das suas próprias máscaras para que fiquem um com o outro.

Engraçado que a gente torce por um final, tem quase certeza que ele vai acontecer, e quando acontece ainda assim nos emocionamos. Ou o livro é muito bem narrado, ou, assim como Érico Veríssimo dizia, sou uma vaca sentimental. Ou ambos.

Enfim, não tenho mais o que dizer do livro senão afirmar que é uma excelente leitura. Eu já quero até ler os outros livros da autora. Não é sempre que encontro algo tão bom na literatura contemporânea. Espero que a autora continue a escrever livros tão bons quanto esse.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Resenha — Max and the multiverse

WHEELER, Zachry. Max and the multiverse: book one. Mayhematic Press. Amazon KDP, 2017.


Ok, então né. Esse aqui entra pra categoria de "ainda bem que foi de graça". Encontrei este ebook em promoção na Amazon e achei a premissa interessante. Max é um jovem terráqueo que, toda vez que dorme, acorda em uma nova realidade do multiverso. Simples assim. Achei a premissa boa, vi que o livro tinha mais de 1300 avaliações na Amazon, com 4,1/5 estrelas. Ah, vamos ver, né? Hunf.
"I'm a cat, not your therapist." (p. 83)
Max and the multiverse propõe ser uma comédia sci-fi. Ele nos apresenta a história de Max, um garoto que, sem saber, acaba viajando pelo multiverso, indo parar numa Terra onde os dinossauros ainda existiam, ou em uma onde se fala igual o Yoda, ou mesmo em uma onde a viagem intergalática é possível. E nessa última, ele acaba levando seu gato Ross com ele e se encontrando com Zoey e Perra, duas aventureiras espaciais que têm uma carga perigosa que pode destruir o universo.

Olha, sendo bem honesto, o autor não é ruim, mas se veem traços fortes de amadorismo (como frases ou trechos muito explicativos). Além disso, ele abertamente tenta imitar Douglas Adams. Mas só tenta mesmo. Honestamente não considero isso um pecado, creio que é natural e até bom que autores copiem seus mestres no que eles fazem de bom — mas, meu filho, já que você está colando, pelo menos tire 10 na prova. E nem isso.

O autor paga mico, achando que está sendo o espertalhão quando na verdade a gente já entendeu o que ia acontecer desde a primeira linha. Ele se leva muito a sério e com isso perde a chance de ser, de fato, esperto. Ele não entende que ser randômico não significa fazer a coisa de qualquer jeito. O brilhantismo de Adams está justamente na loucura "ordenada", ou no mínimo lógica.

Ah, e se se essa é a ideia de roteiro do autor, nossa, então estou muito bem. O primeiro ato da história contribuiu para quase nada. A impressão que tiver é que o livro fora escrito por um adolescente. Cenas bem sem noção, que tentam ser engraçadas mas conseguem apenas ser o clichê do clichê.

O livro é um festival de "tell" em lugar de "show". Um exagero de cenas explicativas gratuitas. Além disso, o autor é claramente muito bom em world e lore-building, mas não em character-building. Tanto é que aquele que deveria ser o personagem principal, Max, não passa de um coadjuvante de terceira categoria. Quando a história finalmente pega no tranco no começo do Ato 2, a gente mal lembra que ele ainda está lá.

Enfim, ainda bem que foi de graça. Me assusta como esse livro teve uma recepção boa e ainda ganhou medalha de ouro em alguma premiação aí. Olha, vou te contar, é cada um que me aparece, viu?

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Resenha – Shibumi

TREVANIAH. Shibumi. São Paulo: Círculo do Livro, 1984.


Olha, não sei o que 2025 me reserva, mas em termos de leitura, se começou assim, já começou com o pé direito. E que pé direito. Comprei o livro num sebo em Brasília, melhor 17 reais já gastos. Devorei as 400 páginas em poucos dias, mal vi o tempo passar. Se no começo o livro me pareceu um clichezão, em pouquíssimo tempo ele me conquistou de modo que eu não conseguia mais escapar. Adianto-me, porém.

Embora no começo não fique claro, Shibumi é a história de Nikolai Hel, um rapaz de ascendência irlandesa e russa, que cresce no Japão da Segunda Guerra Mundial. Culturalmente um japonês, Hel cresce sem nacionalidade e se torna o mais importante assassino internacional de sua época. 

No livro, o autor foi muito inteligente em mostrar a sua história por meio de outros personagens, tanto é que um bom pedaço da primeira parte do livro é narrada do ponto de vista do vilão, que apresenta ao leitor quem é Nikolai Hel e qual a sua importância para a "Matriz", um conglomerado de empresas petrolíferas que exerce poder político e econômico sobre os outros países, tudo com vista a seus propósitos nefastos do lucro. Quando os caminhos da Matriz e de Hel se encontram, por causa de um atentado mal-sucedido que a Matriz encarregou a CIA de fazer, uma relação de vingança e ao mesmo tempo de dependência se sucede.

A narração é muito boa, embora em alguns momentos peque pelo estilo "best-seller" de escrita, aquele quase mecânico que se vê em muitas obras nas listas do The New York Times. Mas as cenas são muito boas. Aliás, não consigo deixar de ver algumas semelhanças com o Conde de Monte Cristo em alguns aspectos. Ambos têm um personagem fascinante que se capacita de tal forma que ficamos na ponta dos pés pra ver o que ele vai fazer quando finalmente puder agir.
Não caia no erro do artesão que se vangloria de possuir vinte anos de experiência na profissão quando, na realidade, só tem um ano... multiplicado por vinte. (p. 112)
Os personagens são fascinantes. Hel em si é quase um super-herói, dotado da capacidade de falar fluentemente japonês, alemão, russo, chinês, inglês e mandarim; além de ter uma espécie de sexto sentido que o permite identificar a localização de pessoas e objetos, sentido esse derivado da sua capacidade mística de meditação e autoconhecimento. 

Alguns personagens são bem caricatos, especialmente os vilões. Depois descobri que o autor era professor de cinema e teatro e acho que isso influenciou no jeito dele de criar algumas coisas, com cenas que parecem perfeitas para cortes de câmera e personagens que falam frases marcantes mas que, no fundo, não contribuem em nada a não ser para criar um estereótipo deles. 

Preciso citar aqui tanto o general Kishikawa quanto o professor do jogo "Go", Mestre Otake. Ambos muito bem trabalhados dentro da cultura japonesa, traduziram muito bem o estilo de vida e cultura daquele povo de um jeito fascinante. Merece também um destaque especial Beñat "Le Cagot", um revolucionário basco que, não consigo evitar, me lembra demais meu amigo Bruno. Tem outros que não citei, mas que um dia vou lembrar quando reler esse livro.

E já que me referi à cultura japonesa, não tem como não ficar impactado com a profundidade e simplicidade do "Shibumi", termo da filosofia japonesa que se torna a meta de vida de Hel. Nas palavras do próprio livro:
[...] shibumi tem a muito a ver com um acentuado refinamento sob uma aparência comum. É uma declaraço tão correta que não precisa ser ousada, tão mordaz que não precisa ser bonita, tão verdadeira que não precisa ser real. Shibumi é compreensão, muito mais do que conhecimento. Um silêncio eloquente. No comportamento, é modéstia sem prudência. Na arte, onde o espírito de shibumi assume a forma de sabi, é uma simplicidade elegante, uma brevidade articulada. Na filosofia, onde shibumi emerge como wabi, é uma tranquilidade espiritual que não é passiva; é o ser sem a angústia do vir a ser. (p. 81)
Talvez seja só eu, mas isso não é fascinante? Um estoicismo aplicado à vida que todo mundo poderia almejar? Não consigo deixar de pensar como esse livro ressoa. Faz tempo que um livro não me deixa pensativo depois que termino de lê-lo. Tanto a história como o conceito de "shibumi" são muito interessantes e muito bem trabalhados no livro.

Por outro lado, temo que o livro jamais sobrevivesse aos tempos atuais, onde não se pode falar nada. Tenho certeza que os leitores atuais achariam o autor racista, porque ele simplesmente não tem filtro nenhum e traz de forma explícita que pensa que árabes são menos capazes, que chineses e japoneses são "amarelos" ou ainda destacando personagens negros pelos seus fenótipos. O discurso e abordagem raciais são bem fortes e presentes por todo o livro.
[...] se desprezamos a beleza na nossa desesperada luta pela vida, então os bárbaros já terão vencido. (p. 100-101)
O livro é extremamento realista, não há dúvida. Se é caricato em alguns momentos, em outros é cirúrgico em mostrar o horror da humanidade. Toda vez que leio sobre a guerra fico movido por me deparar com a loucura da destruição humana. De gente que comemora a morte de outros, de pessoas procurando em pilhas de cadáveres os seus parentes. 

Na verdade, talvez eu deveria dizer que o autor é bem cínico em relação a governos de modo geral. Despreza-os todos, mas tem um desprezo especial pelos EUA, que considera extremamente materialista e cujo modo de pensar mercantilista um dia traria sua ruína. Os personagens deixam isso bem claro, embora a narrativa acabe sendo fatalista nesse ponto, abraçando o niilismo do inevitável. 
[...] uma das coisas mais difíceis para o homem egocêntrico enfrentar é o fato de ser ele um indivíduo insignificante em qualquer biografia que não seja dele. (p. 362)
Enfim, concluo com a inevitável afirmação de que esse livro é sensacional. Não é sem seus erros, mas eles de modo nenhum eclipsam tudo que o livro tem a oferecer. É uma leitura fluída, muito embora em alguns momentos a gente fique se perguntando por que diabos está lendo trinta páginas que descrevem tão somente a exploraçao de uma caverna por Hel e seu amigo Le Cagot. 

Minha única crítica verdadeira, talvez seja que o autor dedicou poucas páginas para descrever melhor a vingança de Hel e o final me pareceu um pouquinho corrido demais. Ora, já tínhamos investido tanto tempo com outros detalhes que não me importaria de ter visto com mais propriedade a última missão do personagem principal.

De qualquer forma, é um livro que vai ficar na estante e, com certeza, eu vou reler um dia, porque sei que no futuro vou querer viver essa aventura de novo. Eis por que eu leio. Ainda mais livros como esse, que mesmo depois de ler, ainda ressoam. Quero ouvir essa música de novo. 

terça-feira, 31 de dezembro de 2024

2024: o resumo da ópera

E aqui estamos nós de novo. Acabou-se o ano. É a época de rever o que fizemos e ficar triste em ver que não cumprimos quase nada das metas que estabelecemos para nós mesmos. Pra minha sorte, não tive meta nenhuma e ainda assim consegui dobrar a meta de decepção. Vamos ao resumo da ópera.



1. Livros resenhados

Não tive um bom ano literário e, por isso, as leituras sofreram. Conquanto tenham sido melhores que ano passado, não dá pra dizer que menos de dois livros por mês é algo do qual se orgulhar — muito embora a pesquisa oficial sobre leitura no Brasil desse ano tenha mostrado que menos de 50% dos brasileiros sequer folheiam um livro durante o ano todo.
Nesse ano é muito fácil escolher o melhor: La catedral del mar, disparado. Uma ficção histórica de fazer inveja. É o livro que eu sempre quis ler e não sabia. Absurdamente visceral e realista, contando a história de um rapaz que nasce e cresce em Barcelona no contexto da Inquisição espanhola e o período medieval. Até agora ainda consigo lembrar de cenas do livro que me dão arrepios de tão boas.

Por outro lado, também ganha em disparada a pior leitura: Ready Player Two. O autor conseguiu destruir tudo que construiu com o primeiro livro, apenas com o intento de lucrar. É o retrato da nossa época, creio.

Pensando na quantidade de livros, houve uma ligeira recuperação em relação ao ano anterior, mas ainda muito aquém do histórico. O que aconteceu com aquele Gabriel? Será que as prioridades mudaram tanto? Será que simplesmente não encontrei tantos livros bons? Não sei.
2018: 27 livros
2019: 37 livros
2020: 40 livros
2021: 21 livros
2022: 35 livros
2023: 20 livros
2024: 23 livros
 
2. Concursos literários e produções

Este tópico está intimamente ligado com a nova seção que criei abaixo. Por enquanto, basta dizer que estou explorando novos horizontes. 

Acho que aqui oficialmente começa a ladainha da tristeza e do porquê meu ano literário foi tão ruim. Na verdade, os concursos são apenas reflexo do desânimo, não o contrário. Este foi oficialmente meu pior ano (disparado!) em textos aprovados para concursos/revistas literárias. Mas tem o pulo do gato: neste ano não submeti nenhum texto para concursos ou revistas literárias no Brasil.


Minha teoria é que lá fora a competição é muito maior e, do meu ponto de vista, a exigência também. Já percebi no Brasil que tem alguns lugares que se eu mandar texto, quase certeza de que ele será aprovado. O problema é que vai o meu e vários outros que, do meu humilde ponto de vista, não têm qualidade nenhuma. Eu simplesmente queimo um texto para nada. E nada mesmo, porque essas publicações são, em regra, vazias. Lá fora, a história é outra.

Também tem o fato de que não escrevi textos direcionados. No Brasil, via de regra eu olho o edital ou a revista literária e escrevo um texto que se encaixa na proposta deles. Não fiz isso para os EUA. Pela tabela é possível ver que foram praticamente os mesmos textos enviados para revistas diferentes. É bem possível que isso tenha contribuído. Ou é simplesmente a conclusão mais simples: meus textos são uma bosta.
2018: 18 textos enviados, 4 aprovados → 22% de aproveitamento
2019: 17 textos enviados, 4 aprovados → 23% de aproveitamento
2020: 18 textos enviados, 6 aprovados → 33% de aproveitamento
2021: 35 textos enviados, 6 aprovados → 17% de aproveitamento
2022: 46 textos enviados, 7 aprovados → 15% de aproveitamento
2023: 10 textos enviados, 4 aprovados → 40% de aproveitamento
2024: 25 textos enviados, 1 aprovado → 4% de aproveitamento
Sei que os números são apenas números (tenho dito isso em todos esses anos). Mas ainda são a métrica que temos, que posso fazer? Nos resta então o seguinte gráfico:



3. "Carreira" literária

Talvez essa aqui seja a parte mais interessante dessa retrospectiva. Tudo que falei acima está intimamente ligado com o que vou falar agora. 2024 foi um ano bem triste para a minha literatura, em especial para meus livros. 

Desde 2019/2020, tenho publicado quase um livro por ano.
  • Personagens não bíblicos e suas histórias (2019) foi meu "debut" e teve uma excelente abertura. Não foi a abertura que a editora esperava, mas dentro das minhas proximidades, saiu muito bem.
  • Meu segundo livro foi É a vida: microcontos de risadas, amor e morte (2021). Esse saiu chorando, mas atribuí isso à pandemia. 
  • Quando chegou meu terceiro livro, Outros personagens não bíblicos e suas histórias (2022), eu esperava uma recepção parecida com o primeiro. Mas foi um tremendo fiasco. Enquanto o primeiro vendeu 600 exemplares tranquilo (só parou por causa da pandemia), esse outro não vendeu nem 300. 
  • Não satisfeito com as derrotas, lancei o Pois é e outros microcontos (2023), na esperança de que os microcontos me dessem alguma abertura em escolas para que eu pudesse fazer oficinas (coisa que o É a vida fez muito bem). Esse também não saiu quase nada.
Esse ano todos os meus livros ficaram encalhados. Resolvi colocá-los na Amazon. Teve trimestre (trimestre!) que meu total de vendas foi de R$0,10 (sim, dez centavos). Comecei a ficar com angústia de ver tantas caixas de livros encalhados no quarto, era um atestado da morte da minha literatura. 

Distribuí sugestões de oficina em escolas. Fiz toda uma formalidade, apresentei um programa por escrito, sugestão de contrapartida, cronograma, tudo. Algumas escolas nem me receberam. Outras disseram que iriam me chamar para seus festivais literários ou para dar a oficina em outro momento. Nenhuma entrou em contato de novo. 

Ano passado escrevi meu primeiro romance, Coisas da vida, que foi contemplado no Concurso “IV Literatura de Circunstâncias” da UFRR, mas que ficou só nisso mesmo e nunca foi publicado. Quando entrei em contato com a editora para ver se havia alguma atualização, se limitaram a dizer que estava previsto no edital que o livro só seria publicado se houvesse possibilidade. E é isso.

Tentei então submeter o livro como projeto no edital da Lei Paulo Gustavo, lançado pela Secretaria de Cultura de RR. Fiz todo o projeto, seria o único romance roraimense que se passa totalmente na cidade de Boa Vista, é uma história que fala da realidade local, no meu projeto coloquei como sugestão a doação de 500 exemplares para escolas de todo o Estado, no cronograma e orçamento coloquei valores condizentes com a realidade do país, pensei em como baratear custos... fiz tudo o que podia. Quando saiu o resultado, meu projeto ficou em último lugar. Ali eu entendi que, de fato, era o fim.
 
Nos meses que se seguiram, doei todo o meu estoque. Tudo. Alguns lugares ainda se solidarizaram comigo e compraram alguns exemplares a preço de custo. Vários outros nunca recebi nem um obrigado, só receberam a doação mesmo e ficou por isso. Quando doei o último exemplar, senti que eram os últimos pregos do caixão. Estava morto, podem elogiá-lo à vontade.

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Pra ser justo, houve dois respiros de literatura esse ano, e os dois graças ao SESC. Fui convidado para palestrar na Semana Literária (é a foto que está acima) e também fui dar oficina no interior de Roraima, em São João da Baliza. Esses momentos foram bem únicos. 

De modo geral, passei (passo?) por um momento bem triste, pensando em desistir mesmo da literatura e talvez voltar para as composições musicais ou até mesmo explorar uma outra arte. Porém ainda surgiu uma luz no fim do túnel: escrever em outro idioma. Foi aí que resolvi enviar textos para o exterior. 

Apesar de apenas 1 ter sido selecionado, encaro isso com bons olhos. Tem escritores nativos do inglês que passam uma vida para conseguirem ser publicados. Eu consegui isso em 2023 e 2024. E olha que o conto de 2023 foi comédia (considerado um dos gêneros mais difíceis de escrever em inglês). Tudo isso me mostrou que talvez haja uma solução.

Esse ano, então, comecei a pensar num romance para escrever diretamente em inglês e publicar no exterior. Estou oficialmente migrando minha literatura para fora. Não pretendo escrever outros textos em português, e nem investir mais na literatura no Brasil de modo geral. Já terminei o plot do meu próximo romance e devo começar a escrevê-lo em meados de Janeiro/2025 pra tentar a sorte por lá. Não sei se vai dar certo, mas sinto que as circunstâncias me empurraram para esse caminho. Quem sabe este não é o futuro?


#O resumo da ópera
  • Livros lidos: 23
  • Textos escritos: provavelmente nenhum, embora tenha feito umas 3-4 traduções de textos meus. Por outro lado comecei a plotar 3 livros esse ano e um deles vingou, tenho a estrutura dele completinha já.
  • Textos enviados pra concursos literários: 25
  • Textos aprovados: 1
Em 2023 escrevi meu primeiro romance aos trancos, dessa vez fiz com mais técnica, espero que ele saia com mais qualidade. Vamos ver. Pretendo usar meus contatos para me ajudar com a publicação no exterior e talvez até com publicidade — mas vamos ver.

No momento, o único plano é tentar escrever um bom livro. É isso. O que vai ser dele eu não sei. Mas, pelo menos, Deus, me ajuda a contar uma boa história. De tudo que perdi, é disso que sinto mais falta.

Mas vamos ver. 
Amanhã é 2025 e eu não sei o que esperar dele. Alguém sabe?

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Resenha — The Complete Poetical Works of Edgar Allan Poe

INGRAM, John H (ed.). The Complete Poetical Works of Edgar Allan Poe. New York: A. L. Burt Company, 1875. Digital Kindle Edition (2011).


Então, né. Acabou que voltei. É que fiquei tão animado com meu novo Kindle que resolvi pegar alguma coisa de graça na Amazon, só pra estrear ele mesmo. Acabou que encontrei essa coletânea com as obras de Poe e resolvi dar uma chance. Não costumo resenhar livros de poesia, mas depois que terminei de ler percebi que precisava registrar algo sobre ele.

Eu já havia lido Poe há algum tempo. Na verdade, eu havia lido apenas O corvo e não tinha curtido muito. Penso que é porque eu achava que se tratava de uma narrativa em prosa, não de um poema com algum fundo mórbido. Aliás, pensei que seria algo de terror, e não senti medo nenhum lendo o conto. Acontece que eram apenas minhas expectativas que estavam erradas. Poe é sim muito bom.

Nesta obra temos vários de seus poemas e não dá pra negar que ele é um mestre da palavra. O corvo em si é fantástico, muito bom. Relendo agora com outros olhos, realmente entendi que poesia é sinônimo de ritmo. Além disso, achei genial como Poe não tinha medo de repetição de palavras quando elas serviam para fortalecer a ideia do ritmo. Além disso, ao contrário do que me pareceu no começo não é um poeta limitado a um único tema. 
A DREAM WITHIN A DREAM.

Take this kiss upon the brow!
And, in parting from you now,
Thus much let me avow—
You are not wrong, who deem
That my days have been a dream;
Yet if hope has flown away
In a night, or in a day,
In a vision, or in none,
Is it therefore the less gone?
All that we see or seem
Is but a dream within a dream.

I stand amid the roar
Of a surf-tormented shore,
And I hold within my hand
Grains of the golden sand—
How few! yet how they creep
Through my fingers to the deep,
While I weep—while I weep!
O God! can I not grasp
Them with a tighter clasp?
O God! can I not save
One from the pitiless wave?
Is all that we see or seem
But a dream within a dream?
Por um lado, enquanto foi possível explorar outras áreas de Poe que eu não conhecia, também não posso dizer que tudo que ele produziu são flores. Uma crítica que ouso fazer é que é uma poesia, acho, exageradamente intelectualizada. Soa como Machado, citando frases em outros idiomas como se o leitor tivesse obrigação de saber do que se trata (claro que no contexto o francês era a língua franca do mundo). 

Além disso, temos as constantes referências a Grécia clássica. Mano, não consigo entender que fascinio é esse que pro cara ser intelectual ele tem que citar ou estar familiarizado com personagens da Grécia antiga. Honestamente me soa como intelectualismo de fachada.

Outra coisa é que achei muito mais interessantes os seus poemas do que os monólogos de filosofia e teologia (não deve ser à toa que ele é conhecido pelos seus poemas e não outros textos). Não obstante, nota-se que ele era um ávido leitor de poesia. Inclusive elogiando outros poetas.

Por outro lado, os comentários dele sobre poesia e escrita são MUITO interessantes. No ensaio The Poetic Principle ele ensina o que entende por "princípio poético" e como isso guia sua própria forma de escrita — absurdamente genial, cheio de insights muito bons. 

No outro, The Philosophy of Composition, Poe praticamente dá uma aula de como escrever. Ele usa seu próprio poema O corvo e explica como ele fez para escrevê-lo. Nossa, o tanto que dá pra gente aprender sobre poesia com esses dois textos... já li livros inteiros que não ensinaram tão bem como ele.

Enfim, como qualquer outro escritor, há textos e textos. Além de O corvo e Dream within a dream, que citei aqui, houve outros poemas que li mais de uma vez, absorvendo as nuances e a profundidade do autor. Honestamente não esperava gostar tanto de Poe, mas a verdade é que o homem cativou. Permanece na estante, o safado.

(Agora sim, acho que esse foi o último de 2024)

sábado, 21 de dezembro de 2024

Resenha — A vida secreta dos grandes autores

SCHNAKENBERG, Robert. A vida secreta dos grandes autores: o que os professores nunca contaram sobre os famosos romancistas, poetas e dramaturgos. São Paulo: Ediouro, 2008.


Eis o que parece ser a minha última leitura de 2024. Um livro que comprei num sebo em Brasília, só pra ter alguma coisa fácil pra ler na viagem de volta. Sem muito o que dizer, vamos à resenha.

Trata-se de um livro de curiosidades, não tem outra coisa. Aqui vemos causos e detalhes sobre a vida de Shakespeare, Byron, Edgar Allan Poe, Charles Dickens, Tolstói, Conan Doyle, Tolkien, Hemingway e vários outros.

O livro em si é interessante, mas, por incrível que pareça, a leitura cansa. Primeiro porque não há uma narrativa que una todos os capítulos, são apenas fascículos independentes cheios de curiosidades sobre grandes personalidades.

Soma-se a isso também o problema de que... bem, perdoe a franqueza e a ignorância... eu sequer conhecia todos os autores listados. Perdão por não lembrar quem era Louisa May Alcott (embora eu soubesse sim do seu livro Mulherzinhas) ou William Faulkner. Honestamente, nem sei porque peço desculpas, não sabia que era obrigado a conhecer todos. 

De qualquer forma, o livro é interessante. Sabia que o "corvo" do famoso poema de Poe era um corvo real cujo dono era Dickens? Sabia que Mark Twain era amigo de Nikola Tesla e chegou até a patentear algumas invenções? Sabia que após a fama Conan Doyle não suportava mais Sherlock Holmes e decidius matá-lo, mas os fãs foram pra frente da casa dele protestar? 

É para isso que o livro serve, para que a gente possa conhecer um pouco mais sobre os autores mas, principalmente, para que a gente possa mostrar nossa sapiência com esses fatos interessantes nas rodas dos amigos que, assim como nós, fingem que leram todos esses autores. 

Bom, mas acho que valeu a leitura, já que a finalidade era ser simples e ter algum entretenimento. Gostaria de finalizar citando parte do apêndice do livro, que traz as últimas palavras de algumas dessas grandes celebridades. 

As últimas palavras de Lord Byron foram "Agora vou dormir. Boa noite." Oscar Wilde disse: "Meu papel de parede e eu estamos lutando um duelo mortal. Um de nós dois terá de sair daqui." Mas os dois que mais me chamaram a atenção foram H. G. Wells, que disse: "Vá embora. Estou bem."; e Walt Whitman, cujas últimas palavras foram: "Me segure, eu quero cagar."

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Resenha — Chernobyl

LEATHERBARROW, Andrew. Chernobyl: 01:23:40. Porto Alegre: L&PM, 2020.


Ganhei este livro porque um amigo mudou-se e resolveu se livrar de coisa parada presentar-me com parte de seu acervo. Como estou viajando, resolvi que seria uma boa oportunidade pra me dedicar à leitura sem grandes interrupções, e deu certo.

Este livro é uma não-ficção escrita por um entusiasta, um aficcionado do acidente de Chernobyl. Andrew Leatherbarrow nada mais é do que um fã e, depois de tanto pesquisar sobre Chernobyl, percebeu que tinha reunido um poderoso arsenal de dados sobre o caso e foi convencido a publicá-los em livro.

A estrutura do livro segue um padrão estranho. No começo temos uma exposição e introdução ao tema. A seguir, cada capítulo ora fala do acidente em si e suas consequências, ora da viagem que o autor fez ao local do acidente e como isso marcou sua vida. 

Confesso que não vi tanta utilidade no relato pessoal do autor, me interessaram mesmo as partes que falaram do acidente e das dificuldades absurdas que as pessoas tiveram para lidar com as consequências do mesmo. Dizer que ele foi até o telhado de um prédio pra bater umas fotos e isso deixou ele nostálgico, bem... já não sei.

Sobre os fatos em si, o livro trouxe muitos detalhes que eu não conhecia. O autor aponta duas grandes causas para o acidente: problemas na própria construção e estrutura do reator de Chernobyl, e erro humano, devido à falta de consideração que Anatoly Dyatlov, vice-engenheiro-chefe da Usina Nuclear de Chernobil, teve por procedimentos de segurança e a vida humana.

Eu não tinha noção de como se deram os reparos e como foi o processo de contenção. Fiquei muito impressionado em ver que muitos dos que trabalharam nos esforços sabiam muito bem que não voltariam, realmente se sacrificaram para salvar a humanidade. Ou pior: muitos que foram e nem sabiam a que estavam se submetendo. Era gritante a corrupção e o descaso que a União Soviética tinham pela própria população. Triste e revoltante.

Destaco aqui o trabalho dos Liquidadores, dos Biorrobôs, dos bombeiros e dos mineradores — os verdadeiros heróis dessa história.. Mas de todos os detalhes que o livro traz, quero transcrever aqui um relato que o autor faz de outos acidentes radioativos em diferentes lugares no mundo. Os grifos são meus:
[...] mais de 240 pessoas foram expostas à radiação em Goiânia, no Brasil, em setembro de 1987, depois que uma dupla de ladrões desmontou uma cápsula de aço e chumbo que haviam roubado de um hospital meio abandonado ali próximo. 

A cápsula, que fazia parte de um aparelho de radioterapia e continha césio, ficou guardada no quintal da casa de um deles. Lá, os dois ladrões ficaram batendo vários dias na cápsula para perfurar a proteção externa de aço, ao mesmo tempo em que adoeciam. Atribuíram seus sintomas a algum alimento que tivessem ingerido, sem suspeitar do objeto roubado, e depois venderam a cápsula danificada a um sucateiro chamado Devair Ferreira.

Naquela noite, Devair notou que o material interno soltava uma luminosidade azulada e imaginou que devia ser valioso — até sobrenatural. Para protegê-lo, guardou a cápsula na casa onde morava com a esposa, Gabriela, e distribuiu pó e fragmentos de material entre amigos e parentes. 

Um deles foi o irmão de Devair, que deu um pouco do pó de césio para a filha de seis anos de idade. Encantada com aquele brilho mágico azul, a menina ficou brincando com o pó de césio, passando em si mesma como se fosse purpurina e ingerindo partículas radioativas. Dois empregados de Devair ficaram alguns dias mais tentando desmontar a cápsula para extrair o chumbo que continha.

Gabriela foi a primeira a perceber que ela e todos os seus próximos estavam adoecendo gravemente. Um médico lhe disse que era uma reação alérgica a alguma coisa que comera, mas ela estava convicta de que a culpa era do material estranho que tanto fascinara a família. 

Gabriela pegou de volta a cápsula que tinham revendido a outro ferro-velho, levou-a — de ônibus — até um hospital local e lá declarou que aquilo estava “matando [sua] família”. Essa providência impediu que o episódio tivesse uma gravidade muito maior.

O césio então ficou num pátio até o dia seguinte, sem ser identificado, até que um radioterapeuta, a quem um médico do hospital pedira que fosse examinar a cápsula, “chegou bem a tempo de demover os bombeiros de sua intenção inicial de pegarem a fonte e jogarem num rio.”

Gabriela, a menina e os dois empregados de Devair morreram. Devair sobreviveu, mesmo tendo absorvido uma dose maior do que os outros quatro. Como a cápsula tinha sido aberta e transportada várias vezes naquelas duas semanas, diversas áreas da cidade ficaram contaminadas, exigindo a demolição de muitos edifícios. (p. 24-25)
Não há como negar que essas histórias fascinam. São interessantes porque são absurdamente reais. Ainda que a energia nuclear seja a mais eficaz entre todas as energias limpas disponíveis hoje, o risco que ela traz ainda é muito grande. O mundo tem medo demais de um inimigo invisível. Chernobyl certamente não será o último acidente energético, mas espero que seja o último dessas proporções.

Enfim, o livro vale a leitura, ensina demais sobre o que é o ser humano e os limites da ciência. Pelo menos por enquanto, vai sim ficar na estante.